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Fazenda ligada à Universal – Reportagem do jornal O Globo, publicada nesta terça-feira (09), revela que a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) usou dinheiro público para pavimentar um conjunto de ruas dentro de uma fazenda privada ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, no interior da Bahia.
A obra na cidade de Irecê foi concluída em abril do ano passado, custou R$ 2,3 milhões e abrange uma área de 25 mil metros quadrados, o equivalente a três campos de futebol.
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Os recursos foram enviados a pedido do deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), que é bispo da igreja, por meio de uma emenda da bancada da Bahia destinada à estatal.
Ao O Globo, o parlamentar afirmou ter apresentado o pedido para realizar a obra diretamente à presidência da Codevasf, o que foi atendido.
“Como de praxe, quando se trata do encaminhamento de recursos para realização de obras, foi enviado ofício à Codevasf diretamente”, disse o deputado, em nota.
A emenda parlamentar é um instrumento utilizado por deputados e senadores para destinar verbas do Orçamento da União aos seus redutos eleitorais.
“Não se repetirá”
Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) – concluída no fim de março – apontou irregularidades no uso de recursos do Orçamento para asfaltar a propriedade privada.
Em resposta, a Codevasf se justificou, alegando que a instituição beneficiada pela obra presta serviços de caráter social e sem fins lucrativos, o que, na visão da estatal, “assemelha-se a caráter público”.
No entanto, o órgão afirmou que “tal tipo de situação não se repetirá” e que alterou procedimentos internos para evitar que novos gastos sejam autorizados em áreas que não sejam públicas.
A CGU informou que ainda analisa as respostas dadas pela estatal para decidir quais medidas irá tomar.
O local que teve as ruas asfaltadas com recursos da União é a Fazenda Canaã, que está em nome da Associação Beneficente Projeto Nordeste, instituição que possui bispos da Universal como presidente e como vice-presidente.
A área tem piscina, campo de futebol, playground e quadra esportiva e abriga um projeto que oferece atividades educacionais e esportivas a crianças da região.
O projeto é mantido pelo Instituto Ressoar, braço social da Record TV, emissora do bispo Edir Macedo, fundador da igreja.
Universal nega responsabilidade
A Igreja Universal diz que apoia o projeto, mas que não é a responsável pela fazenda. Já o Instituto Ressoar e a Associação Beneficiente Projeto Nordeste não responderam aos questionamentos feitos pela reportagem do jornal.
A história da Fazenda Canaã e de suas atividades estão diretamente ligadas aos líderes da Universal.
A propriedade de 500 hectares foi adquirida ainda na década de 1990 pelo agora deputado Marcello Crivella (Republicanos-RJ), ex-prefeito do Rio de Janeiro, bispo licenciado da igreja e sobrinho de Edir Macedo.
A ideia era usar a área para ajudar a amenizar o problema da fome na região.
Na época, Crivella afirmou em entrevistas ter se inspirado na experiência de kibutzes israelenses para desenvolver um projeto de produção de alimentos na Fazenda Canaã. Crivella costuma utilizar imagens do projeto em suas campanhas eleitorais.
Em declaração publicada no site da própria Universal sobre a iniciativa, o sobrinho de Macedo diz que trouxe especialistas do país do Oriente Médio ao Brasil para ensinar técnicas de plantio, além de ter importado os equipamentos de irrigação usados nas plantações.
Procurado, Crivella não respondeu sobre o uso de recursos públicos para asfaltar a propriedade. Em nota, afirmou já ter doado “cerca de R$ 52 milhões para o Projeto Canaã” por meio de recursos próprios.
Segundo dados da Receita Federal, a associação que hoje consta como proprietária da Fazenda Canaã é presidida pelo bispo Sérgio Corrêa, que consta também como administrador de duas redes de rádio que transmitem cultos da Universal.
Procurado desde a semana passada por e-mail e telefone, Corrêa não respondeu à reportagem. A Universal também está vinculada ao Republicanos, partido de Marinho e de Crivella.
A legenda foi criada em 2005 para atuar como um braço político da igreja e deu sustentação ao governo de Jair Bolsonaro ao lado do PP e do PL.
“Doações”
O asfaltamento das ruas não foi o único aporte de dinheiro público na propriedade privada ligada à Universal.
Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a Codevasf doou uma série de equipamentos para a associação dirigida pelos bispos da igreja. A lista inclui uma retroescavadeira, duas caminhonetes e um van que, somados, chegam a R$ 658,5 mil.
Além disso, a associação recebeu da estatal dois carros populares – avaliados em cerca de R$ 60 mil, cada um – e doou à entidade, em novembro do mesmo ano.
Ao O Globo, a Codevasf informou que a avaliação técnica e jurídica da companhia entendeu que “a associação atende a todos os requisitos e exigências legais para o recebimento de bens ou recursos públicos”.
Os veículos de pequeno porte, segundo a estatal, são utilizados pelas instituições beneficiadas em atividades de suporte administrativo.
Sobre a pavimentação das vias, a empresa manteve a justificativa dada à CGU e afirmou, em nota, entender que os “beneficiários finais da obra são a população atendida pelas atividades da entidade”.
(Com informações de O Globo)
(Foto: Reprodução)