Máfia das creches – Reportagem assinada pelos jornalistas Artur Rodrigues e Rogério Pagnan no jornal Folha de S. Paulo aponta que uma das empresas investigadas no escândalo conhecido como máfia das creches repassou dinheiro ao atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e à empresa da família dele, aponta a quebra de sigilo bancário de pessoas suspeitas de integrar o esquema de desvios de verbas do município.
De acordo com documentos obtidos pela Folha, os repasses envolvem cerca de R$ 31 mil em ao menos três operações feitas, duas delas no início de 2018, quando Nunes ainda era vereador na capital e mantinha relação com entidades responsáveis pelo gerenciamento de creches. O prefeito não nega os repasses e diz que eles não são ilícitos
A descoberta dessas transferências ocorreu em um trabalho da Polícia Civil de São Paulo neste ano. Parte da investigação envolvendo o prefeito foi desmembrada e remetida à Justiça Federal para apuração de eventual crime praticado pelo emedebista.
O envio à Justiça Federal ocorreu a pedido da polícia porque, conforme documento judicial, entre os recursos públicos supostamente desviados estão alguns “provenientes da União, mediante adulteração/falsificação de guias de Previdência Social, comprovantes bancários e notas fiscais”.
Segundo policiais civis ouvidos pela reportagem, como a investigação foi suspensa tão logo a quebra de sigilo indicou o possível envolvimento do prefeito no esquema, não é possível dizer se houve ilegalidade ou não nos repasses. Só com a apuração da Polícia Federal isso poderá ser esclarecido.
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Procurado para esclarecer os repasses identificados na investigação, Nunes enviou uma nota por meio de sua assessoria. Ele não nega os repasses.
“O prefeito Ricardo Nunes, por meio de seus advogados constituídos, esclarece que, embora não tenha sido intimado para prestar esclarecimentos atinentes ao caso em voga, assim que soube da existência das investigações requereu acesso ao procedimento com intuito de auxiliar as autoridades na apuração dos fatos, o que se dará a partir da apresentação dos esclarecimentos à autoridade policial.”
A nota diz ainda que “as movimentações apontadas a ele e à empresa NIKKEY SERVIÇOS não possuem natureza ilícita, cujas justificativas serão apresentadas às autoridades”.
Por fim, afirma que Nunes “jamais participou de qualquer evento fraudulento ao longo de toda a sua atuação profissional, quer seja no âmbito privado, quer seja no público, bem como torce e atua, com a maior presteza, para que todos os fatos sejam prontamente esclarecidos”.
Pelo que a polícia apurou até agora, a máfia das creches é um esquema que envolve o desvio de verbas por meio de notas fiscais frias e do não pagamento de encargos sociais de funcionários.
As suspeitas recaem sobre um grupo formado por entidades terceirizadas que administram creches para o município, em possível conluio com escritórios de contabilidade e empresas fornecedoras de notas fiscais para as fraudes.
Conforme documento da Justiça Federal obtido pela Folha, a análise da quebra de sigilo bancário pela polícia paulista constatou que, em fevereiro de 2018, Nunes recebeu, da empresa Francisca Jacqueline Oliveira Braz, dois cheques no valor de R$ 5.795,08 cada um.
Ainda de acordo com o documento, a empresa também enviou outros R$ 20 mil à Nikkey Serviços S/S LTDA, companhia de controle de pragas em nome da mulher do prefeito, Regina, e de uma filha dele de relacionamento anterior, Mayara.
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A empresa Francisca Jacqueline é apontada pela polícia como uma grande ‘noteira’ (fornecedora de notas) do esquema. Somando créditos e débitos, ela movimentou mais de R$ 162 milhões com entidades gestoras das creches que levantam suspeita de fraude, diz documento.
Ela também era uma das fornecedoras da Acria (Associação Amiga da Criança e do Adolescente), entidade que gere creches conveniadas da Prefeitura de São Paulo com a qual Nunes tem proximidade. O atual prefeito e ex-vereador disse ser voluntário da entidade e conhece alguns de seus membros há vários anos.
De acordo com a apuração policial, a Acria, por sua vez, fez remessas no valor de R$ 2,5 milhões para a empresa Francisca Jacqueline Oliveira Braz Eireli –parte dos valores voltou para a Acria, segundo o monitoramento.
Conforme noticiado pelo jornal O Estado de S.Paulo em outubro de 2020, a Nikkey, empresa da família do atual prefeito, também recebeu 25 pagamentos de oito creches da Acria, no total de R$ 50.098.
À época, Nunes disse ao jornal que se tratava de valores cobrados pela prestação de serviços, abaixo dos praticados pelo mercado.
Segundo a apuração policial, a empresa Francisca Jacqueline tem ligação com o escritório de contabilidade Fênix, um dos principais alvos de investigação da polícia na máfia das creches. Esse escritório também prestava serviços para a Acria.
Embora não fosse sócia da contabilidade, Rosângela Crepaldi é vista na polícia como suspeita de estar por trás do escritório. Crepaldi e Nunes são conhecidos –o então vereador chegou a participar de evento idealizado por ela sobre o terceiro setor, em 2018, na Câmara Municipal.
A influência de Nunes sobre a Acria se dá em várias esferas. Elaine Targino, presidente da entidade no período investigado, é ex-funcionária de Nunes.
Conforme a Folha revelou, parte dos prédios locados pela entidade é de empresas cujos sócios são do grupo político de Nunes –alguns dos quais chegaram a ter cargos na prefeitura sob indicação do então vereador.
Ao menos sete prédios de equipamentos de educação e assistência foram alugados por empresas de servidores ou ex-servidores do núcleo duro de apoio político de Nunes, conforme dados de cadastro do IPTU e outros documentos.
Segundo dados do portal de transparência do ano passado, as unidades rendiam mais de R$ 1,4 milhão por ano em aluguéis, com valores que ultrapassavam, na média, os parâmetros de referência da própria prefeitura.
Em 2018, a Folha publicou reportagem que mostrava aluguéis inflados e a ligação política das entidades com vereadores, entre os quais Nunes. Uma investigação do Ministério Público na esfera civil chegou a ser aberta sobre o caso, mas, por ora, não foi encontrado nenhum indício contra o atual prefeito e os demais parlamentares.
No ano seguinte, a Polícia Civil de São Paulo começou a apurar irregularidades nas creches, inicialmente devido a desvios de encargos trabalhistas dos funcionários das entidades terceirizadas que gerem as unidades municipais para crianças.
Conforme a investigação avançou, os policiais descobriram indícios de que até a comida das unidades era desviada. Mais de 130 entidades gestoras foram descredenciadas.
Posteriormente, novo inquérito, esse na esfera criminal, voltou a apurar a ligação de Nunes com esse setor.
Paralelamente, a Polícia Federal também passou a investigar o assunto, uma vez que parte das verbas das unidades municipais é federal.
Entre as descobertas, a investigação identificou oito fornecedores responsáveis por 26,95% das compras feitas para creches da capital paulista, registradas em nome de laranjas (parentes e empregados dos investigados).
Um indício do uso de notas frias é que os valores das vendas dos fornecedores às entidades superam em nove vezes o valor das compras, aponta a apuração.
Questionada sobre o inquérito da máfia das creches, a Secretaria da Segurança Pública informou que inquérito foi remetido à Vara da Justiça Federal de São Paulo “após determinação do juiz da 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital e manifestação favorável do Ministério Público”.
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