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Os países que pegam vacinas do consórcio global sem precisar

Número de doses recebidas por nações ricas do consórcio Covax Facility, apesar de baixo, agrava desigualdade mundial e impacta pouco onde imunização está avançada

Países ricos e com doses suficientes para revacinar suas populações contra a covid-19 caso necessário – como a Austrália, Canadá e Reino Unido – estão aceitando doses oferecidas pelo Covax Facility, um plano de acesso mundial à vacina lançado em setembro de 2020.

Coordenado pela Gavi (Aliança Global para Vacinas e Imunização), junto com a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias, o consórcio de quase 200 países se uniu para reduzir a desigualdade vacinal na pandemia. Mas o impacto, até agora, é mínimo. Dados da OMS apontam que, até o dia 18 de agosto, 55,8% de pessoas que vivem em países de alta renda foram vacinadas com pelo menos uma dose contra a covid-19. Nos de baixa renda, o percentual é de 1,94%.

Neste texto, o Nexo traz os casos dos “acumuladores de vacinas”, como eles se articularam para comprar imunizantes com antecedência e como países pobres ainda patinam na vacinação.

Os colecionadores ricos
Austrália, Canadá e Reino Unido vêm sendo criticados por aceitarem doses do Covax, mesmo com doses suficientes para a vacinação por meio de seus próprios acordos. Dados compilados pelo site inglês Tortoise mostram que o Canadá conta hoje com doses para vacinar seis vezes a sua população; isso sem contar o que foi recebido via Covax. Lá, mais de 70% dos habitantes receberam pelo menos uma dose do imunizante contra a covid-19, segundo o site Our World in Data.

O Reino Unido poderia ser revacinado quatro vezes e também conta com um dos índices de vacinação mais altos do mundo: 70% tomaram pelo menos uma dose. O sucesso é em parte fruto de uma guinada sanitária do primeiro-ministro Boris Johnson, que abandonou o discurso negacionista do começo da pandemia, em 2020, e investiu na vacinação rápida e em medidas de lockdown.

A Austrália conta com insumos suficientes para imunizar novamente a sua população de pouco mais de 25 milhões de pessoas por três vezes. Cerca de 40% dos habitantes tem pelo menos uma dose de vacina aplicada.

Além do dinheiro disponível, vontade política e articulação com os laboratórios o mais cedo possível em 2020 foi o que garantiu a países hoje com a vacinação avançada serem os “primeiros da fila” nos acordos com as farmacêuticas.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, assinou acordos com sete fornecedores e garantiu 400 milhões de doses para uma população de 38 milhões de pessoas. A campanha no Canadá, líder na aquisição de imunizantes, começou em dezembro de 2020.

No Reino Unido, um acordo com a Pfizer/Biontech e com o grupo francês Valneva, firmado em julho de 2020, garantiu 90 milhões de vacinas. O governo assinou ainda com a Universidade de Oxford, Janssen, GSK/Sanofi e Novavax, somando 340 milhões de doses.

A Austrália foi na contramão e não seguiu a corrida do Canadá, Reino Unido e de outros países líderes na vacinação atualmente, como Estados Unidos e Israel, e aguardou para fechar contratos. Isso se deu muito pela situação confortável do país durante 2020, que conseguiu um bom controle da covid-19 com lockdown e rastreamento de contatos.

Em maio de 2021, a Austrália fez uma compra de 25 milhões de doses da vacina Moderna, e aposta também em um imunizante próprio, a Novavax. O projeto, porém, está atrasado: 51 milhões de doses que seriam entregues em 2021 ficarão para 2022, segundo o jornal The Guardian. As vacinas, de acordo com o governo australiano, serão aplicadas em estratégia de terceira dose, que vem sendo avaliada em todo o mundo.

Diante deste contexto de sobras, se questiona o porquê de os três países aceitarem doses da Covax, que são poucas em relação ao que eles já compraram e administram: o Canadá recebeu 972 mil doses via consórcio. O Reino Unido, quase 540 mil e a Austrália, 513 mil. O número gera um impacto irrisório nas campanhas de vacinação, que já estavam em pleno andamento. O argumento é de que os países têm direito a essas doses pelos contratos assinados com o Covax: deram dinheiro para países mais pobres e, agora, podem receber o que foi acordado.

