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Gustavo Castañon: “Vai ter terceira via sim”

Terceira via – Política é uma coisa muito mais intrincada do que usualmente já se pensa ser. Muitas vezes, os polos de uma disputa se unem no esforço de evitar o surgimento de outros campos que mudem a configuração do jogo político. É assim que os supostos arquirrivais Republicanos e Democratas estão sempre unidos para impedir a mudança do sistema eleitoral e partidário nos EUA. É assim que no Brasil, os sócios da era neoliberal, PT e PSDB, tentaram transplantar para cá o sistema norte-americano e impedir uma terceira via.

Hoje, temos novos sócios tentando implantar uma nova polarização no Brasil. Ao contrário da anterior, que era uma sociedade democrática e racional de centro para gerir a hegemonia neoliberal, a atual é uma sociedade radicalizada no discurso, e, em seus dois polos, com fortes componentes psicóticos que são muito perigosos para o país.

De um lado temos o bolsonarismo, uma turba negacionista da ciência, desumanizada, que tem um discurso eivado de patriotismo de extrema-direita enquanto patrocina o governo mais fracassado, desastroso, entreguista e servil aos interesses dos EUA de nossa história.

Do outro temos o petismo, com sua confederação de militantes que foram convenientemente radicalizados pelo partido para enfrentar a prisão de Lula. Hoje, esses se veem como pontas de lança de uma revolução bolchevique vermelha enquanto Lula promete privatizar a Caixa e colocar Renan de vice e Meirelles no comando da economia.

Esses dois polos pagaram suas penas de aluguel e suas blogosferas para impor ao Brasil o discurso de que não há espaço para a terceira via. O discurso é tão inverossímil quanto radicalizante. Na verdade, o núcleo duro dos votos de Lula e Bolsonaro hoje são os 20% onde gravitavam antes da liberação de Lula para concorrer. A inflada para a casa dos 30% do último mês era totalmente esperada e vem do efeito da polarização, o “TINA” (There is no alternative). No mundo real, o mesmo onde eles têm essas intenções de votos, cerca de 60% dos eleitores preferiam nem Lula nem Bolsonaro como futuro presidente (O que inclui parte dos que hoje indicam seus nomes), e mais de 50% dos brasileiros quer Lula preso.

Não é que exista espaço para a terceira via. É que existe uma avenida. E é por isso a luta contra ela. Quando um nome se consolidar nessa posição, haverá uma mudança radical do cenário eleitoral.
Não quero aqui equalizar Lula, um democrata evidente, com Bolsonaro, que é um sociopata em quem encontramos poucos traços de humanidade. Mas o problema é aquilo que suas bases acreditam que são. A primeira acreditando livrar o Brasil de um globalismo gaysista e comunista dos Rothshields que só existe num escritório da Virgínia. A segunda acreditando que Lula vai finalmente implantar a agenda que há quarenta anos simula seguir sem fazê-la avançar no concreto um único centímetro. Já dizia o verdadeiro bolchevique: “Na política, a prática é o critério da verdade”. Ou o verdadeiro socialista: “Pelos frutos os conhecereis”.

E nós conhecemos Lula muito bem. A tentativa de vende-lo como Biden brasileiro é um completo non sense, a não ser por sua idade avançada. Nunca é demais lembrar que Lula, por ter uma saúde mais frágil que Biden, provavelmente está tentando eleger para governar não ele, mas seu candidato à vice. Será Renan? Temer? Meirelles?

Mas a questão que importa na inadequação de Lula como “Biden” é seu perfil de agente do sistema, envolvido em corrupção maciça e líder de um governo que manteve o Brasil o paraíso dos ricos e da desigualdade.

Biden não foi o “Macron” americano. Ele não veio com o perfil moderado e liberal econômico no discurso que Lula tenta montar e a imprensa simula que o americano tem. Biden foi para as eleições com um discurso radical. Vamos recuperar o que aconteceu nos EUA e o que significa Biden para aquela nação.

Em 2016 o Partido Democrata apostou no identitarismo e na estabilidade do modelo econômico e político para vencer as eleições. Acreditavam que o simbolismo da primeira mulher presidente, como antes foi o simbolismo do primeiro negro presidente, bastaria para decidir a fatura. Por outro lado, Trump, considerado pouco menos palhaço de circo do que Bolsonaro, apostou no discurso oposto. Ele conseguiu amalgamar o politicamente correto, a abertura comercial, os gastos com guerras e o estabilishment político numa só figura, a “Killary”, e botou fogo no circo eleitoral americano.

