Eleitores de Ciro denunciam ‘terrorismo eleitoral’ – Na reta final das eleições de domingo (02), aumentaram os ataques, ofensas e xingamentos contra eleitores que se recusam a votar em Lula e no presidente Jair Bolsonaro (PL).
Reportagem de Giulia Granchi no site BBC Brasil foi atrás das ‘vítimas’ do ‘terrorismo eleitoral’ produzido pela campanha do ex-presidente Lula (PT) contra os eleitores de Ciro Gomes (PDT) nas eleições presidenciais de 2022.
Vídeo: Ciro Gomes enfrenta Lula e Bolsonaro; “Querem me calar”
Leia a reportagem da BBC Brasil, na íntegra, abaixo:
“Na reta final da campanha mais vazia da história, embalam tudo no falso argumento do ‘voto útil’. Com esta pregação, querem eliminar a liberdade das pessoas de votarem, no regime de dois turnos, primeiro no candidato que mais representa seus valores, e, se for o caso, de optarem depois por aquele que mais se aproxime de suas ideias”, disse o candidato à presidência Ciro Gomes (PDT) durante seu Manifesto à Nação, exibido na segunda-feira (26) em seu canal do YouTube.
O voto útil, citado pelo político e cada vez mais presente no debate eleitoral, consiste em desistir de apoiar seu candidato preferido para apostar em alguém que pode ter mais chances de vencer as eleições — ou para evitar um segundo turno.
Terceiro colocado nas últimas pesquisas eleitorais, Ciro tem seu eleitorado como o maior alvo do “voto útil”, principalmente por apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que tentam convencer esse grupo a apoiar o ex-presidente para evitar um segundo turno com Jair Bolsonaro (PL).
Outro argumento usado por esse grupo é o de que uma eventual vitória de Lula no primeiro turno daria a Bolsonaro menos razões para gerar dúvidas sobre as urnas, já que a escolha do presidente aconteceria junto com a eleição de milhares de parlamentares pelo país, enquanto em um eventual segundo turno, a decisão seria apenas entre dois candidatos — com exceção de algumas das disputas estaduais.
Mas, do outro lado, eleitores do Ciro que não abrem mão do apoio ao político ouvidos pela BBC News Brasil citaram que consideram o apelo para mudar de lado “antidemocrático” e “desrespeitoso”.
‘Como eu vou votar em um candidato se a militância dele me xingou de tudo?’
Apoiadora de Ciro Gomes desde 2018, Priscila Lopes, 38, é residente de Belém do Pará e trabalha como professora de inglês. Na avaliação dela, as tentativas de transformar votos de eleitores do Ciro em apoio ao PT nas urnas tem sido incessante e até violenta.
“A campanha de Lula, querendo fazê-lo presidente a qualquer custo, tem batido demais no Ciro. Também vejo artistas e jornalistas falando coisas bem graves contra a candidatura. Isso está estimulando a militância do PT, que historicamente nunca foi violenta, a agir como bolsonaristas.”
Priscila conta que uma amiga, que estava com o carro adesivado em apoio a Ciro, teve seu pneu furado. “Em outro episódio, estava militando com amigos em uma feira, quando ouvimos gritos de uma feirante que dizia que estávamos colocando o Bolsonaro no poder enquanto levantava um facão.”
“Assim como Bolsonaro incita o ódio contra petistas, a campanha do Lula faz o mesmo conosco, apoiadores do Ciro. Como eu vou votar em um candidato se a militância dele já me xingou de tudo que é ruim? Em comparação, nunca fui hostilizada por bolsonarista, apesar de saber que eles são violentos.”
Priscila não é filiada ao PDT, nem ocupa cargo direto na campanha — ela atua como militante voluntária.
Ela conta ter começado a pesquisar mais sobre o político durante as eleições de 2018, enquanto morava em Rio Branco, no Acre, e acompanhou uma onda bolsonarista tomar conta do estado.
No segundo turno, Jair Bolsonaro foi a escolha de 77,22% do eleitorado no Acre.
“Ele (Ciro) tem oscilado nas pesquisas em até 9%, e isso representa muita gente. A gente tá votando no projeto dele, nas ideias, e acho que ele está preparado. Não vejo o Ciro ou qualquer político como um deus, mas como alguém que é contratado pelo povo.”
Embora tenha feito esforço para virar votos para Fernando Haddad (PT) no segundo turno de 2018, a professora afirma que não irá votar no ex-presidente Lula ainda que Ciro não avance para o segundo turno.
