Há uma grande fantasia narrativa na esquerda brasileira. Glenn Greenwald acaba de escrever mais um artigo onde também embarca no discurso de que Ciro está investindo no “antipetismo”, e que a lógica eleitoral disso é evidente. Mas isto, simplesmente, é propaganda.
Explico. Não é que o antipetismo na sociedade brasileira seja uma fantasia. Ele é ainda a força dominante na política nacional, embora tenha recuado diante do desastre do pior governo e governante sem concorrente da história do Brasil, o demente, maníaco, retardado e genocida Jair Bolsonaro.
A fantasia aqui é a narrativa na qual o PT investe há anos, de que toda a crítica ao PT é “antipetismo” e “fazer o jogo da direita”. Foi assim que trataram os críticos de esquerda e centro ao longo dos últimos 20 anos, a começar por Brizola.
É o famoso “não é hora de criticar o PT”. Em 89, criticar o PT era eleger Collor. Em 92, era ser contra o Impeachment. Em 94 era eleger FHC. Em 98 era reelege-lo. Em 2002 era eleger Serra. Em 2003, investir contra o “primeiro governo de esquerda” da história, sim, um governo que 40 anos depois de João Goulart tinha uma agenda mais regressiva que a dele. Em 2005 era fazer o jogo do Golpe. Em 2006 era trazer de volta o PSDB. Em 2010 idem. Em 2013 era fazer o jogo da desestabilização. Em 2014 eleger a Marina e o Aécio. Em 2015 era fazer o jogo da Lava Jato. Em 2016 o jogo do impeachment. Em 2018 era fazer o jogo do Moro. Em 2019… já podia? Não, era fazer o jogo do fascismo. Em 2021… é fazer o jogo do genocida.
Para o PT só há uma coisa proibida, uma heresia imperdoável a qualquer progressista brasileiro, a qualquer tempo e lugar: criticar o PT. Se você o fizer, uma horda cairá em cima de você babando, com indicadores levantados e rostos transtornados. Isso funcionou muito bem, não podemos negar. Mas se exauriu.
Grande parte da militância petista hoje, envelhecida, vive num transe psicótico onde o partido que no governo pagou por onze de treze anos no poder os juros reais mais altos do mundo é a esquerda brasileira. É um delírio que eles compartilham com a seita bolsonarista. A prática, que era o critério da verdade política para Lênin, para o petista típico não importa. Esse é um militante estético, aliás, de uma estética muito desagradável e ultrapassada, que se importa mais com a origem da pessoa, as palavras que usa e a cor que veste, e absolutamente nada com o que ela faz no poder.
Para pessoas assim, investir contra um símbolo vivo dessa trajetória, Lula, é sinônimo de investir contra a esquerda. Não há mais diálogo racional com essas pessoas. Temos, simplesmente, que as derrotar. Porque o governo que queremos é muito diferente do governo que eles fizeram. Não é ambição pessoal. Não é ressentimento. É convicção, projeto, coisas que eles têm dificuldade de acreditar que alguém tenha, já que são movidos de forma irracional e personalista.
Isso não é antipetismo. Por definição, antipetismo é a negação absoluta do petismo. É dizer que a pior coisa do Brasil é o PT, que aceitamos qualquer coisa que não o PT, que o PT é a origem de todo mal da política brasileira contemporânea, que os feitores de um dos governos mais servis aos ricos de nossa história são “comunistas”, e que, estes últimos, são o puro mal.
Por mais que pareça absurdo, pelo menos 30% da sociedade brasileira pensa exatamente assim. Mais da metade dos brasileiros acha que Lula deveria estar preso.
Ora, nós nunca fizemos campanha explorando a catastrófica corrupção do governo Lula, fomos contra o impeachment, votamos em Haddad no segundo turno, fizemos uma campanha limpa contra ele, que foi imundo conosco. Nós nunca sequer defendemos a prisão de Lula. Que “antipetismo” é esse? Ora, tenham vergonha na cara!
Essa estratégia de sempre não funcionará como sempre. Nós viemos de longe. Ciro não se intimida, nem o PDT.
A fatura da tragédia do PT para a esquerda e o Brasil será cobrada. Cobrar a política de juros petista não é antipetismo. Cobrar a desindustrialização petista não é antipetismo. Cobrar o país mais desigual do mundo que o petismo nos legou não é antipetismo. Cobrar o colapso econômico petista (alô, PT, a Dilma era presidente do PT!) não é antipetismo. Cobrar o desastre da política econômica dos últimos 25 anos é Política, e Política com P maiúsculo.
Mas se insistirem com a narrativa de que criticar a política petista é antipetismo, se este for o rótulo que nos sobrar, quem sabe finalmente resolvamos parar de arcar só com os ônus dele e colhamos os bônus?
Quem sabe façamos contra Lula uma campanha como Haddad fez contra Ciro, ou como Dilma fez contra Marina? Quem sabe resolvamos cobrar diante de todos a delação de Palocci, o mar de corrupção, real, que se descortinou com a lava jato? Quem sabe não decidamos, finalmente, vestir a fantasia que se nos impõe?
Quem vai ficar sem fantasia, no entanto, eu tenho certeza, é Lula.
Em 2022, Lula vai enfrentar a primeira campanha de ponta, com candidato de ponta, de desconstrução pela esquerda.
A fatura é muito extensa. E não é a fatura do ressentimento pessoal, mas da desgraça do país.
O rei petista ainda não está nu. Mas vai ficar.
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Por Gustavo Castañon, trabalhista e professor de filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora
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Fonte: Portal Disparada
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