Não está claro ainda no país que o agro é insuficiente para gerar riqueza para 210 milhões de pessoas. Ser celeiro do mundo pode nos afundar ainda mais.
Artigo de Paulo Gala, publicado originalmente no portal The Intercept
TODOS OS PAÍSES hoje ricos passaram por fases bem definidas de crescimento econômico. Num primeiro momento, as economias pobres empregam a maioria de seus trabalhadores na agricultura e no setor de mineração. O progresso se dá num segundo estágio pela industrialização, quando trabalhadores são transferidos dos setores agrícolas de subsistência para manufaturas com produtividade mais elevada.
Parte das pessoas que migra para as cidades não consegue empregos na manufatura e vai para o setor de serviços não sofisticados, atuando no varejo, como garçons ou atendentes, etc. Mas se o processo de desenvolvimento avança, novos empregos são criados em indústrias de média e alta tecnologia (finanças, advocacia, marketing, TI, design, entre outros). O crescimento das vagas nesses setores puxa para cima também os salários de outras áreas.
Alguns países, porém, não conseguem chegar a esse estágio e ficam presos no meio do caminho. Os economistas chamam esse fenômeno de armadilha da renda média, situação em que o país desenvolve apenas indústrias de mineração, de baixa intensidade tecnológica e serviços de baixa sofisticação. É o caso do Brasil.
Até mesmo países que são potências agrícolas empregam não mais do que 5% de sua força de trabalho nessa atividade, como a Espanha, a França e os Estados Unidos. Os grandes contingentes de empregados na agricultura mundo afora estão em países ainda relativamente pobres nas culturas de subsistência, como Indonésia, Índia, China e Brasil. As chamadas “potências agrícolas” empregam seus trabalhadores nos serviços sofisticados, na indústria e na agroindústria.
Como bem lembra Adam Smith, a causa da riqueza das nações é a divisão do trabalho que depende do tamanho do mercado abastecido por tal nação. A causa da divisão do trabalho é o processo fabril de produção, o famoso exemplo da fábrica de alfinetes. A causa do enriquecimento é o processo de industrialização, chamado em economia de produtividade.
Para tornar essa discussão de Smith mais atual poderíamos dizer que a industrialização causa um aumento de complexidade produtiva de uma economia e uma sofisticação do setor de serviços (serviços originalmente ligados à indústria que, depois, podem ficar autônomos). Países que enriquecem conseguem avançar na produção dos chamados bens e serviços intangíveis: indústrias de alto complexidade tecnológica e serviços empresariais.
Essas características do setor industrial de alta produtividade, economia de escala e inovação não são encontradas na agricultura. As sementes modificadas vêm de processos genéticos fabris. As máquinas e drones agrícolas são produtos de ponta da indústria. Os fertilizantes e defensivos dependem de uma indústria química hiper avançada. O que há de mais moderno no agro não é agro. Por isso, países ricos e com agro potente são também grandes produtores de agroindústria, como EUA, Canadá, Holanda e França, por exemplo.
O Brasil deveria buscar um modelo semelhante ao desses países. Usar suas vantagens agro para catapultar sua agroindústria. Tentar avançar nessas frentes não desmerece nossos avanços no setor do agro, fruto de anos de pesquisas e investimentos, especialmente do setor público por meio da Embrapa.
Mas a agroindústria hoje no Brasil é muito dependente de multinacionais. Todos os insumos de alta tecnologia usados no agro são importados ou produzidos por uma multinacional. Precisamos de empresas brasileiras neste setor para gerar bons empregos aqui e não em suas matrizes, especialmente na área de pesquisa e desenvolvimento de produtos. Temos de conseguir gerar nossa própria tecnologia. Mas a competição com as multinacionais é muito violenta e sem apoio do governo com fortes subsídios à inovação, financiamento e compras públicas não chegaremos longe na sofisticação produtiva que abastece o agronegócio. Esse é o nosso desafio.
Mas ainda não está claro no país que o setor agropecuário é insuficiente para gerar riqueza para 210 milhões de pessoas. O Brasil já está entre os três maiores produtores de soja e de carne do mundo. É campeão mundial do agro e um dos celeiros do mundo. Nada disso atenuou nossa estagnação econômica, o brutal desemprego e precarização de nosso mercado de trabalho. O agro é parte relevante e importante de nossa estratégia de desenvolvimento: traz divisas estrangeiras, ocupa territórios desintegrados, traz segurança alimentar etc. Mas será sempre um setor coadjuvante no processo de enriquecimento do país. Foi assim no mundo.
Não há na história um caso de desenvolvimento econômico sem um vigoroso processo de industrialização, que culmina em uma sofisticação produtiva e industrial. A retomada do crescimento passa necessariamente por uma reindustrialização do país, em bases mais modernas e com foco na sustentabilidade ambiental. Um processo que necessita de apoio dos governos dado o grande atraso do país em relação às indústrias de ponta. É o único caminho para o Brasil.
Enquanto continuarmos com essa ideia que nosso país será o celeiro do mundo e isso nos salvará, continuaremos afundando.