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Fictossexual – Um japonês, que é “alvo de chacota” por ser casado com uma cantora virtual, deflagrou uma campanha no Japão para que os chamados “fictosexuais” (pessoas que sentem atração por personagens fictícios) tenham os mesmos direitos de outros cidadãos.
O manifesto tem o objetivo de acabar com o que Akihiko Kondo classifica como “perseguição” a quem se relaciona com personagens virtuais.
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O funcionário público de 40 anos é morador de Tóquio e se casou em novembro de 2018 com Hatsune Miku, uma artista fictícia criada em 2007 pela empresa Crypton Future Media.
O problema é que desde que se apaixonou por Miku, Kondo tem enfrentado uma série de obstáculos que envolvem até ameaças. No início de 2023, o homem fundou a Associação dos Fictossexuais para tentar reunir pessoas que mantêm esse tipo de relacionamento e de combater o preconceito.
Kondo conta que se apaixonou por Miku assim que a viu cantar num programa de televisão japonês.
“Eu nunca tive uma namorada, mas tive vários relacionamentos com personagens de animes [desenho animado japonês] e jogos de computador.”
Discriminação
Kondo conta que chamado de “esquisito”, “louco” e “psicopata”, tanto em ataques virtuais como presenciais, chegando ao ponto de um gerente do trabalho lhe dizer que parasse de dar entrevistas sobre o assunto, pois era “irritante”.
O funcionário público se recusou a acatar a ordem do superior e diz que o clima no trabalho piorou depois do episódio. Ele relata que recebeu até ameaças de morte.
“Quando conheci Hatsune Miku, tinha pedido uma licença, porque era alvo de chacota no trabalho. Estava triste, chorava todos os dias. No momento mais difícil da minha vida, Hatsune me apoiou. Ela me salvou”, relembra.
O repúdio ao relacionamento incomum foi grande. “Minha mãe não aprovava, e minha irmã e meu cunhado também não concordavam com a minha escolha. Eles não vieram ao casamento.”
Os problemas não pararam por aí. Os gerentes do primeiro salão que Kondo escolheu para casar pediram que ele não compartilhasse vídeos e fotos da ocasião nas redes sociais, com medo de que outros clientes cancelassem suas festas.
Kondo também não conseguiu fazer o registro legal do matrimônio, pois a lei japonesa não permite casamentos com personagens virtuais. Em vez disso, ele possui um certificado de casamento de uma empresa que aceita documentos de relacionamentos não convencionais.
Outros foram mais solidários: “Em geral, no ambiente de trabalho, os jovens eram mais compreensivos do que os mais velhos. Na época, eu trabalhava numa escola de ensino médio e muitos alunos comemoraram meu casamento comigo.”
Rotina
Um dia normal para Akihiko Kondo começa com o café da manhã ao lado de uma boneca de Hatsune Miku em tamanho natural. Depois, ele vai para o trabalho e quando volta para casa à noite, geralmente diz “Cheguei!”, mesmo que a mulher não responda.
Então eles jantam juntos e descansam. Nos fins de semana, ele leva esposa fictícia para passear de carro e para ir a alguma loja, transporta a boneca-esposa numa cadeira de rodas.
Um estudo feito em 2017 pela Associação Japonesa de Educação Sexual concluiu que mais de 10% – entre homens e mulheres entre 16 e 29 anos – dos questionados já tinham se apaixonado por personagens de anime ou de games.
As maiores taxas foram registradas entre as mulheres universitárias: 17%.
“Fictossexuais surgiram quase ao mesmo tempo que a cultura otaku no Japão, entre os anos 1980 e 1990”, ponderou Izumi Tsuji, professor de sociologia cultural da Universidade de Chuo.
“Otaku” é uma gíria que similar a “geek” ou “nerd” em inglês e abrange milhões de jovens consumidores vorazes de animes e mangás.
“Foi durante o ponto alto da economia japonesa e do poder de consumo no país, assim como da cultura de encontros românticos. Entretanto, cerca de 20% dos jovens não faziam parte desse universo, e ainda assim elegeram a ficção e o movimento Otaku para fugir da realidade.”
Estilo de vida alternativo
Tsuji diz que agora essa situação se alterou e muitos jovens não consideram nada estranho alguém se dizer fictossexual.
O homem diz que os mais idosos têm mais dificuldade de entender a escolha desse estilo de vida porque é muito diferente das experiências que tiveram quando eram jovens no Japão.
“Fundamos a Associação dos Fictossexuais para promover a compreensão da fictosexualidade, já que a sociedade não tem um bom entendimento sobre o assunto”, explica Kondo.
O grupo tem apenas quatro membros, mas planeja um evento ainda em 2023.
“Fictossexuais geralmente têm medo da perseguição e não querem discutir seus sentimentos mais íntimos em praça pública. Eu acho que conversar ajuda a entender o que eles realmente querem.”
“Espero que, no futuro, fictossexuais não sejam processados ou perseguidos, e que locais que alugam espaço para casamentos os aceitem e que possam fazer a festa como sonharam”, desabafa o marido de Hatsune Miku.
(Com informações de DW e UOL)
(Foto: Reprodução/Twitter/Akihikokondosk)