Práticas antissindicais – “Sai do grupo, senão você vai se f….”. Esse foi o recado de um gestor da empresa Stefanini para uma trabalhadora que entrou no grupo no WhatsApp criado pelo sindicato da categoria.
Isso poderia ser uma exceção, mas de acordo com inúmeros relatos de trabalhadores e de estudos ao redor do país e do mundo, esta é a regra de uma verdadeira epidemia de assédio moral e de práticas antissindicais no setor que mais cresce no mercado de trabalho global.
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Com a Reforma Trabalhista de 2017 e a pandemia global de Covid-19 – e o advento do ‘home office’ -, os trabalhadores ficaram ainda mais desprotegidos contra práticas diversas que se configuram como assédio moral. Tudo isto ocorre em paralelo com o aumento do desemprego, deixando trabalhadores inseguros e mais propensos a aceitar abusos – tudo em nome da manutenção do emprego.
Mais de 80% dos brasileiros já sofreram algum tipo de assédio e a maioria dos casos acontecem no ambiente de trabalho, aponta estudo da KPMG Brasil, que oferece serviços de consultoria empresarial de recursos humanos em São Paulo. Esse número – que já é alto – pode ser ainda maior, pois muitos casos podem ser interpretados como brincadeiras pelas vítimas.
No entanto, os trabalhadores têm ficado cada mais conscientes e atentos à essas práticas ilegais. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região contabilizou quase 25 mil processos envolvendo assédio moral, de 2019 a março de 2023.
Assédio moral, conforme a cartilha do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é qualquer conduta que cause humilhação e constrangimento no ambiente de trabalho, causando danos à dignidade e à integridade do trabalhador.
O assédio moral desestabiliza a atuação profissional e a parte emocional da vítima e pode ocorrer tanto por ações diretas (como gritos, insultos e humilhações públicas), como por ações indiretas (propagação de boatos, isolamento social da vítima e recusa em se comunicar com ela).
O modus operandi das empresas é focado em duas frentes: demonizar a atuação sindical e coagir seus funcionários para que se afastem dos sindicatos, enquanto descumprem a legislação trabalhista e exploram os trabalhadores, apostando na impunidade.
Práticas antissindicais
Por conta de inúmeras denúncias, o Sindicato dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação de São Paulo (Sindpd) agiu para dar suporte à mobilização dos trabalhadores da maior empresa brasileira de Tecnologia da Informação (TI), a Stefanini, que fechou 2022 com um faturamento global de R$ 6,2 bilhões.
A ‘resposta’ da multinacional foi infiltrar seus gestores em grupos criados pelo sindicato para coagir e ameaçar trabalhadores identificados, assediando os funcionários para que não se envolvam na atividade sindical. Presente em 41 países e com mais de 30 mil funcionários, a empresa é apontada como a quinta empresa brasileira mais internacionalizada – a primeira no setor de tecnologia.
O aumento das práticas antissindicais no Brasil levaram o Ministério Público do Trabalho (MPT) a lançar a “Maio Lilás”, com o objetivo de conscientizar a sociedade da importância da união e participação pacífica dos trabalhadores e trabalhadoras em atos coletivos para defesa de seus direitos.
“Nossa mensagem é o respeito à liberdade sindical, a importância da união e participação de toda a sociedade em ações coletivas para a defesa dos direitos trabalhistas e o reconhecimento de que os direitos já adquiridos – como férias remuneradas, 13º salário, aviso prévio, licença maternidade – são frutos de lutas antigas”, diz o procurador Marcos Antonio Ferreira Almeida, que coordena a campanha do MPT.
Neste mês, no Rio de Janeiro, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-RJ) condenou o Carrefour por ato discriminatório e antissindical, após uma ação civil pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho fluminense (MPT-RJ). A empresa foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$500 mil.
A denúncia era de que o supermercado demitiu trabalhadores que compareceram ao sindicato da categoria e estavam participando do movimento de denúncia de insatisfações. Também foi registrado a prática de assédio moral contra um funcionário que, após ter procurado o sindicato, foi punido com aplicação de duas suspensões sem qualquer motivo.
Para o tribunal, ficou evidente a prática de ato antissindical pois, ao dispensar os trabalhadores que articulavam um movimento de paralisação, a empresa visava enfraquecer o próprio direito dos trabalhadores de participarem do movimento sindical, intimidando os demais empregados a exercerem seu direito de adesão ao movimento de paralisação.
PLR
No Brasil, as denúncias de trabalhadores crescem a cada dia e envolvem temas como o não pagamento de Participação em Lucros e Resultados (PLR), o desconto do vale-refeição durante as férias, demissões forçadas, tudo regado – segundo os trabalhadores – a muita coação e assédio moral.
A Stefanini, por exemplo, não paga PLR a seus funcionários, embora seus lucros sejam exorbitantes. Pior: o sindicato afirma que obteve provas de que a empresa paga PLR a gerentes e supervisores enquanto nega o benefício ao resto dos trabalhadores.
