Lula vai destruir o que sobrou do sindicalismo – Nesta quarta-feira (14), faltando pouco mais de 15 dias para as eleições, algumas lideranças sindicais soltaram uma nota bastante crítica contra a candidatura de Ciro Gomes. O documento se baseia no falso argumento de que a plataforma neoliberal de Lula seria a única via para se derrotar o colonialismo agressivo contra os Trabalhadores do Brasil do governo Guedes-Bolsonaro.
A verdade é que se Lula for eleito vai destruir o que sobrou do sindicalismo brasileiro.
Após ofensiva lulista, Ciro Gomes volta a crescer no Datafolha
Vamos dar quatro razões para tanto.
Em primeiro lugar, precisamos recordar que foi o sectarismo petista que implodiu o sonho de recriar a CGT, massacrada pelo Regime Militar. As duas CONCLATs, que reuniram os combativos sindicatos na época da hiperinflação, tinham como proposta principal organizar uma única central sindical, o que potencializaria a força dos Trabalhadores em sua luta por direitos. Pleiteando a presença das “oposições sindicais”, que não haviam passado pelo crivo do voto de seus colegas de serviço, os sindicatos ligados ao futuro PT romperam com a luta pela unidade, e fundaram uma central paralela, enfraquecendo para sempre a capacidade de combate da classe trabalhadora brasileira. Roubaram, inclusive, o nome daquela proposta: Central Única dos Trabalhadores.
Esse sectarismo corrói até hoje a unidade dos trabalhadores. Como o domingo sangrento de 2018 deixou claro, o PT está mais do que disposto a destruir toda a esquerda brasileira para manter sua posição de hegemonia. O PT é literalmente uma “anti-vanguarda” dos Trabalhadores do Brasil.
Em segundo lugar, inspirados por ideologias estrangeiras disseminadas por fundações ligadas às transnacionais, os petistas sempre foram contra os três esteios dos Trabalhadores do Brasil: a unicidade sindical, os juízes classistas e a contribuição sindical.
A militância contra a unicidade sindical dos cutistas é notória. O artigo de Antônio Duarte Vargas a respeito disso é esclarecedor. O que os cutistas defendiam era a concorrência sindical, o mesmo tipo de proposta que o governo colonial de Guedes recentemente propôs. Esse “dividir para conquistar” era a aposta tanto dos patrões como dos cutistas, que no fim concordavam com a “liberdade sindical” para implodir a negociação coletiva. Chama a atenção para as atuais negociações empresa a empresa, que procuram obstaculizar a negociação setorial, nas quais os trabalhadores possuem muito mais força.
A rejeição cutista aos juízes classistas produziu a bizarra solidariedade dos petistas com a CNI hegemonizada pelo interesse do rentismo financista, a ponto da Central ter apoiado a decisão de FHC de extinguir essa categoria de magistrados no final dos anos 90. Cabe relembrar que os juízes classistas significavam a formação de uma Justiça Trabalhista efetivamente democrática, longe da “neutralidade técnica” de concursados captados pela propaganda de think tanks imperialistas, como vimos com a Lava Jato e com a emergência de figuras execráveis como Ives Gandra Martins Filho.
A contribuição sindical foi o que permitiu o surgimento de robustas estruturas organizacionais dos Trabalhadores do Brasil, que chegaram a contar com clubes de férias de fazer inveja a suas contrapartes nos países socialistas. Não só isso, essas estruturas constituíam importantes máquinas voltadas para a fiscalização de abusos trabalhistas, negociação coletiva e até mesmo greves, quando necessário. A defesa da CUT do fim da contribuição sindical chegava às raias do ridículo, com as longas filas para a devolução do valor se formando em frente às sedes das agremiações daquela central. O governo colonial de Guedes finalmente implementou essa proposta cutista, que significou um ataque frontal contra os sindicatos que perderam parte importante de sua capacidade de combate.
De modo geral, a ideologia petista sempre foi a versão “de esquerda” do neoliberalismo, fruto de uma visão fragmentária da realidade que se traduz numa forma individualista de se entender a militância, hostil à organização do Partido e ao nacionalismo terceiro-mundista.
