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CAIXA-PRETA DO BNDES: acusações, ilações e contradições do discurso bolsonarista

Caixa-preta – O presidente Jair Bolsonaro admitiu que não existe “caixa-preta” no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada na quinta-feira (17). A fala foi registrada pelo site bolsonarista Foco do Brasil.

O termo “caixa-preta” se refere à ideia de que o BNDES ocultava financiamentos irregulares nos governos petistas (2003-2016). A acusação da oposição surgiu no mandato de Dilma Rousseff e foi sustentada por Bolsonaro na campanha presidencial de 2018, quando o então candidato prometeu “abrir a caixa-preta” do BNDES. Na época, já era pública grande parte das informações sobre empréstimos concedidos pelo banco.

“Não foi caixa-preta, na verdade. Está aberto. Eu também pensava que era caixa-preta, mas está disponível, no site do BNDES, todos os empréstimos feitos para outros países”

Jair Bolsonaro

presidente da República, em conversa com apoiadores em 17 de junho de 2021

A mudança de opinião vem mais de um ano depois de uma auditoria externa que custou R$ 48 milhões ao banco e foi encerrada em dezembro de 2019 sem encontrar irregularidades. Abaixo, o Nexo explica o funcionamento do BNDES e faz um histórico de como a ideia de que suas contas são uma “caixa-preta” se propagou na política brasileira.

O que é o BNDES
Criado pelo governo de Getúlio Vargas, em 1952, o BNDES é um banco de fomento do desenvolvimento nacional. Isso significa que, ao contrário de um banco comum, o BNDES concede empréstimos a projetos que terão retorno apenas no longo prazo, e frequentemente aplica em seus contratos taxas de juros subsidiadas.

Esses tipos de linhas de crédito garantem a viabilidade econômica, por exemplo, de grandes obras de infraestrutura e de investimentos da indústria nacional. Entre os clientes do banco estão tanto governos estaduais e municipais do país quanto empresas, desde que brasileiras.

Nos financiamentos de obras no exterior, o BNDES exige que os governos estrangeiros usem os recursos apenas com a importação de produtos brasileiros, como forma de garantir que o montante emprestado seja diretamente transferido a empresas nacionais.

De onde vem a ideia da ‘caixa-preta’
A ideia‌ de que existe uma caixa-preta no BNDES circula entre os partidos de oposição aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff desde as vésperas das eleições de 2014.

Ainda em 2013, Aécio Neves (PSDB), então senador e pré-candidato à Presidência da República, fazia parte de um grupo de parlamentares que denunciava o uso não-transparente do BNDES pelo governo. Eles acusavam a administração petista de usar o banco para a execução de uma espécie de “orçamento paralelo”, fora do controle que o Congresso exerce sobre o Orçamento federal oficial.

Segundo o grupo, os aportes feitos ao banco pelo governo de Dilma Rousseff fariam parte de uma “contabilidade criativa” do Tesouro Nacional, com o objetivo de criar superávits artificiais e mascarar os déficits nas contas públicas.

Já candidato à Presidência, Aécio criticou o que chamava de “bolsa empresário”. O candidato fazia referência à “política de campeãs nacionais”, pela qual os governos petistas facilitaram o acesso das maiores empresas do país a crédito do BNDES, com a intenção de apoiar o crescimento e a presença no exterior dessas companhias.

Órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União), por sua vez, faziam críticas à opacidade da instituição. Valendo-se de hipóteses de imposição de sigilo previstas em lei, o BNDES não divulgava a maioria das informações necessárias ao acompanhamento social das operações realizadas pelo banco. As gestões da época alegavam que a divulgação da classificação de risco de uma empresa, por exemplo, poderia impactar sua posição no mercado.

“Não temos como avaliar se o banco aplica os recursos bem ou não. O banco é hoje uma caixa-preta na administração pública. O BNDES resiste a todas as tentativas de fiscalização mais profunda do TCU”

Júlio Marcelo de Oliveira

Então procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, em debate no Senado no ano de 2015

Em vigor desde 2012, a Lei de Acesso à Informação impulsionada pelo governo Dilma determinou a transparência como a regra para a administração pública. Para garantir “a segurança do Estado e da sociedade”, no entanto, a lei permite a imposição de sigilo temporário sobre certas informações. A lei também admite o sigilo fiscal de pessoas físicas e jurídicas, regulado por lei de 2001.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal considerou ilegítimo que o BNDES usasse o direito ao sigilo bancário para não ser transparente quanto às operações que realiza. “Aquele que contrata com o BNDES deve aceitar que a exigência de transparência justifica o conhecimento por toda a sociedade de informações que possam influenciar seu desempenho empresarial”, afirmou o ministro relator Luiz Fux. A partir de então, o BNDES passou a divulgar informações sobre suas atividades no site BNDES Transparente.