A gigante do setor foi condenada, inclusive, em uma ação movida pelo sindicato, questionando o não pagamento de PLR a seus funcionários, configurando descumprimento da Convenção Coletiva da categoria.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) condenou a empresa ao pagamento de indenização a todos os seus funcionários por não ter implementado o programa de PLR entre por cinco anos (2014-2018).
A empresa terá que desembolsar mais de R$ 3 milhões para distribuir entre os funcionários – o valor se refere somente à multa por descumprimento da Convenção Coletiva, para então ser aberta uma nova mesa de negociação.
Em Minas Gerais, o problema atinge o setor público e a gestão de Romeu Zema na Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) foi condenada por prática antissindical na 9ª Vara de Trabalho de Belo Horizonte, também neste mês de maio.
No caso em tela, a divulgação de comunicado interno no dia 1º de fevereiro deste ano, interferindo na liberdade dos trabalhadores de decidirem sobre a proposta de Participação em Lucros e Resultados (PLR) de 2023.
Na sentença, o juiz defendeu o diálogo, a negociação coletiva e a autonomia da organização sindical, determinando que a empresa se retrate e pague indenização. A ação, como de costume, foi proposta pelo sindicato da categoria – o Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro).
Demissão forçada
A Stefanini também está sendo denunciada por funcionários por práticas ilegais no regime de demissão dos trabalhadores em um caso envolvendo a Prodesp, empresa estatal de TI do estado de São Paulo.
A multinacional manteve um contrato de prestação de serviços com a Prodesp entre 2021 e 2023 e está sendo acusada de coagir funcionários a pedir demissão para que mantenham seus postos de trabalho.
A “proposta” incluía a recontratação por outra empresa, a IT2B – que firmou termo emergencial com a Prodesp para prestar os mesmos serviços -, sem que os trabalhadores tenham acesso às suas verbas rescisórias, garantidas por lei.
Isso ocorre mesmo havendo, no contrato da Stefanini com a Prodesp, verba provisionada em cláusula contratual para pagamento justamente das verbas rescisórias.
Após inúmeras denúncias, o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu procedimento de investigação.
“Estes trabalhadores – alguns na Prodesp há mais de dez anos – com frequência são migrados de uma empresa para outra, mediante o desligamento de uma e admissão por outra. Continuam ocupando a mesma mesa, a mesma cadeira, a mesma máquina, na Prodesp”, afirma o Sindpd.
Em 20 de março, a procuradora do trabalho, Lorena Brandão, intimou a Stefanini a fornecer informações sobre as demissões ocorridas no início deste ano.
Chuva de denúncias
Outro ponto de atenção diz respeito à assistência sindical. Dos mais de 5 mil funcionários que a Stefanini possui somente em São Paulo, somente 76 trabalhadores são associados à representação sindical. No entanto, o número de Cartas de Oposição à assistência sindical é ainda menor: 14 funcionários assinaram a carta.
O sindicato denuncia que a empresa estimula a oposição e que ela mesma recolhe as cartas dos trabalhadores, o que é proibido por lei. Assim, a Stefanini não desconta do holerite da enorme maioria de seu quadro o valor fixado para a assistência sindical – o que deveria fazer, ainda segundo a lei. Por motivos óbvios, também não repassa os valores ao sindicato. O descumprimento da assistência sindical é crime e se configura como prática antissindical.
Vale lembrar que no fim de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela legalidade da contribuição assistencial para custear o funcionamento de sindicatos. Agora, a contribuição é feita – inclusive, pelos não sindicalizados – se for aprovada pela maioria dos trabalhadores em assembleia. O trabalhador que se opor ao pagamento deverá fazer uma manifestação por escrito – a tal Carta de Oposição.
Desconto indevidos no pagamento de vale-refeição durante as férias, dificuldades para obter auxílios previstos em lei – como o benefício para trabalhadores que possuem filhos excepcionais -, prática de assédio de moral que vão desde o batimento do ponto até o cumprimento de “metas” estabelecidas pelos gestores: as denúncias vêm de todos os lados.
Até relatos de contratações feitas por valores inferiores ao piso salarial da categoria – em alguns casos, abaixo do salário mínimo – são recebidos pelo sindicato. Em um dos casos, um trabalhador foi contratado para o cargo de Analista Jr por cerca de R$ 1.700 mensais, em São Paulo. O piso salarial da função passa dos R$ 2.000 por mês.
Não é à toa que gestores das empresas tentam impedir que os funcionários se sindicalizem. Somente um sindicato forte e estruturado pode enfrentar e denunciar esses abusos aos quais os trabalhadores têm sido submetidos.
Após anos e anos de propaganda antissindical, os brasileiros e brasileiras ainda possuem, no sindicato, um aliado para enfrentar empresas bilionárias, que pensam – e se enganam – que estão acima da lei.
Por Thiago Manga, carioca, jornalista, assessor, já atuou em campanhas eleitorais. Atualmente, é Diretor de Redação do Brasil Independente
*Texto publicado originalmente no Estadão
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