Em terceiro lugar, é importante destacar que os governos de Lula e Dilma aprofundaram e sacramentaram diversos ataques trabalhistas que foram feitos durante o governo de FHC. A reforma da Previdência de Lula foi extremamente reacionária e Dilma não só manteve como piorou o fator previdenciário, que abocanhou uma parcela significativa das aposentadorias. Se não bastasse isso, foi nos governos de Lula e Dilma que pipocou a febre de OSs, as Organizações de Saúde, que virtualmente privatizaram o SUS e precarizaram as condições de Trabalho dos empregados do setor. Particularmente grave foi a criação da MEI do modo como foi feito. Em vez de ajudar na regularização do vasto segmento informal da População Economicamente Ativa, a MEI incentivou a pejotização desenfreada que se tornou verdadeira burla à legislação trabalhista.
Se não bastasse esses retrocessos diretos, a CUT foi a promotora do “sindicato-cidadão” que substituiu a capacidade combativa das agremiações por “serviços” de cunho assistencialista. Esse movimento não só agravou a alienação (sentido lato) dos trabalhadores, como ainda transformou os sindicatos numa “ONG” dócil aos interesses do patronato. Desta maneira, em vez de uma estrutura voltada para a luta por direitos, o “sindicato-cidadão” oferecia oficinas para a “elaboração de currículos” ou participava de iniciativas de capacitação para empresas que jamais contratariam os educandos, como foi o programa de FHC do Plano Nacional de Qualificação (se tiverem curiosidade, há mais informações aqui).
Mas nenhum desses ataques se compara ao verdadeiro crime que os governos de Lula e Dilma cometeram contra o sindicalismo brasileiro. A desindustrialização piorou sobremaneira a informalidade do mercado de trabalho brasileiro, esvaziando as principais categorias sindicais do Brasil e dificultando bastante a negociação coletiva num cenário de concorrência encarniçada entre os trabalhadores por um emprego decente. Além disso, nenhum governo da história brasileira promoveu tanto a sistemática alienação da classe trabalhadora. No lugar de um ciclo de reformas progressistas com base em mobilização popular, que a um só tempo realiza as conquistas e educa a classe, o que se viu foi um esvaziamento dessa mobilização. Isso foi tão grave que no golpe de 2016 e nas contra-reformas subsequentes, a classe trabalhadora não foi capaz de nenhum movimento significativo de resistência.
Em quarto lugar, a eleição de Lula não vai reverter os retrocessos trabalhistas implementados pelo governo colonial de Guedes. Nos três governos e meio de Lula e Dilma nenhuma privatização foi revertida. Pelo contrário, os mandatários petistas entregaram o pré-sal, nossa malha dutoviária, aeroportos e instalações elétricas, para ficar somente em alguns. Em termos trabalhistas, nenhuma contra-reforma de FHC e Collor chegou perto de ser revertida, muito menos a abertura comercial e o tripé macroeconômico que destroçaram nossa indústria.
Qual foi a expansão de direitos trabalhistas no período petista? A política de salário-mínimo certamente é elogiável, mas ela fazia parte na verdade de uma conjuntura específica: o superciclo (isto é, aumento sistemático) do preço dos bens primários que o Brasil exportava, que só foi possível enquanto China e Estados Unidos eram aliados. O mundo mudou e a “mágica” do aumento do salário-mínimo não vai se repetir; tudo aponta para queda continuada do preço dos bens primários em todo mundo, o que será terrível para uma economia devastada pela desindustrialização como a nossa.
Aliás, convém ressaltar que o arranjo petucano, isto é a falsa oposição entre PT e PSDB que organizou a política brasileira entre 1994 e 2016 (e poderíamos estender até a eleição de 1989), foi a expressão política justamente dessa combinação de abertura comercial com desindustrialização. O ciclo longo de crescimento dos preços dos bens primários permitiu manter o Brasil anestesiado por décadas aos efeitos dessa combinação nefasta. Seu esgarçamento a partir das consequências da Grande Crise Financeira de 2008 levou um tempo até atingir as proporções dantescas que agora testemunhamos, mas esse é um processo irreversível (como argumentamos mais detalhadamente aqui).
