Empresa de TI no Paraná – Exploração de jovens trabalhadores, fraude fiscal, precarização do trabalho, “pejotização” dos funcionários e demissão em massa. Essas são algumas das denúncias direcionadas a uma empresa de TI com sede em Curitiba, capital do Paraná. A BetaBit diz em seu perfil no Linkedin que é uma empresa inovadora no conceito de construção de sistemas e interfaces web rápidos, mas segundo relatos de trabalhadores, suas práticas internas lembram mais o século passado.
Prints de conversas e áudios vazados dão uma ideia sobre a conduta do CEO da BetaBit, Luiz Carlos Ceniz Jr., no que diz respeito aos funcionários da empresa que lidera. Em uma das conversas, por exemplo, Ceniz Jr. demonstra preocupação com o fato de os seus empregados serem todos informais, sem registro na carteira de trabalho ou qualquer direito garantido. No momento da conversa, todos os trabalhadores eram informais, supostamente recebendo como Pessoa Física, pagos via transferência bancária direta, conduta – se confirmada – flagrantemente ilegal.
Mas a preocupação do líder da BetaBit não parece ser com os funcionários, e sim com o receio de sofrer sanções da Receita Federal. A solução seria induzir os trabalhadores a assinarem um “recibinho” (sic) e assim, livrar a empresa e a si do pente fino do Fisco. Os autores da denúncia garantem que existem mais de 20 funcionários na companhia, dentre eles profissionais de infraestrutura, desenvolvedores, gestores, QA, designer e RH, isto após um processo de demissão em massa que desligou cerca de 25% dos trabalhadores.
“Não, é só pra mostrar que a gente tem gastos, entendeu? Porque até então a gente não mostra que tem gasto nenhum. Então parece que a empresa, tudo que ela emite de nota tá no meu bolso. Então eu fiz um caixa enorme esse ano de lucro, que é irreal. E isso pode parecer fraude pra Receita Federal, entendeu? Então, por isso que a gente tem que fazer esse recibinho. Pra mostrar que eu gastei esse dinheiro com prestadores diversos”, justifica o CEO da BetaBit em um áudio.
A seguir, o empresário aparenta ter conhecimento de que a manobra incide em sonegação fiscal e que o tal “recibinho” pode gerar problemas aos trabalhadores, mas não parece um preocupado com a possibilidade de a suposta fraude recair sobre os ombros dos funcionários ao relatar uma conversa com o contador da empresa paranaense.
“Ele [o contador] falou assim: ‘bom, se você fizer um recebinho (sic) com o CPF de alguém’, o contador vai lançar que esse CPF recebeu o dinheiro. E aí pode ser que esse CPF tenha que recolher algum tipo de imposto, pode ser que ele possa vir a sofrer algum tipo de cobrança de tributo, multa, coisa assim. Eu acho pouquíssimo provável, entendeu? Que a receita vai atrás da galera que recebe até 5 mil reais. Assim, duvido, tem gente ganhando muito mais do que isso e ainda sonega”, diz Luiz Ceniz Jr, em outra gravação de áudio.
O CEO é alertado sobre a ilegalidade da “chicane” fiscal por uma profissional de Recursos Humanos (RH). “Então basicamente você vai se livrar da suspeita de fraude. Mas a suspeita de fraude pode em algum momento cair pra algum funcionário?”, pergunta a profissional. “Pelo que eu entendi, sim”, responde Ceniz Jr, sendo rebatido novamente: “Não sei o que pensam os meninos (funcionários), mas eu, no mínimo, me sentiria lesada de a empresa ter uma ação de se livrar de uma fraude e eu ter que lidar com as consequências. E sendo honesta com vocês, tento total consciência que não sou prestadora de serviço, eu não assinaria”.
“Pejotização”
Luiz Ceniz Jr. então apresenta outra “solução”: a “pejotização” de todo o quadro de funcionários. “O mais indicado era que todo mundo tivesse uma MEI e tivesse dentro dos conformes. Esse seria o ideal”, defende. Ele, então, é alertado novamente sobre a ilegalidade da alternativa apresentada. O artigo 203 do Código Penal é taxativo sobre a prática de fraudar direito assegurado pela legislação do trabalho, com pena de detenção de até 2 anos, além de multa.
“Temos funcionários, só não assumimos os compromissos de tê-los. Existe hierarquia, não existe casualidade, etc. Dentre outras coisas em esfera jurídica. Todo mundo aqui tem vínculo empregatício, o que muda é que nem todo mundo é informado sobre o vínculo que tem e graças a essa desinformação, conseguimos manobrar bem”, afirma a profissional de RH.
Até uma suposta palestra incentivando a “pejotização” é citada e rechaçada por outro sócio da empresa, identificado como Julio Cesar, argumentando que promover uma discussão sobre o tema com os trabalhadores seria desnecessário e perigoso. “Ou tende a se adequar pra CLT, que o Luiz (Ceniz Jr.) é totalmente contra, ou deixamos em ‘off’, sem promoção de contexto sobre isso”. No fim das contas, o tema da palestra foi alterado de “Os estigmas da CLT” para “Organização Financeira”, segundo um trabalhador ouvido pela reportagem.
