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Opinião: ‘Ultraliberais pedem ajuda do governo para salvar banco quebrado’

Ultraliberais pedem ajuda do governo – O cadáver do Banco do Vale do Silício (SVB) nem tinha esfriado quando o governo americano e suas agências resolveram dar um sossega leão no sistema financeiro —ou, pelo menos, tentaram. O tranquilizante cavalar, como de costume, é feito de dinheiro e promessa de dinheiro para quem estiver sob risco de ir à breca.

As providências são sensatas e prudentes, em si mesmas, provavelmente inevitáveis.

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Em tese, sob uma perspectiva racional, podem conter o pânico, embora o futuro de pânicos, por definição, não caiba em prognósticos racionais. Se as pessoas deixam de acreditar que o dinheiro delas está a salvo nos bancos, ele desaparece, os bancos quebram.

Além do mais, as medidas do governo dos EUA devem ter implicações para a política de juros do Fed, do Banco Central deles, e, por tabela, para o BC do Brasil também. As primeiras decisões, no Brasil e nos EUA, ocorrem na semana que vem.

Antes de mais nada, registre-se a ironia sinistra de sempre: os ultraliberais investidores do Vale do Silício, que detestam o Estado opressor, pediam intervenção estatal ainda na sexta-feira, quando o banco de startups e de firmas de capital de risco (“venture capital”) virou pó. Queriam que o governo ou agências do Estado cobrissem perdas de empresas clientes do SVB, de modo a atenuar o pânico que se espalhava entre depositantes de outros bancos pequenos e médios. Pouco antes de pedirem ajuda, vários deles tinham recomendado a sócios, colegas e compadres que sacassem seus fundos do banco, o que apressou a falência do SVB.

O que o governo americano anunciou no domingo? Joe Biden disse que vai fazer “o que quer que seja necessário”, frase que ressurge a cada crise financeira deste século.

O fundo garantidor de créditos deles, o Fdic, cobre perdas de quem tem depósitos de até US$ 250 mil em bancos quebrados (aqui no Brasil, a cobertura é de R$ 250 mil). Quem tem mais dinheiro depositado normalmente entraria na fila para receber o seu (se recebesse) depois que os haveres do banco tivessem sido vendidos e repartidos (se sobrasse alguma coisa).

No domingo, anunciou-se que o fundo garantidor de crédito deles, o Fdic, vai cobrir eventuais perdas de todo mundo no SVB e no Signature (falido na segunda), mesmo de quem tinha mais de US$ 250 mil em depósitos. É o grosso do dinheiro que seria perdido no SVB, que tinha muita empresa como cliente.

De onde vai sair o dinheiro? Os bancos vão pagar um extra para o Fdic. É um imposto, na prática. A depender das condições de mercado, essa contribuição adicional pode ser repassada para os clientes. Pode ser um custo pequeno para se evitar novas corridas (saques) contra bancos e, pois, novas quebras.

Por outro lado, o Banco Central deles, o Fed, vai oferecer empréstimos camaradas para bancos que eventualmente tenham problemas, como fez na crise de 2008 e no choque da epidemia de Covid. A receita é a mesma. A escala é menor (pelo menos por enquanto).

Os bancos têm haveres, ativos, como títulos do Tesouro americano (empréstimos para o governo dos EUA). Muito foi comprado quando as taxas de juros eram muito baixas (no auge da epidemia). Isto quer dizer exatamente que o preço desses títulos era alto; perderam valor com a rápida alta da taxa básica de juros, que sobem porque o Fed quer conter a inflação.

Se bancos (ou qualquer outro detentor de títulos) não precisam vender tais títulos, não “realizam” o prejuízo, não perdem dinheiro, embora seus balanços estejam de fato um pouco bichados (seus haveres, a preços de mercado, valem menos do que aparecem nos balanços). O SVB teve de vender seus títulos a fim de cobrir saques de clientes.

O Fed oferece dinheiro emprestado a bancos que poderiam vir a enfrentar o mesmo problema do SVB. Como garantia, recebe aqueles títulos do governo (ou similares) pelo valor de face, por assim dizer, não pelo valor de mercado. Ou seja, no fim das contas, o Fed fica com o risco de desvalorização desses títulos, para resumir uma história um pouco mais enrolada.

