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Voto impresso: por que está sendo discutido agora?

Voto impresso -Tida como bandeira do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores, o debate sobre a adoção do voto impresso no Brasil voltou a ganhar destaque com o avanço, na Câmara dos Deputados, de uma proposta sobre o assunto.

Voto impresso -Tida como bandeira de Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores, o debate sobre a adoção do voto impresso no Brasil voltou a ganhar destaque com o avanço, na Câmara dos Deputados, de uma proposta sobre o assunto. Apesar de não haver provas de fraudes nas eleições brasileiras com voto eletrônico, governistas questionam a lisura do processo, afirmando que ele não permite uma auditoria, e cobram a implementação integral do comprovante de votação já em 2022.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por sua vez, afirma que o voto no Brasil já é auditável “antes, durante e depois” das eleições, e tem veiculado campanhas publicitárias reforçando a confiabilidade da urna eletrônica. Segundo o órgão, fragilidades apontadas em testes de segurança não têm potencial de violar o sigilo do voto ou mudar os rumos das eleições e, mesmo assim, foram corrigidas ou mitigadas.
O que se debate hoje não é o retorno do voto em cédulas, mas a adoção de um comprovante em papel do voto dado na urna eletrônica.

O comprovante não passaria pelas mãos do eleitor e serviria para uma auditoria dos resultados da urna eletrônica —ou seja, conferir se os votos dados pelos eleitores são iguais ao resultado computado pelas urnas.

O TSE chegou a montar um protótipo de uma impressora acoplada à urna, e uma lei para instituir o voto impresso foi aprovada pelo Congresso em 2015. No entanto, o STF barrou a medida em 2018, alegando comprometer o sigilo do voto.
Especialistas em segurança digital, direito e ciência política ouvidos pelo UOL levantaram possíveis pontos positivos da adoção do voto impresso, mas lembraram também que a discussão tem sido aproveitada politicamente e marcada pela desinformação cujo intuito é questionar a credibilidade de um processo eleitoral que nunca teve fraudes comprovadas.

As eleições brasileiras são confiáveis?

O histórico de votações desde a adoção da urna eletrônica —usada parcialmente em 1996 e 1998, e integralmente a partir de 2000— aponta que as eleições brasileiras são confiáveis.

Com a urna eletrônica, nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras, nem denúncias consideradas relevantes. Essa constatação foi feita não apenas por auditorias realizadas pelo TSE, mas também por investigações do MPE (Ministério Público Eleitoral) e por estudos matemáticos e estatísticos independentes. Além disso, há outros elementos hoje no Brasil que reforçam os resultados de eleições, como pesquisas de intenção de voto e de boca de urna.

Ainda que não haja fraude comprovada e que a possibilidade de uma acontecer seja remota, especialistas de segurança defendem considerar a existência do risco.

“A urna é segura contra a maior parte dos possíveis atores que atacariam uma eleição. Quando falamos que ela é vulnerável, não estamos falando do hacker especializado em golpe de ‘zap’, mas de um país com alta capacidade de fazer esse tipo de ataque cibernético, por exemplo. Nós [brasileiros] nos preocupamos com ataques menores e consideramos que a urna está boa o suficiente, não precisa evoluir mais”, disse Lucas Lago, especialista em privacidade e segurança digital e pesquisador do CEST-USP (Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia da Universidade de São Paulo).

Outro defensor da cautela é Diego Aranha, professor de segurança de sistemas no Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Entre 2012 e 2017, Aranha participou de três testes de segurança organizados pelo TSE para encontrar possíveis brechas no sistema. Em todos eles, sua equipe localizou vulnerabilidades que poderiam pôr em risco o sigilo do voto ou permitir que agentes internos e externos invadissem o software utilizado.

Aranha reconhece que os ataques seriam improváveis e exigiriam uma combinação de fatores específica para acontecer. Ainda assim, reforça a importância de se aprimorar o sistema.

“Não estou falando que aconteceu fraude, não estou falando que vai acontecer. Mas, como profissional de segurança da informação, eu preciso pensar em cenários em que esse tipo de vulnerabilidade possa ser explorado”, disse ele. “Do ponto de vista científico, dizer que nunca houve fraude não é o suficiente. Há inúmeros sistemas inseguros que nunca foram fraudados.”

Segundo o TSE, todos os erros apontados nos testes de segurança são posteriormente corrigidos. O tribunal também argumenta que todas as vulnerabilidades são identificadas em condições especiais, dificilmente reproduzidas no mundo real.
Voto impresso e voto auditável

A existência de um registro em papel do voto é historicamente defendida como uma forma adicional de garantir a auditoria da eleição. Defensores da medida argumentam que a auditoria do voto eletrônico, como é feita hoje, exige um conhecimento técnico especializado, o que exclui a maior parte da população desse processo.

