Marcha dos 100 mil em SP – O sábado amanheceu tenso. Tinha algo no ar. Um misto de receio e esperança. Contraditório como o próprio Brasil.
A esquerda se dividiu: muitos preferiram não fazer parte de uma aglomeração em meio à pandemia de coronavírus, que já tirou a vida de quase 500 mil brasileiros e brasileiras. Outros tantos argumentavam que o governo Bolsonaro mata mais que o vírus, e que iriam às ruas exigir justamente vacinação em massa, além da saída de Bolsonaro do comando desse país desgovernado.
O ofício que decidi retomar como atividade me facilitou o caminho, pois antes de refletir sobre estar na Avenida Paulista para apoiar as pautas as quais eu também defendo, decidi por acompanhar como espectador para depois contar para os leitores do BRI sobre o que eu vi e ouvi por lá.
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E o que eu vi me surpreendeu. Não só pelo gigantesco número de pessoas, uma espécie de Marcha dos 100 mil em SP, mas principalmente pela absoluta pluralidade dos rostos, camisas, gritos e bandeiras.
Para quem não sabe, em 1968 houve a Passeata dos Cem Mil, uma manifestação contra a ditadura militar brasileira, no Rio de Janeiro, que contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira. Um marco de resistência à truculência e ao autoritarismo que imperava no Brasil e que Bolsonaro sonha reestabelecer sob seu comando.
Voltando ao sábado, o que eu vi foram famílias, idosos, crianças, adolescentes e jovens adultos como eu, dando a impressão de que o próprio Brasil estava passando ali na avenida.
Um senhor me comoveu com um olhar de quem não aguenta mais tanta covardia cometida contra a gente, mas ao mesmo tempo com um andar firme, como se estivesse obstinado em dar um basta na promoção da tragédia a qual assistimos dia após dia, quase que em choque.
O que eu vi foram irmãos e irmãs de todas as cores, credos e paixões. Corintianos e palmeirenses com suas bandeiras, sem brigas ou ofensa, mas numa unidade, claro, distanciada, mas capaz de chamar a atenção de quem cresceu assistindo pasmo às pancadarias entre torcidas organizadas dos grandes clubes dessa paixão nacional que é o futebol brasileiro.
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O que os unia? O grito engasgado pela saída de Jair Bolsonaro da Presidência da República e o apelo por uma vacinação em massa no país. Outra pauta central foi o auxílio emergencial de R$ 600, ao invés dos míseros e cruéis R$ 150 que atualmente são jogados para milhões de famílias que estão literalmente passando fome. Tudo isso em meio ao desprezo e indiferença daquele que para muitos brasileiros apresenta traços nítidos de psicopatia, uma espécie de doença mental que torna o indivíduo incapaz de nutrir empatia pelo ser humano ao lado.
O que eu vi foi muita revolta. Indignação. Muito “chega!”. Mil cartazes, quase todos diferentes. Dos mais duros aos mais bem-humorados, o que de novo me causou a estranha impressão de que o Brasil estava todo ali, como em uma pesquisa feita com 100 mil cidadãos.
Sinceramente, para mim o impeachment já tinha ido para o ‘saco’, por mil motivos que eu mesmo já falei sobre e o BRI noticiou. Mas os acontecimentos das últimas semanas, culminando com as manifestações ocorridas em todos os estados do Brasil…sei não.
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A Marcha dos 100 mil em SP – junto às manifestações que ocorreram em todos os estados do país – pode ser o empurrão que faltava para Arthur Lira, presidente da Câmara, aceitar um dos pedidos de impedimento de Bolsonaro entre os vários que, registre-se, ele disse estar analisando na última semana, à medida que a CPI da Covid-19 no Senado escancara os crimes do governo federal no enfrentamento à pandemia, ao ponto de um senador pedir a convocação do próprio Bolsonaro para depor na comissão.
Ou pode ser o primeiro empurrão. Pois o que eu vi e ouvi na Avenida Paulista no último sábado, em São Paulo, não me pareceu algo que vá parar por aqui.
O futuro dirá, claro.
Mas o passado é implacável ao nos mostrar que quando esse tipo de fenômeno acontece, é difícil segurar a pressão popular.
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Afinal, a nossa Constituição é clara: todo poder emana do povo (brasileiro).
É hora de o Brasil gritar, unido, em defesa da vida do povo brasileiro: “Chega!”.
Por Thiago Manga, jornalista, assessor político e já atuou em campanhas eleitorais.
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