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Cesar Benjamin: “OTAN empareda a Rússia”

Cesar Benjamin – Um. A Finlândia aderiu à OTAN. É um fato gravíssimo, se não a curto, mas a médio prazo. Finlândia tem mais de 1.000 km de fronteiras com a Rússia, e seu território está a poucos minutos das duas mais importantes cidades russas, São Petersburgo e Moscou. A instalação de mísseis nucleares americanos ali torna impossível qualquer defesa por parte da Rússia.

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A adesão era desnecessária. Rússia e Finlândia vivem em paz há décadas, com fronteiras vivas, abertas ao trânsito de pessoas e de mercadorias. Não há reivindicações territoriais ou tensões de natureza política ou étnica em jogo.

A Finlândia, esse país tão simpático, lutou ao lado da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Suas tropas foram decisivas no cerco a Leningrado (hoje São Petersburgo) durante três anos, o que causou a morte, por fome, de 640 mil civis russos. Os russos não esqueceram disso.

A Rússia declarou que “tomará medidas” para compensar essa adesão à OTAN – o que é óbvio. Isso foi suficiente para que a nossa imprensa publicasse que “a Rússia ameaça a Finlândia”.

Dois. A Inglaterra entregou à Ucrânia mísseis de longo alcance, capazes de atingir as cidades russas. A Rússia declarou que estudará retaliações, se esses mísseis forem usados.

A imprensa publicou que “a Rússia ameaça a Inglaterra”.

A Rússia nunca é ameaçada. Ela sempre ameaça.

***

Na aurora da Modernidade, a formação dos Estados nacionais e do sistema interestatal foi a solução que a Europa encontrou para pôr fim a guerras religiosas que já duravam mais de cem anos. O maior teórico dessa transição foi Hobbes: para terminar com a guerra de todos contra todos era necessário instituir um poder de novo tipo, o Leviatã. Em vez de tentar impor algum princípio religioso, ideológico ou moral, ele deveria situar-se acima das partes em litígio e legitimar-se apenas pela capacidade de garantir a paz, estabelecendo regras mínimas de convivência entre pessoas e grupos.

O advento da modernidade foi marcado pela separação de dois eixos – bem/mal e paz/guerra –, que até então estavam misturados. Isso correspondeu à separação entre moral ou religião (remetidas à esfera privada) e política (doravante submetida à razão de Estado). Invocações de mitologias históricas, teologias, regras de comportamento ou argumentos afins deixaram de ser válidas para legitimar ações de natureza política, dado o risco de elas reiniciarem, em qualquer tempo, a guerra de todos contra todos.

Nasceu assim o Estado moderno. Resolvido, em tese, o problema da paz nos territórios sob jurisdição estatal, restava tratar da paz entre diferentes Estados. Também aqui prevaleceu uma solução essencialmente política: o equilíbrio (ou balanço) do poder. Essa construção foi estabelecida na Europa entre o Tratado de Westfalia (1648) e o Congresso de Viena (1815).

Desde então se reconhece que uma potência que age para destruir o balanço de poder prepara uma guerra, pois ele é o único instrumento de preservação da paz no sistema internacional.

Com o fim da União Soviética, no início da década de 1990, houve um acordo: a Rússia se retiraria dos países da Europa Oriental e os Estados Unidos não ampliariam a OTAN naquela direção. O acordo foi cumprido por uma parte, não pela outra. O princípio do balanço de poder foi jogado no lixo. Os mais experientes diplomatas americanos, entre os quais Henry Kissinger, há anos advertem que isso levaria a uma guerra, pois uma potência nuclear não se deixa acuar indefinidamente. Não foram ouvidos.

Desde 2008, Putin passou a propor a realização de uma Conferência de Segurança Europeia, que deveria partir do princípio de que nenhum país pode aumentar sua segurança à custa da segurança dos demais e chegar a um tratado abrangente, voltado para restaurar o balanço regional de poder. Também não foi ouvido. Em vez disso, os Estados Unidos foram instalando mísseis nucleares nas vizinhanças cada vez mais próximas de Moscou. Em 2014, patrocinaram abertamente um golpe de Estado na Ucrânia, apoiado em milícias neonazistas que depois foram incorporadas às forças armadas ucranianas.

Em depoimento ao Congresso americano, a subsecretária de Estado, Victoria Nuland, declarou que os Estados Unidos investiram US$ 1 milhão por dia no recrutamento, treinamento e armamento desses milicianos. Está na internet.

Os nazistas ucranianos sempre foram famosos por sua brutalidade, tendo sido diretamente responsáveis por 25% do Holocausto (1,5 milhão das 6 milhões de mortes). As populações russas do Donbass começaram a ser dizimadas. Milhões de ucranianos foram empurrados ao exílio. Começou uma guerra civil muito desigual. 14 mil cidadãos russos/ucranianos foram mortos, alguns queimados vivos. Tudo televisionado.

Pouco antes da intervenção russa, Zelensky havia anunciado que a Ucrânia desenvolveria sua própria força nuclear. O risco de armas nucleares manejadas por neonazistas na fronteira russa, a três minutos de Moscou, era palpável. Se a Rússia aceitasse isso, cometeria suicídio. A ameaça era tamanha que a Rússia renunciou à exitosa integração energética com a Europa, uma meta de sua diplomacia durante décadas. As advertências dos melhores diplomatas americanos se confirmaram.

A guerra é um horror, mas não se deve esquecer seus antecedentes.

A soberania dos países não existe no vazio e não justifica que eles possam fazer tudo. Se Cuba instalar mísseis russos apontados contra os Estados Unidos, será invadida, e neste caso os Estados Unidos terão razão, à luz das regras do sistema internacional.

Ninguém quebra impunemente o balanço de poder contra uma grande potência. É isso.

Por Cesar Benjamin, cientista político

*Publicado originalmente no Portal Disparada

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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.

Por Redação

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