Não quer dizer que os bancos vão levar dinheiro, de pronto. Quer dizer que o Fed ficou com o risco de que bancos percam dinheiro do mesmo modo como o SVB, o que foi um detonador da crise. É mais uma tentativa de conter a desconfiança de que mais bancos terão problema idêntico. Não devem ter, ao que parece. O problema no SVB era especialmente grande, foi espantosamente ignorado pela fiscalização e, na verdade, resultou de uma estratégia de investimento entre rudimentar e tola.

O governo não deu dinheiro a ninguém, de imediato ou diretamente. A linha de crédito é uma promessa, uma garantia em caso de problema. Além do mais, acionistas dos bancos quebrados e quem emprestou a eles vão ver seu patrimônio evaporar ou quase isso. No entanto, o Fed continua a bancar um seguro grátis.

Parecem providências sensatas. Em caso de o pânico continuar, com mais quebra de bancos, até saudáveis, quem mais perde é o andar de baixo, como diz o Elio Gaspari. No entanto, mais uma vez e para todo o sempre o Estado comparece ou comparecerá para segurar a barra da finança e ajudar mesmo os libertários de boca para fora. De ruim também, há algum incentivo extra para comportamentos de risco (“moral hazard”). Os ricos deveriam pagar mais para terem um seguro informal dessa espécie e tamanho, o que seria até uma solução liberalzinha. Mas não pagam.

O risco de crise financeira suscitou o debate sobre o futuro da taxa básica de juros nos Estados Unidos. Coisa parecida, em escala muito menor, aconteceu aqui por causa da “crise de crédito” detonada pela fraude nas Americanas e pedidos de recuperação judicial de empresas grandes.

A alta das taxas de juros ajudou a provocar, como de costume, acidentes (a quebra do SVB e o pânico). Até onde a taxa básica do Fed (a dos “Fed funds”) pode ir sem causar outros danos?

A crise de confiança, com algum impacto no crédito, pode esfriar um pouco mais a economia dos EUA e, talvez assim, contribuir para o controle da inflação. Ou não.

Não há soluções fáceis, até porque o desdobramento da crise ainda é incerto. Os entendidos respeitáveis nos EUA não têm respostas unívocas, nem de longe. De mais sensato, se diz que o Fed pelo menos vai ter de revisar o ritmo de alta de juros. Talvez dar uma parada ou mexer nas taxas bem devagarinho.

Se as medidas anunciadas pelo governo no domingo contiverem o pânico, fica uma cicatriz, mas o Fed poderia se concentrar no problema da inflação. Se os problemas se embaralharem (crise de confiança, talvez financeira, e inflação persistente), a questão fica mais complicada.

Nas últimas crises do século, rolos financeiros tiveram efeito ruim na economia: o Fed conteve juros (ou os talhou sem dó) e não se viu inflação. Mas, desta vez, pode ser diferente. Não se via inflação tão alta assim havia mais de quatro décadas.

O problema no Brasil é similar. O aperto no crédito (alta de “juros do BC”, seca de crédito por causa de problemas com empresas) pode fazer com que a economia fique ainda mais resfriada. Em tese, haveria menos inflação. A taxa básica de juros poderia cair mais e mais cedo.

Era o que os preços no mercado financeiro vinham indicando no primeiro terço de março, aqui no Brasil. Mas, ressalte-se, será preciso saber o que será da inflação —e mesmo dos juros nos EUA. Agora, a história ficou mais complicada, pelo menos com mais incertezas, como se acabou de ver.

Pelos primeiros sinais, a tendência seria de queda de juros. As taxas de juros básicas, que definem o custo de financiamento dos governos, despencavam pelo mundo, dos Estados Unidos à Alemanha, inclusive no Brasil. Pode ser uma reação exagerada a uma crise pontual. Mas era o panorama no início da noite da segunda-feira.

Por Vinicius Torres Freire, jornalista e mestre em administração pública pela Universidade de Harvard (EUA)

*Texto publicado originalmente pelo jornal Folha de S. Paulo

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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.

Por Redação

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