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Opinião: “Negacionismo” sobre Estado oferece falsas soluções para problemas nacionais

Solidariedade Ibero-Americana – Ano 18 – Volume 10 – março de 2021.

“Estadão” de 22 de março divulgou a proposta de um programa de renda básica do Movimento Convergência Brasil, grupo de empresários e executivos de grandes empresas criado no ano passado para levar ao Congresso propostas para “destravar a economia, reduzir o tamanho do Estado, impulsionar as reformas e garantir renda básica aos mais pobres”.

O fundador e líder do grupo é o executivo Evaristo do Amaral, que já ocupou altos cargos nas diretorias do Santander, Citibank e Credicard. Outros integrantes de destaque são: Luiza Trajano (Magazine Luiza); Jorge Gerdau Johannpeter (ex-presidente do grupo Gerdau); Hélio Magalhães (ex-presidente do Citi e presidente do conselho de administração do Banco do Brasil); Paulo Hartung (ex-governador do Espírito Santo); e Helena Nader (vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências).

De acordo com Amaral: “Precisamos criar um programa complementar de renda de longo prazo aos mais necessitados. Não se está fazendo favor, simplesmente. Não está se dando esmola para ninguém. Estamos fazendo um programa social de resgate do cidadão que hoje está no desespero.”

Segundo ele, os empresários também se beneficiariam com uma política do gênero: “A criação de uma renda básica para os mais vulneráveis será altamente benéfica para toda a sociedade, inclusive para os empresários. Uma renda complementar de caráter permanente gradualmente vai sendo incorporada ao mercado consumidor, e os empresários muito corretamente estão dispostos a produzir. Isso gera mais crescimento, mais emprego.

” Magalhães reforça: “O projeto de aliar a reforma administrativa e o programa de desestatização à criação de um fundo de renda mínima me soa ousado e original. Acredito que, se houver boa vontade para compreender o alcance da proposta, ela tem tudo para avançar e ajudar a melhorar o Brasil.”

Belas palavras. Todavia, como costuma ocorrer com propostas vindas da cúpula das elites dirigentes brasileiras, o proverbial diabo reside nos detalhes. Para financiar a iniciativa, a solução seria a privatização do que resta das empresas estatais brasileiras e a vinculação de 30% das receitas obtidas a um fundo financeiro administrado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), de cujos lucros anuais uma fatia de 5-10% seria usada para bancar o programa.

Como, provavelmente, tais valores seriam insuficientes para um programa minimamente efetivo, os recursos seriam reforçados por uma proporção semelhante da economia anual teoricamente obtida com a decantada reforma administrativa.

Na verdade, ninguém que tenha um conhecimento superficial da mentalidade de “balcão de negócios” da casta governante brasileira se surpreende com a contrapartida proposta pelos membros da Convergência Brasil para assegurar um mínimo de justiça social a todos os brasileiros.

O que propõem é, simplesmente, a liquidação do que resta do patrimônio do Estado brasileiro, que deixaria o País na bizarra e inusitada condição de único do mundo sem empresas estratégicas e refém dos apetites voláteis dos “mercados” para assegurar o seu desenvolvimento, algo jamais visto na História da humanidade.

No mundo real, não no universo ideológico ultraliberal dos altos representantes da casta nacional, a pandemia está demonstrando a necessidade de o País manter sob o controle do Estado um núcleo de empresas estratégicas, sem as quais não será possível elaborar políticas públicas para superar os impactos socioeconômicos da crise sanitária e, muito menos, a reversão da estagnação iniciada em 2015.

Entre elas, na primeira linha de defesa: Petrobras; Eletrobras; Banco do Brasil; Caixa Econômica Federal; BNDES; Dataprev; Casa da Moeda; Embrapa; e Ceitec. Outras empresas, embora privadas, não se pode de forma alguma permitir a transferência do seu controle para o exterior, caso gritante da Embraer, quase vendida na bacia das almas para a gigante Boeing (salva da falência por maciças injeções de dinheiro do governo estadunidense).

Na verdade, as profundas carências socioeconômicas dos brasileiros, evidenciadas de forma dramática pela pandemia de Covid-19, exigem uma proposta da renda básica universal, um valor que seria concedido a todos os cidadãos, não como benefício, mas como direito pelo mero fato de serem brasileiros, de modo a assegurar- -lhes as necessidades básicas de subsistência.

Injetar dinheiro vivo na base da pirâmide social, beneficiando, principalmente, os mais necessitados, terá o efeito de acelerar a circulação e a velocidade do dinheiro, algo oposto ao que vem sucedendo com a injeção de dinheiro através do sistema bancário privado, que, por uma distorção usurária, represa o dinheiro para provocar uma escassez artificial e encarecer as taxas de juros.

Nesse sentido, na edição de 17 de março, o jornal Valor Econômico publicou uma entrevista com o historiador holandês Rutger Bregman, defensor da proposta e autor do best-seller internacional Utopia para realistas: como construir um mundo melhor (Sextante, 2018).

Com base em evidências publicadas em centenas de estudos acadêmicos, ele afirma que a adoção de tal política teria um “custo menor que zero”, ou seja, seria autossustentável, com a queda dos custos para o Estado das despesas com saúde, justiça e segurança pública, além do aumento do número de contribuintes de impostos. Para o Brasil, ele sugere a experiência do auxílio emergencial concedido durante a pandemia seja a base para um programa de renda básica permanente.

Para ele: “(…) Se você tirar as pessoas da pobreza, você gasta menos com polícia, sistema judiciário, saúde. Você obtém cidadãos que podem investir em suas vidas e nas vidas das pessoas ao seu redor. Então, eles mudam para empregos melhores, abrem novas empresas e podem começar a pagar seus impostos também. É algo de que todos nós nos beneficiamos no final.

Para entender isso, você precisa sair da soma zero, em que a quantidade de riqueza e prosperidade é fixa e só podemos distribuir o que temos.

E mudar para uma visão “win-win”, ou uma visão de crescimento, que, na verdade, se seu vizinho se sair melhor, você também se sai melhor. (…) Você precisa começar pelo básico, colocar um teto acima de suas cabeças, garantir que elas tenham uma renda para pagar suas necessidades básicas. Sem isso, todo o resto é inútil.

O mais importante aqui é ter uma abordagem pragmática, não se tornar muito ideológica, porque é aí que as coisas dão errado nesses debates. (…)”

Em suma, o “negacionismo” sobre a importância do Estado, mesmo com belas intenções sociais, não oferece qualquer contribuição positiva para a imprescindível recolocação do Brasil nos trilhos do desenvolvimento e da redução das suas históricas injustiças sociais. A solução do problema exige uma mudança na forma de pensar e um arejamento das lideranças empresariais.

Fonte: Portal Bonifácio

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Por Redação

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