Moro mandou grampear desembargadores – Documentos – até então sigilosos – revelam que o ex-juiz Sérgio Moro validou um acordo de colaboração premiada que previa grampear, monitorar e levantar provas contra colegas da magistratura paranaense.
O problema é que os alvos tinham foro privilegiado e estavam fora, por força de lei, do alcance de Moro como juiz federal da 13ª vara de Curitiba. As informações são do blog de Daniela Lima no G1.
O senador diz que a acusação é infundada e que não existem – no processo – gravações de pessoas com foro privilegiado. O acordo – datado de dezembro de 2004 – foi pessoalmente supervisionado, checado e monitorado por Moro ao longo de vários anos.
Quadro histórico do PDT, Wellington Cantal morre em São Paulo aos 88 anos
O documento foi enviado pelo delator ao Supremo Tribunal Federal (STF) e mostra que a colaboração previa que o réu usasse escutas em encontros e conversas com políticos e juristas para obter informações sobre desembargadores do Paraná e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O delator em questão é o ex-deputado estadual e empresário Tony Garcia, que só obteve acesso aos termos que formalizam sua atuação como informante de Moro recentemente, quando o juiz Eduardo Appio assumiu a 13ª vara e retirou o sigilo que existia sobre os autos há quase 20 anos.
Ligação telefônica entre juiz e réu-delator
O processo foi remetido ao STF com a intenção de anular todos os efeitos da ação de Moro contra Tony. Nele, há registros até de conversas telefônica do ex-juiz com o réu, cobrando a entrega das tarefas que tinham sido estabelecidas no acordo de delação.
Os autos mostram que 30 missões foram delegadas ao delator como condição para a colaboração com o Ministério Público Federal (MPF), assinada por Moro.
Procurado pelo blog de Daniela Lima, Sergio Moro nega qualquer irregularidade, diz que Tony Garcia é um criminoso condenado e que nenhuma das gravações entregues por ele envolve pessoas com foro.
“Tony Garcia é um criminoso que foi condenado, com trânsito em julgado, por fraude e apropriação indébita. Em 2004, fez acordo de colaboração que envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi e a utilização de escutas ambientais autorizadas judicialmente e com acompanhamento da Polícia Federal e do MPF. Essas diligências foram realizadas por volta de 2004 e 2005, e todas foram documentadas”, alega.
Autos contradizem Moro
A descrição dessas “tarefas” é detalhada nos autos e, por exemplo, a tarefa de número 8, diz o seguinte:
“Caso TRF Ricardo Saboya Kury — Bertoldo [um advogado paranaense] teria obtido liminares favoráveis com o Des. [desembargador] Dirceu, mediante troca de favores. O beneficiário procurará obter a fita cassete junto a Nego Scarpin, onde constaria tal fato, podendo, neste caso, realizar escutas externas.”
Há diversas outras menções a escutas e gravações em posses de terceiros que deveriam ser encontradas pelo delator para que ele pudesse obter os benefícios previstos no acordo.
É o caso, por exemplo, das tarefas 4 e 5:
“4) Caso Nego Scarpin – Bertoldo teria passado para a CPLI-BANESTADO a conta de Luiz Antônio Scarpin para extorquir dinheiro. (Trata-se do bilhete apreendidos manuscrito pelo Sérgio Malucelli com timbre da Votorantin). Estariam envolvidos o Deputado Iris Simões, o Dep. Mentor e o Vereador João Melão/SP. O beneficiário trará a prova documental e gravações. Essas gravações estão em poder de Nego Scarpim, envolvendo Desembargadores do TRF, advogados e políticos. 5) Caso Enio Fornea X Bertoldo. As fitas acima contêm gravações do auxílio dado a Enio Fornea por um Desembargador do TRF da 4o Região.” [sic]
Desembargadores e membros de Tribunais Regionais Federais, segundo a lei, só podem ser investigados pelo STJ, enquanto deputados federais, também citados como alvos do delator no acordo validado por Moro, somente pela Suprema Corte.
Além de avançarem sobre colegas da magistratura que não poderiam ser investigados na primeira instância, o MPF e Moro incluem no acordo uma cláusula, no mínimo, curioso: afirmando ter sido ele mesmo, Moro, alvo de um grampo ilegal, determina-se que Tony recupere o grampo e o apresente à 13ª vara para providências cabíveis.
O autor da escuta ilegal seria um advogado, Bertoldo, principal personagem das 30 tarefas distribuídas ao delator. O feito está registrado na penúltima “missão” imposta a Tony.
“29) Interceptação telefônica do Juiz Federal: Segundo Antônio Celso Garcia, o Advogado Bertoldo teria mandado interceptar a linha telefônica do Juiz Federal Sérgio Moro. O grampo teria ocorrido na PIC do MPE onde Bertoldo tem influência. De fato, as interceptações telefônicas do PCD revelam conversa entre Roberto de Siqueira e Eduardo Albertini sobre possível mandado de prisão expedido contra Toni Garcia. Bertoldo, por volta da 1 hora da manhã esteve na casa de Toni Garcia [sic] dizendo para que ele fugisse pois seria preso. Toni [sic] não acreditava e Bertoldo afirmou que tinha grampeado o telefone de Sérgio Moro e ouvira ele ligando para alguém da Força Tarefa para avisar que havia decretado a prisão de Toni [sic]. O beneficiário testemunhará e procurará obter a prova da materialidade delitiva.”
Além de assinar o acordo de colaboração ao lado dos procuradores, Moro deixou no processo registros de uma série de cobranças feitas ao delator por não entregar tudo o que havia sido pedido.
Em um dos episódios, a Polícia Federal, que monitorava as escutas feitas por e com o auxílio de Tony relata uma conversa, por telefone, do próprio delator com o ex-juiz. Toni, na ocasião, era réu de Moro. Na conversa, Tony faz reparos ao trabalho do MPF e Moro diz que, independentemente disso, teria de dar alguma condenação ao delator.
Tony foi condenado a seis anos de prisão por fraude em consórcios, mas teve, por conta de sua colaboração, a pena comutada em serviços comunitários. O benefício foi concedido por…Sergio Moro. Agora, Tony Garcia pede ao Supremo que condene Moro por atuação parcial e anule os efeitos de seu acordo e de todas as informações levantadas por ele.
O caso está com o ministro Dias Toffoli, que recebeu em anexo todas os registros do MPF, da PF e da própria 13ª vara que tratam da colaboração de Tony com Moro por anos no Paraná. Na moção a Toffoli, o delator se apresenta como uma espécie de projeto piloto do que viria a ser a Lava Jato.
Leia a íntegra da manifestação de Moro:
“Tony Garcia é um criminoso que foi condenado, com trânsito em julgado, por fraude e apropriação indébita. Em 2004, fez acordo de colaboração que envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi e a utilização de escutas ambientais autorizadas judicialmente e com acompanhamento da Polícia Federal e do MPF. Essas diligências foram realizadas por volta de 2004 e 2005, e todas foram documentadas. Não incluem qualquer gravação de autoridade com foro privilegiado, nem têm qualquer relação com as investigações do Mensalão ou Petrolão. Aliás, a farsa afirmada por Tony Garcia é facilmente desmascarada por ele não ter qualquer gravação de magistrados do TRF4, STJ ou STF.”
(Com informações de Daniela Lima em G1)
(Foto: Reprodução)