Governadores trabalhistas – Getúlio, Jango e Legalidade: é ao redor de tais nomes que orbita a maioria das análises sobre o trabalhismo brasileiro. Quando muito, fugindo desse contexto pré-ditadura, surge um ou outro comentário acerca do breve auge do brizolismo carioca. Para quem não conhece muito bem as dinâmicas políticas locais, o trabalhismo de 85 para frente soa um fracasso ante a capacidade de hegemonia e de mobilização do velho PTB. No entanto, leitor, essa análise é injusta, sobretudo dado o imenso poder dessa corrente que, depois de tantos ataques, segue de pé erguendo o punho e a rosa. Com o intuito de resgatar os nomes de Albuíno Azeredo e Alceu Collares – ainda que pretensioso de minha parte – escrevo este texto.
As manobras de Golbery, o choro de Brizola e a perda da sigla petebista habitam a memória política nacional. A farsa da Proconsult e as manobras políticas de Roberto Marinho ambientadas no Rio de Janeiro, embora mais lembradas, não foram as únicas balas disparadas contra o trabalhismo desde a recuperação da democracia. Quando os reacionários do Rio perderam o palácio laranjeiras, além de Brizola, o PDT elegeu dois governadores: o gaúcho Alceu Collares e o capixaba Albuíno Azeredo, dois homens negros. O primeiro, um trabalhista histórico, o segundo, um bem-sucedido professor e ferroviário que identificou no trabalhismo um caminho para a nação.
Em 91, o Palácio Anchieta, belíssima construção de arquitetura eclética, recebeu o primeiro governador negro do estado. Nascido no distrito de Argolas, em Vila Velha, Albuíno precisou trabalhar desde muito cedo para ajudar a sustentar a sua família. Com uma mente brilhante, arrecadou fundos lecionando para colegas e passou, ao mesmo tempo, para o curso de engenharia na Universidade Federal do Espírito Santo e para a Academia Militar das Agulhas Negras. Ele até pensou em seguir a vida militar, mas voltou para casa e se formou engenheiro.
Distante da realidade política, construiu a sua família e viveu no Rio de Janeiro até receber convite do governador capixaba Max Mauro para ocupar uma das suas secretarias. No cargo, Albuíno barateou os custos das obras nos municípios e implantou o “Transcol”, projeto que revolucionou a mobilidade na região metropolitana. Com o apoio de dezenas de prefeitos, lançou sua candidatura ao governo. Inicialmente, as coisas foram bastante complicadas: como ainda não contava com a ajuda do governador, filiou-se ao PDT (pela sua admiração por Brizola) e iniciou campanha com cerca de 1% das intenções de votos. Na medida em que agregou apoios, incluindo o de Max Mauro, Albuíno cresceu e superou o candidato de Collor.
Em posse do cargo de executivo do estado, o pedetista precisou lidar com uma elite revoltada com a sua eleição, uma bancada alheia aos interesses do governo e um presidente que fez de tudo para sabotar a gestão estadual. Saiba, leitor, que quando Fernando Collor liberou a importação de carros estrangeiros, proibiu que chegassem pelo Espírito Santo (decisão posteriormente modificada frente ao absurdo que representava).
Durante o governo trabalhista no Espírito Santo, foram realizados investimentos recordes em saneamento básico e aconteceram as primeiras aulas a distância do estado graças a instalação de antenas parabólicas nos colégios. Demonstrando sua sensibilidade com a questão nacional, Albuíno garantiu a exclusividade da Petrobras no setor de distribuição de gás e, em contraposição ao esvaziamento do setor cultural brasileiro realizado pelo governo federal, foi lançada uma linha de financiamento para filmes com o objetivo de formar um polo cinematográfico capixaba. No contexto de caos econômico deixado pelos militares e agravado por Collor, Azeredo conseguiu sanear as contas do Estado. Ativo no movimento negro, o governador também trouxe Nelson Mandela ao Brasil.
Ainda nos anos 90, mas no Rio Grande do Sul, quem venceu o governo estadual foi o ex-prefeito Alceu Collares. Vendedor de laranjas em Bagé durante a infância, superou todas as dificuldades (entre elas, o frio e a fome, como dizia um santinho eleitoral) e formou-se bacharel em direito. Iniciando a sua vida política, filiou-se ao PTB nos anos 50 inspirado pelos discursos de Brizola. Durante o regime repressivo da ditadura, fez uma contundente oposição ao governo enquanto deputado do povo gaúcho, o que quase lhe rendeu uma cassação. Nos seus discursos, o trabalhista recorrentemente criticava as condições humilhantes impostas ao trabalhador brasileiro, tornando-se conhecido como “Deputado do Salário Mínimo”.
Em plena redemocratização, foi protagonista na construção do PDT gaúcho, mas perdeu as eleições estaduais de 1982, obtendo apenas 22% dos votos. Em 1990, após ter passado pela prefeitura de Porto Alegre (mandato de três anos), em que ergueu a Avenida Beira-Rio, revitalizou a Usina do Gasômetro e implementou o Orçamento Participativo, Collares venceu a disputa pelo Palácio Piratini. Somadas as suas gestões municipal e estadual, o líder trabalhista construiu dezenas escolas de tempo integral (os CIEPs, em formato parecido com o dos Brizolões, mas adaptado ao contexto gaúcho). Enfrentando uma dura oposição, a crise do governo Collor e a inimizade da mídia local, Collares conseguiu fazer o PIB do Rio Grande do Sul crescer em mais de 20%.
Prezado leitor, encerro o texto tentando promover uma reflexão: se o fio da história do trabalhismo demonstra experiências tão bem-sucedidas em meio aos momentos de dificuldade da vida brasileira, porque não recuperamos essa corrente de maneira atualizada? A minha exposição aqui realizada não se resume ao inútil saudosismo: é preciso conhecer as trajetórias desses homens honrados para compreender que é possível, embora difícil, dar mais dignidade ao povo brasileiro.
Por Bernardo Brandão, carioca, aluno da UFRJ, filiado ao PDT e militante da Juventude Socialista
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