Essa proposta tem o nome de VVPAT, sigla em inglês para comprovante de votação verificado pelo eleitor. A ideia funciona da seguinte forma: o eleitor vota na urna eletrônica, e sua escolha é registrada também em papel por uma impressora acoplada e protegida por um acrílico —assim, ninguém tem contato físico com a cédula. O eleitor verifica se o registro corresponde à sua vontade e confirma o voto.
O papel é então despejado automaticamente em uma urna indevassável, o que resulta em dois registros do voto: o eletrônico e o impresso. No caso de contestação sobre o resultado das eleições e uma eventual recontagem de votos, isso pode ser feito tanto por técnicos, quanto pela sociedade civil.

“O voto impresso não impede que uma eventual fraude aconteça, mas aumenta a chance de ela ser detectada”, disse Lucas Lago, especialista em privacidade e segurança digital e pesquisador do CEST-USP (Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia da Universidade de São Paulo).

O voto impresso já é adotado por alguns países, como Índia, Argentina e Venezuela, que implementam o recurso de forma gradual. Alguns especialistas defendem que, em vez de trocar todas as urnas do país, isso seja feito apenas em um grupo de seções randomizadas, de forma a ter uma amostra auditável em papel dos votos.

“Não é ruim ter a possibilidade de fazer auditoria em papel. O que não quer dizer que voto tem que ser em papel em todas as urnas. O governo pode aleatorizar em seções eleitorais urnas que imprimem o voto e auditar essas urnas. Se houver fraude, seria possível identificar a partir disso”, disse a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Já as críticas à adoção da impressão do voto vão no sentido de que isso excluiria parcela da população do processo de checagem, como pessoas com deficiência visual e analfabetos, além de ser questionada a garantia do sigilo do voto nesses casos. Levanta-se também o risco de falha no processo de impressão, como travamento do papel. A adoção das impressoras implicaria ainda em um aumento dos custos do processo eleitoral para os cofres públicos.

Por que o voto impresso está sendo discutido agora?

A mais recente defesa da pauta é feita por políticos bolsonaristas que pregam uma mudança imediata no sistema. Eles querem as urnas com impressão sejam adotadas integralmente já para as eleições do ano que vem, o que é considerado inviável por todos os especialistas consultados pelo UOL, além do próprio TSE.

O movimento é liderado pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que organiza lives semanais com apoiadores do governo para falar sobre o tema, entre eles políticos e jornalistas. Ela entregou ao Congresso a PEC 135/2019, que torna obrigatória a impressão do voto.
Em 2002, o TSE realizou um teste com o recurso no Distrito Federal e em 150 pequenas cidades durante as eleições municipais. A experiência foi avaliada como mal-sucedida pelos técnicos do tribunal, por problemas que iam de filas extensas a falhas nas impressoras.

Houve ao menos três leis aprovadas pelo Congresso que trouxeram a proposta, mas que sofreram mudanças no caminho: em 2002, 2009 e, a mais recente, em 2015. Depois dessa última, o TSE produziu um artigo científico fazendo sugestões de adaptação nas urnas testadas em 2002 e detalhando como funcionariam as novas versões. No entanto, a mudança foi barrada pelo STF em 2018, sob o argumento de que colocaria em risco o sigilo do voto.

Outro momento polêmico em que a questão veio à tona foi em 2014. Após perder as eleições para o PT, o PSDB do candidato derrotado Aécio Neves pediu uma auditoria do resultado da disputa. O TSE negou o pedido para a formação de uma comissão para a análise dos dados, mas autorizou a liberação de informações pedidas pelo partido. No fim de 2015, a legenda publicou um relatório afirmando não ter detectado fraude, mas que tampouco o sistema era auditável por agentes externos. Como solução, o documento propunha a adoção do voto impresso.

Para a cientista política Lara Mesquita, o questionamento do PSDB foi o embrião do debate atual. “Quando Aécio entra no TSE questionando o resultado com base em denúncias de Whatsapp, ele abre margem para teorias da conspiração do tipo que o atual presidente reivindica desde antes de ser eleito”, afirmou.

Desinformação e politização do debate

Aliados do governo Bolsonaro costumam partir da premissa de que o resultado das eleições de 2022 não será confiável caso não haja a adoção das impressoras. A afirmação é reiterada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que já lançou suspeita em várias ocasiões sobre supostas fraudes nas eleições que venceu em 2018, mas nunca apresentou provas das denúncias.
“A contestação também tem cunho político e parece ser na linha da deslegitimação da Justiça Eleitoral, o que pode indicar uma instrumentalização de um debate que é legítimo para outras finalidades que podem não se referir à melhoria do sistema”, avalia Ana Cláudia Santano, professora de direito eleitoral da UniBrasil.

Renato Brill de Góes, vice-procurador geral eleitoral, disse à Folha que a premissa de que a eleição de 2022 não será confiável sem o voto impresso é “absurda” e se trata de “teoria da conspiração aliada a negacionismo da tecnologia e da ciência que é a urna eletrônica”.
“O voto impresso servirá para tumultuar o processo de apuração e totalização dos votos pelos candidatos que estiverem em desvantagem na disputa, o que será um grande atentado ao regime de Direito e ao Estado democrático”, declarou Góes.
Também para a Folha, o coordenador jurídico da campanha de Bolsonaro em 2018, Tiago Ayres, defendeu a confiabilidade das urnas eletrônicas e disse que o voto impresso seria apenas um reforço à segurança do sistema.