É por isso que a eleição de Lula é incapaz de salvar a democracia brasileira. Para o movimento sindical, é até pior: as falas de Lula são no mínimo dúbias a respeito das contra-reformas trabalhistas e dão a entender que o candidato repetirá o estelionato eleitoral que o PT fez tantas vezes. Nenhuma palavra sobre a terceirização irrestrita, a jornada de trabalho intermitente, a contribuição sindical e os ataques contra o acesso à Justiça do Trabalho, só para ficar em alguns pontos. No fim e ao cabo, seu governo sacramentará as contra-reformas nem que seja pela inércia, assim como fizeram com as privatizações de Fernando Henrique Cardoso.
Se não bastasse sua eleição ser nociva, é mentira que a votação de Lula estaria “garantida” e por isso temos de ajudá-lo a ganhar no primeiro turno. Como o filósofo da ciência e especialista em metodologia Gustavo Castañon comprovou detalhadamente em vídeo recente, há amplo espaço para o crescimento da intenção de votos de Ciro Gomes, que realmente pode derrotar Bolsonaro em virtude de sua menor rejeição. É por saber disso que os petistas iniciaram uma verdadeira cruzada de difamação contra os apoiadores de Ciro Gomes, atacando-os em seus espaços de trabalho e de militância de modo autoritário, usando de mentiras e o que mais for necessário. Sem propostas, o que sobra para os petistas é o terrorismo eleitoral e a mentira descarada como forma de atuação “política”.
Ainda mais grave são as propostas econômicas de Lula. A tentativa de se reeditar um arranjo neoliberal como o de 2003 será catastrófica por diversas razões, a começar por sua impossibilidade objetiva. Porém, o pior de tudo é que Lula vai agravar o problema central dos Trabalhadores do Brasil: as “perdas internacionais”, como dizia Brizola. A deterioração do movimento sindical é em algum grau o reflexo da deterioração de nossa soberania econômica e somente um Projeto Nacional de Desenvolvimento pode resgatá-la.
É por isso que Lula destruirá o que sobrou do sindicalismo brasileiro.
Como Ciro Gomes não perde uma ocasião para enfatizar, a melhora das condições trabalhistas no Brasil é parte integral do PND, em primeiro lugar, para criar condições a fim de dinamizar o mercado interno nacional. Daí a importância das 27 propostas do sindicalista Antônio Neto que visam resgatar os direitos trabalhistas e a capacidade de consumo dos Trabalhadores destruídos por quatro décadas de neoliberalismo.
Mas muito mais do que isso: Ciro sabe que somente como uma democracia “quente”, de caráter plebiscitário e com intensa mobilização popular inclusive nas ruas, poderá encabeçar um movimento contra a aliança profana dos rentistas financeiros com os agentes imperialistas.
Esse é o papel que o movimento sindical precisa voltar a cumprir: ser a vanguarda da luta popular pela Libertação Nacional.
Por Arthur Silva, servidor público do Estado de São Paulo, graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/USP, pesquisa Teoria da Dependência e História Brasileira.
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.
Após ofensiva lulista, Ciro Gomes volta a crescer no Datafolha
Após uma semana de ataques intensos por parte da campanha de Lula (PT), que tenta desmobilizar a candidatura de Ciro Gomes (PDT) em nome de um suposto ‘voto útil’, o resultado foi uma tragédia para os planos do petista.
Mesmo sob a intensa ofensiva petista, o ex-ministro do PDT cresceu na pesquisa Datafolha divulgada na noite desta quinta-feira (15), indo de 7% para 8%.
Vale lembrar que Ciro Gomes tirou um ponto do presidente Jair Bolsonaro (PL), que caiu de 34% para 33%.
Confira o BRI Análise desta sexta-feira (16), que tratou justamente de todas essas nuances eleitorais: