As notificações por efeitos adversos decorrentes do uso de medicamentos do “kit Covid” como cloroquina e hidroxicloroquina em 2020 dispararam na comparação com o ano anterior. Ao menos nove mortes foram notificadas, todas após março de 2020, depois do início da epidemia de Covid-19 no país. No caso da cloroquina, medicamento recomendado pelo presidente Jair Bolsonaro, o aumento nas notificações por efeitos adversos foi de 558%.
Os dados constam de um levantamento feito pelo GLOBO com base no Painel de Notificações de Farmacovigilância mantido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O aumento também foi registrado em relação a outros medicamentos do chamado “kit Covid”, composto por remédios sem eficácia comprovada contra a Covid-19. A comparação entre os dados de 2019 e 2020 mostra, também, uma mudança no ranking das substâncias mais notificadas. Em 2019, a cloroquina estava na sétima posição na lista dos medicamentos responsáveis por notificações de efeitos adversos. Em 2020, a cloroquina passou à primeira posição.
O painel da Anvisa reproduz as notificações recebidas de todo o Brasil sobre efeitos adversos relativos ao uso de algum tipo de medicamento. Ele faz parte do VigiMed, um sistema informatizado de notificações implantado em dezembro de 2018 pela agência. Um efeito adverso é uma reação inesperada do paciente após receber uma medicação específica. Essas notificações podem ser feitas tanto por empresas, profissionais e serviço de saúde como pelos próprios pacientes. De acordo com a Anvisa, as notificações representam “suspeitas” e nem todas são investigadas. Ainda de acordo com a agência, apesar de as notificações estarem associadas a um determinado medicamento, os efeitos adversos registrados podem ter relação com outras substâncias.
A plataforma mostra que houve um aumento geral no número de notificações de efeitos adversos entre 2019 e 2020. No período, a quantidade de notificações referentes a todos os medicamentos saiu de 8.587 em 2019 para 19.592 no ano seguinte, um crescimento de 128%. Apesar do crescimento dos dados gerais, o aumento relacionado a medicamentos como cloroquina e azitromicina é superior à média.
O chamado “kit Covid” é um grupo de medicamentos fornecidos pelo governo federal a estados e municípios no qual estão remédios sem eficácia contra a Covid-19. O levantamento do GLOBO considerou os seguintes remédios: cloroquina, hidroxicloroquina e sulfato de hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina.
De acordo com o painel, as notificações por efeitos adversos associados ao uso da cloroquina saíram de 139 em 2019 para 916 em 2020, uma variação de 558%. Segundo os dados, efeitos adversos relacionados ao uso da cloroquina levaram à notificação de uma morte. A cloroquina vem sendo defendida pelo presidente Bolsonaro no tratamento da Covid-19 apesar de estudos científicos comprovarem que ela não tem eficácia contra a doença. Em maio do ano passado, o Ministério da Saúde publicou uma orientação para uso de de cloroquina, hidroxicloroquina e outros medicamentos desde os sintomas iniciais da Covid-19. A diretriz foi amplamente criticada por especialistas da área.
Do total de eventos adversos notificados, 96% se concentram no Amazonas, um dos estados que mais sofreram com a pandemia. Entre os principais efeitos adversos notificados estão: distúrbios dos sistemas nervoso, gastrointestinal, psiquiátrico e cardíaco. Em março O GLOBO mostrou que equipes do Ministério da Saúde fizeram um tour por 13 unidades básicas de saúde de Manaus, em meio ao colapso do sistema amazonense, pregando o “tratamento precoce”. O caso levou à abertura de um inquérito pelo Ministério Público Federal.
Outros medicamentos que tiveram crescimento no número de notificações de efeitos adversos foram a hidroxicloroquina e o sulfato de hidroxicloroquina. De acordo com o painel, em 2019, nenhuma notificação havia sido registrada sobre o uso desses remédios. Em 2020, no entanto, foram registradas 168 notificações. Segundo o painel, foram registradas oito mortes como resultado do uso do medicamento. Entre os principais efeitos notificados estão: taquicardia, náuseas, vômito e tontura. O estado que mais concentrou as notificações foi São Paulo, com 44% do total.
A azitromicina, que também faz parte do kit, também registrou aumento no número de efeitos adversos notificados. Em 2019 foram 25. Em 2020, o número saltou para 82, uma variação de 228%.
Outro integrante do “kit Covid” que teve aumento no número de notificações é a ivermectina. Nesta quarta-feira, a Organização Nacional da Saúde (OMS) recomendou que o remédio não seja usado no tratamento da Covid-19. Segundo o painel da Anvisa, em 2019, não houve nenhuma notificação relacionada ao medicamento. Em 2020, foram 11. Recentemente, médicos alertaram que pelo menos quatro pacientes que fizeram uso indiscriminado de ivermectina foram encaminhados à fila do transplante de fígado.
— O único produto autorizado na Anvisa para o tratamento da doença Covid-19 é o Remdesivir, que pode ser administrado no ambiente intra-hospitar. E importante frisar que nenhum medicamento é isento de riscos. E esses riscos podem ser agravados pelo uso indiscriminado e sem orientação profissional. Isso vale para todos os medicamentos — afirmou a gerente-geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária da Anvisa, Suzie Gomes. — A avaliação dos possíveis eventos adversos é uma rotina da área de farmacovigilância e compõe uma etapa importante da avaliação de segurança, mas não é a única.
O jornal O Globo questionou o Ministério da Saúde se a pasta pretende rever a orientação editada em maio sobre o uso de medicamentos contra a Covid-19, mas a pasta não respondeu. O ministério afirmou que está atento e “acompanhando todas as atualizações e publicações referentes ao tratamento da Covid-19 pelo mundo”.
Segundo a pasta, está prevista a criação de um conselho consultivo com representantes “da academia e associações ligadas à classe médica” para auxiliar o governo no combate à pandemia. “Reforçamos que a orientação e recomendação do Ministério da Saúde é que, aos primeiros sinais da Covid-19, os pacientes procurem uma Unidade Básica da Saúde (posto médico) para atendimento médico. A medida é fundamental para evitar casos graves da doença. Por fim, reforçamos a necessidade do uso de máscaras e a higienização frequente das mãos”, disse o órgão.
Fonte: O Globo
Veja mais notícias no BRI.