É preciso não esquecer que Hillary na verdade não perdeu no voto popular, ela perdeu no colégio eleitoral. A estratégia do partido democrata e a força da correção política nos EUA não era nada desprezível. Mas o Partido Democrata perdeu todo cinturão azul de estados industriais dos EUA, fato preocupante e inédito.

Apesar de se manter numa candidatura do establishment, o PD apostou em uma estratégia totalmente diversa em 2020. Escolheu o “homem, branco, hétero, cis, velho, etc…” como candidato. Contemplou a força identitária com a vice-presidência, mas se afastou totalmente das pautas comportamentais, evocando valores universais identificados com a história americana. Fazendo pesado discurso reindustrializante e pró-sindicatos e classe média no cinturão azul (Michigan, Ohio, Illinois, Winsconsin), reconquistou votos tradicionais. O resultado, todos conhecemos. Mais de cinco pontos de vantagem na maior votação da história dos EUA. A força do discurso oposto também todos conhecemos: Trump perdeu tendo a segunda maior votação de um candidato a presidente na história dos EUA.

A chave para entender tanto o fenômeno Trump quanto o fenômeno Biden é a do fim da hegemonia neoliberal. Ambos tiveram que atacar (discursivamente) valores básicos desse discurso – como o livre-comércio e o antiestatismo – para se eleger. Aqui Lula faz o contrário. Ele é o representante do modelo e apresenta uma nova carta aos brasileiros para convencer a Faria Lima de que pode servi-los melhor do que ninguém.

O problema de Lula para ser a Hillary (e não o Biden) de 2016 é que ninguém mais quer o país nesse jogo de radicalismo discursivo, governo corrupto e venda do controle de seus próprios exércitos de zumbis. É difícil convencer a Globo, por exemplo, que esse Lula de hoje, cheio de ódio, vai segurar a turba que tem na coleira, ou não vai fazer um governo de vingança contra seus verdadeiros algozes, que ele conhece muito bem e sabe que não incluem o sistema financeiro.

A estratégia neoliberal de Lula tem dois perigos simples e claríssimos para o Brasil. O primeiro é reeleger Bolsonaro, que pode manter contra Lula a narrativa de antissistema mesmo sentado no Planalto há quatro anos. O segundo é reeleger Lula, que com uma quinta traição neoliberal (2002, 2006, 2010, 2014) e um governo com o velho PMDB, causaria uma frustração tão grande e um desastre econômico tão profundo que nos legaria na sucessão (já sem condições de concorrer, se vivo) uma aberração ainda maior que Bolsonaro.

Biden, vimos em seus 100 primeiros dias, é um anti-Lula. É o presidente que está propondo as reformas mais profundas nos EUA desde Roosevelt. Nosso “Biden” não é Lula Três-pinos, mas aquele que há vinte anos luta pelas mudanças aqui que Biden está promovendo nos EUA. O nome dele todos sabem, é Ciro Gomes.

Como Biden, ele não vem para implodir o sistema político, e sim para fazê-lo voltar a funcionar. Ele não vem para fazer um governo sectário, mas para integrar a parte da elite que já aceitou o esgotamento do modelo. Ele não vem para inflamar turbas psicóticas, mas para trazer o país para a racionalidade política e dissolver a polarização.

Mas ele vem trazendo outra, e a verdadeira polarização que está por trás da história política desse país. Essa é entre o desenvolvimentismo, que fez do Brasil o país que mais cresceu no século XX, e o neoliberalismo, que com suas sucessivas reformas e aprofundamentos desde Collor fez do Brasil a nação mais fracassada do planeta nos últimos trinta anos.

Como dizia Barbosa Lima Sobrinho, só existem dois partidos no Brasil: o partido de Tiradentes e o partido de Joaquim Silvério dos Reis. E o partido de Tiradentes está de volta. Tem espaço. Tem candidato. E vai vencer. Tem que vencer. Ou essa terá sido a última eleição da história de nossa nação.

Sem Ciro agora, em 2026 só poderemos eleger o governador do Brazil. Se muito.

Por Gustavo Castañon, trabalhista e professor de filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora

Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.

Fonte: Portal Disparada

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Por Redação

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