O movimento bolsonarista não é inédito, e segue os passos do ex-presidente americano Donald Trump, de quem Bolsonaro é declarado admirador. Tal qual o brasileiro faz agora, Trump começou a construir um argumento para pôr em suspeição o pleito norte-americano antes mesmo de ele acontecer. Após perder para o democrata Joe Biden no ano passado, bradou acusações de fraude, sem nunca apresentar provas.

O debate tem sido ainda permeado por distorções e notícias falsas. O advogado e diretor do Instituto de Tecnologia do Rio, Ronaldo Lemos, publicou em maio uma coluna na Folha pedindo às pessoas que parem de compartilhar um vídeo seu de 2017 sobre urnas eletrônicas que circula editado e fora de contexto. Diego Aranha é outro alvo da desinformação: declarações antigas suas têm sido compartilhadas em versões editadas ou fora de contexto.

“A questão sempre foi distorcida de um lado ou de outro, mas agora há um esforço sistêmico, organizado”, disse o professor. “Sinceramente, não tenho resposta de como promover esse debate na era da desinformação. Ele tem se tornado agressivo nos dois pólos.

Tem gente nas redes sociais pedindo minha cabeça, chamando de idiota, miliciano, todo tipo de ‘gentileza’.”
Aranha disse isso porque a adesão de bolsonaristas à pauta teve como reação críticas ainda mais contundentes à solução que ele defendeu em sua carreira. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) escreveu no Twitter, por exemplo, que “todo miliciano é defensor do voto impresso”.

“Como o bolsonarismo abraçou a questão, todo mundo que é contra o governo se colocou também contra a pauta. Vejo com tristeza, porque é uma questão importante e na qual, há duas décadas, o Brasil era pioneiro. Acho que ficamos satisfeitos com isso e paramos no tempo, em vez de abraçar a agenda e evoluir”, declarou o especialista em segurança Lucas Lago.

Destaque na esfera política até agora foi o PDT, partido de oposição ao governo. Tanto pedetistas quanto bolsonaristas atribuem ao ex-governador Leonel Brizola (1922-2004), fundador do partido, o pioneirismo da demanda, ainda na década de 1980.

O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, publicou nas redes sociais em maio um vídeo reivindicando a pauta que, segundo ele, é originalmente pedetista. Lupi também afirmou que “sem a impressão do voto, não há possibilidade de recontagem” e que “sem a recontagem, a fraude impera” —apesar de nunca ter havido fraude comprovada nas eleições com voto eletrônico.

O presidenciável Ciro Gomes (PDT) saiu em defesa do correligionário, também na rede social: “Defender o voto eletrônico com cópia impressa, nos moldes propostos por Lupi, é ser contra Bolsonaro e não a seu favor. Se implantado, mataria, por antecipação, sua tentativa de sabotar os resultados do pleito de 2022″, escreveu.
O que diz o TSE

Procurado pelo UOL, o TSE disse que o chamado Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação (TPS), do qual o professor Diego Aranha participou, é um evento no qual a Justiça Eleitoral torna o hardware e o software utilizados na urna eletrônica, assim como outros sistemas eleitorais, disponíveis para verificação e teste pela sociedade brasileira. O tribunal afirmou que as fragilidades apontadas nesses testes não têm potencial de violar o sigilo do voto ou mudar os rumos das eleições. Ainda assim, foram corrigidas ou mitigadas.

Questionado sobre a segurança das urnas, o tribunal respondeu que a votação eletrônica tem cumprido o objetivo de garantir a integridade e a segurança do processo eleitoral.” Também disse que “a implantação da urna eletrônica no Brasil, com seus diversos mecanismos de segurança, permitiu a eliminação de vários tipos de fraudes e de erros humanos existentes no antigo processo eleitoral, tais como a duplicidade de votos e a troca de cédulas eleitorais durante a contagem.”

Sobre a possibilidade de se realizar a auditoria das urnas, o TSE disse que o voto no Brasil é auditável antes, durante e depois das eleições, dando os seguintes exemplos de procedimentos de auditoria em cada momento:
Antes: “os sistemas da urna eletrônica são devidamente assinados e lacrados com a participação de todos os interessados”
Durante: “dezenas de urnas são sorteadas em todos os estados para um teste de integridade no dia da votação”

Depois: “é possível conferir os boletins impressos pelas urnas ao final da votação com a totalização divulgada pelo TSE”. Nessa última etapa, disse o tribunal, qualquer cidadão pode fazer a própria conferência.

O órgão ainda ressalta que partidos políticos, Ministério Público, OAB e Polícia Federal são convidados a participar ativamente de cada uma das etapas. Apesar disso, nenhum partido político fiscalizou as urnas nas últimas três eleições, noticiou em maio a colunista do UOL Carolina Brígido.

Fonte: Uol

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