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Conversando com um taxista nesta manhã, naquele tradicional papo de passagem, falávamos sobre o aumento do preço da gasolina. Irritado, o taxista falava sobre o aumento a partir de sua visão que para muitos poderia parecer corporativista: o aumento dos seus custos. Nessas oportunidades, como alguém que aprecia a boa prosa, falei um pouco sobre como o aumento da gasolina também é o aumento dos custos gerais da economia. Afinal, se pão é trigo e trigo é dólar, pão também é gasolina, que também é dólar.
Indo além naquela discussão de no máximo dez minutos, o motorista me indagou por que eu achava que os caminhoneiros ainda estavam protestando. Excelente pergunta, pois, como diz o amigo a quem eu acabara de recorrer por suas metáforas didáticas, toda pergunta inteligente contém a sua própria resposta. Enfim, por que só os caminhoneiros deveriam se mobilizar? Nessa questão, todos os motoristas estão no mesmo barco. Se aumenta e fica ruim para um, fica ruim para todos.
Trocando em miúdos, se o preço da gasolina calculado em dólar é bom para algumas pessoas, é péssimo para os brasileiros em geral. Explico.
A política de preços da Petrobras, alterada para agradar os especuladores após a venda de metade da empresa na era privatizadora de FHC, se por um lado ajuda a dar previsibilidade de lucro para os acionistas, certamente não dá nenhuma previsibilidade para toda a cadeia de preços que deriva desse aumento. Afinal, se temos uma cadeia dolarizada a partir dessa escolha política para os preços, tudo que advém dela passa a ser dolarizado.
Desde os anos 1990, o nosso Estado começou a seguir a orientação dos grandes grupos financeiros internacionais de ver na Bolsa uma opção para ganhar dinheiro sem ter que arregaçar a manga para produzir. O contexto à época era o da rapinagem como política pública, como bem explicado pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. em “A Privataria Tucana”, finalista do prêmio Jabuti. A Petrobras abriu o capital nessa época seguindo essa orientação política.
Perguntei ao taxista se ele alguma vez já obtivera algum papel da Petrobras ou mesmo na Bovespa. Se havia sido afetado pela perda de valor de mercado da empresa de 20% em apenas um dia, o que ocorreu após a troca no comando da empresa e o indicativo de que a estatal poderá agir em favor dos trabalhadores e também daquele taxista. A negativa, como é de se esperar, foi imediata. Disse que nem sabia disso, que era leigo no assunto. Mas que tinha tido uma grande redução no seu orçamento por conta do aumento da gasolina e que, inclusive, viu muitos companheiros dizendo que não tirariam mais o carro da garagem porque não valeria mais a pena. Não afirmou se suas perdas chegariam a 20%, mas foi enfático ao afirmar o desespero dos colegas, muitos já com o nome sujo e sem condição de fazer um empréstimo para continuar suas atividades ou mesmo pagar as contas do final do mês.
Desde 2014, o Brasil é autossuficiente em petróleo, mas segue importando combustível por conta da escolha política de desinvestimento. Estima-se que quase 30% da capacidade de refino brasileiro não está em operação por falta de investimentos necessários para a modernização dos parques. Esse é outro grande gargalo produtivo na hora de definir o preço na bomba. Se por um lado atingimos a autossuficiência, por outro o que vimos não foi um reinvestimento para fazer valer de fato essa condição. O que houve foi justamente o contrário. Num simulacro do que em economia se chama “doença holandesa”, produzimos a matéria-prima bruta em real (óleo cru) para depois importarmos seus derivados em dólar (óleo refinado). Faz sentido? Tem feito pelo menos para os acionistas.
Mas afinal, o que conta mais? Os 20% dos “não leigos” que têm condição e acesso ao todo poderoso mercado de ações, ou os 20% de todos os trabalhadores envolvidos na cadeia, inclusive o colega taxista?
Dito tudo isso, a Petrobras e o Estado brasileiro precisam decidir de que lado vão ficar. Se é do povo trabalhador, que sofre com esses aumentos especulativos para agradar os viciados do cassino chamado Bolsa de Valores, ou se é dos “investidores” que lucram com a desgraça do nosso povo. Como disse o professor Silvio Almeida: “O que define o neoliberalismo não é a quantidade de intervenção estatal, mas sim a qualidade. A intervenção neoliberal se dá no sentido de desorganizar determinados setores da economia. O avesso do neoliberalismo não é a intervenção; é a organização racional da economia”. Infelizmente, nós já sabemos de que lado este governo está.
Texto escrito por Antonio Neto, presidente municipal do PDT em São Paulo e presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros). Em 2020, foi candidato a vice-prefeito de São Paulo na chapa de Márcio França (PSB).
Fonte: Estadão