O objetivo do consórcio, no entanto, não era o de fornecer aos países ricos. Tanto que a Nova Zelândia, por exemplo, devolveu parte de seu pedido via Covax de vacinas da AstraZeneca. Os Estados Unidos, que em junho de 2021 apresentaram um plano de doação de 55 milhões de vacinas, fará o repasse de 75% dessas doses pelo Covax.

Países pobres e em crise mal começaram
O Haiti, que vive crises sucessivas como a morte do presidente Jovenel Moise e um grande terremoto ocorrido em 14 de agosto, recebeu as primeiras doses de vacina apenas em julho de 2021, doadas pelos Estados Unidos, e precisou paralisar a campanha por causa do terremoto. Segundo a OMS, é urgente no país a necessidade de equipamentos, de profissionais de saúde e apoio logístico para a vacinação ocorrer. Até agora, 0,22% dos haitianos foram vacinados, e apenas parcialmente, de acordo com o site Our World in Data.

Também na América Central, pouco mais de 6% da população da Nicarágua está vacinada com ao menos uma dose. Na Guatemala, o porcentual é de 17%. No mapa global de vacinação, uma extensa faixa de países africanos ainda aguardava a primeira dose da vacina em abril em 2021. A Líbia tem pouco mais de 12% da população vacinada e menos de 1% imunizada com duas doses. O Senegal, pouco mais de 6% com pelo menos uma dose. Os percentuais são do Our World in Data.

No Brasil, após sucessivas declarações do presidente Jair Bolsonaro contra as vacinas e da fala de seu ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, de que não havia “pressa” para compra de imunizantes, a campanha de vacinação andou em meio a revelações na CPI da Covid de descaso nos acordos com a Pfizer e de suspeitas de corrupção envolvendo intermediários em tentativas de compra da AstraZeneca e da Covaxin.

O país alcançou 60% da população vacinada com pelo menos uma dose na terça-feira (24), e atingiu 26% de pessoas com esquema vacinal completo. Entre março e julho de 2021, o Brasil recebeu mais de 6 milhões de doses de vacinas via Covax. Segundo o Ministério da Saúde, até o final do ano, esse número deve ser de 42 milhões de doses.

Os impasses do consórcio
Em junho de 2021, o Covax Facility anunciou uma reformulação para melhorar o direcionamento aos países pobres. Ao mesmo tempo em que busca aprimorar a equiparação, relatório do The New York Times publicado no dia 2 de agosto indica que o consórcio tem atuado como uma espécie de “clube de compradores”.

O jornal revelou que, em maio, negociações do Covax com a farmacêutica Pfizer pararam porque o laboratório queria que as doses fossem destinadas somente aos países em desenvolvimento, ao passo que o consórcio queria utilizar as vacinas da Pfizer para atender países ricos que aderiram à iniciativa.

Funcionários do Covax Facility disseram para a agência de notícias Associated Press que diretores admitiram em uma reunião recente que não conseguiriam obter uma “distribuição equitativa”, e que é complicado excluir os países ricos porque, sem eles, fechar negócios com alguns fabricantes se torna mais difícil.

Além disso, a iniciativa também sofre com atrasos: em março, o Instituto Serum, da Índia, um dos principais fornecedores do Covax, paralisou as exportações por causa da grave crise de covid-19 que acometeu o país. Em janeiro, a previsão do consórcio era de disponibilizar meio bilhão de doses em todo o mundo. Até agora, foram entregues 207 milhões de vacinas pelo esquema.

A desigualdade na distribuição de imunizantes é um dos fatores apontados pela OMS como responsáveis pelo surgimento de novas variantes do coronavírus no mundo. O diretor-geral da organização, Tedros Adhanom, já afirmou que esse desequilíbrio aumenta as chances de uma variante emergente tornar os imunizantes existentes ineficazes.

Estimativa publicada pela revista Nature no final de novembro de 2020 apontou que, naquela época, todos os 27 países da União Europeia somados a outros cinco países ricos já haviam encomendado metade das principais vacinas disponíveis. Essas nações respondem por 13% da população mundial.

Fonte: Nexo Jornal

Por Redação

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