A abertura do banco incluiu informações sobre identidade dos clientes, valor das taxas cobradas, prazos e garantias acordadas nos contratos. Críticos ainda questionam, no entanto, a não divulgação de documentos internos que explicariam os diagnósticos feitos sobre os riscos envolvidos nas operações. Segundo o banco, esses registros contêm informações que, se divulgadas, poderiam comprometer a competitividade das empresas tomadoras dos empréstimos.

As acusações de Bolsonaro contra o banco
Nas eleições de 2018, ganharam destaque na campanha presidencial os financiamentos do BNDES a obras no exterior, especialmente os concedidos a governos da América Latina e da África. Bolsonaro acusava o PT de usar o banco para apoiar governos autoritários de esquerda.

De acordo com dados do projeto “Monitor do WhatsApp”, organizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, a semana anterior à votação do segundo turno teve o banco como principal assunto de centenas de grupos públicos de conversa e ilustrou metade das 60 imagens mais compartilhadas nesses dias.

Uma imagem que viralizou no WhatsApp dias antes do segundo turno, por exemplo, dizia: “Se o povo brasileiro acha que o Petrolão foi o maior escândalo de todos os tempos do país, esperem até ver o que fizeram no BNDES”. Nessa época, já era pública grande parte das informações sobre os empréstimos concedidos, bem como sobre como funcionam as linhas de crédito para a exportação de produtos e serviços brasileiros ao exterior.

Depois de eleito, Bolsonaro continuou com a intenção de “abrir a caixa-preta do passado, apontando para onde foram investidos recursos em Cuba e na Venezuela”. O tema gerou atrito em sua relação com Joaquim Levy, presidente do BNDES indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em 2019. Levy também foi ministro da Fazenda no governo Dilma.

Antes da indicação, Bolsonaro já havia afirmado, em áudio divulgado pela imprensa, que o futuro presidente da instituição “estaria fora” caso não abrisse a “caixa-preta” do banco. Levy pediu demissão em junho de 2019, após outras críticas vindas do Executivo.

Gustavo Montezano, atual presidente do banco e amigo da família Bolsonaro, disse no dia de sua cerimônia de posse que se propunha a “explicar a ‘caixa-preta’”.

“Há uma dúvida clara sobre o que há ou não no BNDES. […] Ao final de dois meses, quero ser capaz de explicar esse conjunto de regulações, empréstimos, perdas financeiras que contextualizam a ‘caixa-preta’”

Gustavo Montezano

Atual presidente do BNDES, no dia de sua posse, em 16 de julho de 2019

A auditoria que ‘abriu a caixa-preta’
Em dezembro de 2019, foi divulgado o resumo dos resultados de uma auditoria externa que examinou operações do banco com três empresas do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, realizadas entre 2005 e 2018. A investigação não encontrou corrupção nos contratos analisados.

No relatório entregue ao BNDES, os auditores reconhecem que não tiveram acesso “a certos documentos e testemunhas importantes”, mas afirmam que as decisões do banco analisadas “parecem ter sido tomadas depois de considerados diversos fatores negociais e de sopesados os riscos e potenciais benefícios para o banco”.

A auditoria custou ao banco R$ 48 milhões. O serviço foi acertado entre o banco e o escritório de advocacia Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, com sede em Nova York, durante o governo de Temer, quando o BNDES estava sob a gestão de Paulo Rabello de Castro. O contrato foi uma prorrogação de 30 meses de um acordo firmado em 2015 com o escritório, ainda no governo Dilma. No governo de Bolsonaro, a gestão de Gustavo Montezano firmou um aditivo contratual com um reajuste de 25% no valor total do contrato, segundo informações do jornal O Estado de S.Paulo.

O financiamento a obras no exterior
Apesar de admitir que não há falta de transparência nas operações do BNDES, Bolsonaro reiterou suas críticas ao financiamento de obras no exterior durante os governos petistas. Dirigindo-se a seus apoiadores, ele ironizou: “O PT não deixou obra inconclusa fora do Brasil. Vamos parabenizar o PT”.

FOTO: ALEXANDRE MENEGHINI/REUTERS

PORTO DE MARIEL, EM CUBA, CUJA REFORMA CONTOU COM INVESTIMENTO DO BNDES
Um argumento recorrente do campo bolsonarista é que o dinheiro deveria estar sendo usado em projetos dentro do Brasil, que também apresenta muitas carências em infraestrutura.

O BNDES afirma que esse tipo de financiamento representou, entre 2003 e 2018, 1,3% do total desembolsado pelo banco, enquanto investimentos em infraestrutura, no mesmo período, responderam por 36%.

Ainda segundo o banco, o financiamento à exportação, no geral, costuma ser “rentável” e “estratégico”, já que a grande maioria dos contratos são cumpridos, e os valores financiados promovem a atuação dos exportadores brasileiros e retornam, com juros, ao Brasil.

Fonte: Nexo

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