Em um áudio de Luiz Ceniz Jr. então grava um longo áudio, no qual cita a empresa VRGlass, também sediada em Curitiba e que atua sob o nome de Virtual Town, como exemplo de “pejotização” a ser seguido. Em seu site, a VRGlass afirma que presta serviços para gigantes como Coca-Cola, Youtube, Grupo Globo, Samsung, Ford, Carrefour, Santander, Trivago, Iguatemi, Adidas, Banco do Brasil, Positivo, Vivo, Bayer, Netshoes, SBT e até um clube de futebol, o Athlético Paranaense.
Na gravação, o empresário cita Ohmar Tacla, CEO da VRGlass e Isabela Montingelli (afilhada do próprio Luiz), ex-COO da BetaBit, atual Game Designer da VRGlass. “Pessoal, eu conversei bastante com a Isa ontem, a Isa tá na VRGlass lá com o Ohmar, e o Ohmar na VRGlass trouxe essa obrigatoriedade da pejotização, e todos os prestadores são PJs (Pessoas Jurídicas), tá? Se vocês considerarem que isso é errado, que isso é um crime, que isso é aquilo, aquilo outro. Então, tem muita empresa criminosa aí no Brasil. Vide a VR Glass. Que já tá pejotizando todo mundo.”, argumenta.
Procurado pela reportagem do BRI, Ohmar Tacla afirmou que não existe nenhuma associação entre as duas empresas, “societária ou comercial”. O CEO da VRGlass acrescentou que a Betabit forneceu sistemas para a companhia que lidera durante um breve período e que o contrato foi encerrado “há quase um ano”. Questionado sobre as alegações feitas por Luiz Ceniz Jr. nas conversas as quais ao BRI teve acesso, Tacla não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem. O espaço segue aberto.
A profissional de RH novamente alerta sobre a ilegalidade da alternativa apresentada, respondendo que sim, existem várias empresas “criminosas” no Brasil. “A questão é se você prefere ser mais uma delas negando direitos às pessoas que fazem a sua receita todo mês”. O empresário demonstra irritação e rebate dizendo que “ninguém está escravizado”.
“Levando em consideração as queixas que eu recebo e já recebi, tenho que discordar em relação a como as pessoas estão se sentindo aqui, e a diferença entre boa e má fé em relação à desinformação das pessoas em relação aos seus direitos”, devolve a profissional de RH.
O CEO da BetaBit ainda diz que “conhece bem” a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que segundo ele, possui taxas altas e “desnecessárias”. “Eu conheço bem a CLT, tá? Eu conheço bem os custos ao redor disso. Não tô atualizado nas taxas em si. Mas sei que não são baixas. E sei que são desnecessárias. Que a pessoa pode ter a liberdade de fazer isso por conta própria. Tá? Se a VRGlass tá indo pra um caminho, por que vamos pra outro? Todo mundo (está) indo pra PJ”, argumenta.
Fraude à Lei do Estágio?
A conversa continua e Luiz Ceniz Jr. argumenta que sem a CLT, os salários são superiores, pois os direitos trabalhistas, como 13º salário, já estão embutidos na remuneração dos profissionais, sendo lembrado, mais uma vez, que os salários pagos aos trabalhadores da BetaBit são bem inferiores aos praticados pelo mercado. “Infelizmente, o mercado paga mais, mas o mercado que paga mais não tem tanta disponibilidade, né”, afirma o CEO.
Irritado, o empresário sugere então que a empresa possa voltar ao “modelo” baseado na contratação de estagiários. “A gente começou lá atrás com os estágios, né? Que também era muito ágil. Trazer um estagiário, contratar. Descontratar. A ideia desde o início da BetaBit era trabalhar com estágios, devolvendo pro mercado o que eu tive, formação prática de qualidade”.
“Que também é uma ideia criminosa, pasme. Não é permitido nenhuma empresa só de estagiários pois pasmem, a Justiça entende como uma atitude de má fé em relação à mão-de-obra barata”, explica a já impaciente profissional de RH. A Lei do Estágio determina que para cada estagiário contratado, a empresa precisa possuir ao menos cinco funcionários regulares.
Segundo os relatos recebidos, a empresa já teve cerca de metade do quadro de funcionários contratados como estagiários, e atualmente teria quatro profissionais nesta condição. Uma notificação extrajudicial recebida de entidades sindicais também é citada nas conversas, mas Luiz Ceniz Jr. não parece muito preocupado, visto que “a empresa é só eu e você (sócio Julio Cesar) na lei, o resto é contrato particular”, além de “alguns contratos de estágios”. Pela legislação trabalhista, por não possuir nenhum funcionário registrado, a BetaBit não poderia ter contratado nenhum estagiário sequer.
Em nota, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação (Feittinf), uma das autoras da notificação extrajudicial, afirmou que ingressará na Justiça do Trabalho contra a BetaBit e que pedirá ao Ministério Público do Trabalho (MPT) que investigue a conduta das duas empresas. A federação sindical ainda acrescenta que estuda acionar as empresas, caso fiquem comprovadas as denúncias, em “todas as esferas cabíveis”.
Procurado, o CEO da BetaBit sinalizou que poderia conversar com a reportagem do BRI, mas que “antes gostaria de saber qual será o intuito desse nosso papo”. No entanto, após contato via e-mail, explicando todas as denúncias feitas e com um pedido de posicionamento sobre as mesmas, o empresário não respondeu mais nossos contatos. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.