“Lula fugiu do debate, ou seja, fugiu da entrevista de emprego, não respeita o eleitor nem a democracia, então não merece nossos votos. Bolsonaro parece estar envolvido em corrupção, Ciro apontou rapidamente algumas no debate e ele teve direito de resposta, porém não se defendeu de nada. Faltando menos de uma semana eleição e o único candidato que apresenta propostas e explica como vai fazê-las é Ciro Gomes.”
‘Para a minha surpresa, falta de respeito veio de progressistas’
Já a autônoma Debora Vanessa da Silva, de 39 anos, moradora de São Bernardo do Campo, em São Paulo, é eleitora de Ciro desde 2002 e passou a militar pela sua campanha política em 2020.
“Apesar de estar mais ativa na militância há alguns anos, só agora comecei a compartilhar mais coisas do Ciro nas redes sociais”, conta Debora.
“Depois de postar um vídeo sobre propostas, uma amiga minha petista disse que concordava com as ideias, mas que eu tinha que votar no Lula no primeiro turno porque ele seria o único capaz de tirar Bolsonaro. Não acho que é verdade. Em um segundo turno contra Bolsonaro, além do Lula, Tebet e Ciro também venceriam.”
Os apelos dos amigos pelo voto útil, embora constantes, têm sido mais comedidos, de acordo com Debora. Já com desconhecidos na internet, ou quando ela e amigos exercem a militância na rua, ela conta ter sofrido violência verbal.
“O desrespeito pelo voto, para a minha surpresa, não veio pela parte bolsonarista. A falta de respeito com a minha escolha vem de pessoas do campo progressista.”
Debora é enfática ao dizer que rechaça a ideia de voto útil e a considera antidemocrática.
“Um dos princípios que norteiam a democracia é a pluralidade política. É a liberdade de manifestar pensamentos, convicções, licitamente. Está na constituição. O valor do voto é igual para todo mundo. A partir do momento que alguém me impõe que eu tenho que votar em determinado candidato e me constrange por isso eu me sinto desrespeitada.”
Assim como Priscila, ela diz que não pretende votar no segundo turno se Ciro não estiver mais na disputa.
“Depois de todo desrespeito e violência com que tenho sido tratada por declarar apoio ao Ciro Gomes, se ele não estiver no segundo turno, nem saio de casa pra votar. Não faria sentido apoiar quem alega combater o fascismo, cerceando o meu direito de escolha, assim como não faria sentido votar no atual governante, pois ele defende tudo que abomino.”
‘Militância do PT tenta nos empurrar para um buraco’
O bancário e professor universitário Alisson Franco do Couto, 29 anos, morador de Ortigueira, no Paraná, conta ter conhecido Ciro Gomes em 2016, quando ele participava de palestras em universidades.
“Ele falava contra o impeachment da Dilma, que eu também era contra, e achei interessante o diagnóstico que ele fazia dos problemas. Foi aí que passei a estudar a trajetória e propostas dele. Deve ter pouquíssimo material dele no YouTube que eu não assisti, e já li todos os livros”, conta.
Alisson explica que não está tão engajado na militância quanto em 2018 por conta das limitações impostas pelo seu trabalho atual.
Mas na internet, o bancário recebe e acompanha os pedidos e argumentos contra o voto útil.
“Eu acho ultrajante, uma forma de terrorismo eleitoral. Para a militância do PT, ou você apoia eles, ou você tá do lado do fascismo. Eles querem nos fazer acreditar que estamos sempre lutando contra alguma emergência que não permite a gente votar em outro que não seja o PT.”
Alisson rechaça os diagnósticos recentes de analistas políticos que dizem que Ciro está flertando com o bolsonarismo ao dizer, por exemplo, durante a gravação de um podcast, que “Lula sempre foi fascistóide”, ou afirma, sem apresentar evidências, que o partido Psol é financiado pelo bilionário húngaro George Soros.
“O Ciro é quem mais apoiou o impeachment contra o Bolsonaro, já o PT não teve movimentação contra isso. Estamos sempre do lado do estado democrático de direito, mas a militância do Lula tenta pinçar uma coisa ou outra para tentar nos empurrar para um buraco.”
O apoiador diz que ainda não considera um segundo turno sem Ciro. “Neste momento estou direcionando todas as minhas forças para fazer as pessoas verem que essa disputa não vai levar a gente para lugar nenhum.”
(Reportagem publicada pela BBC Brasil)
(Foto: Montagem/Reprodução)