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Desde outubro do ano passado, milhares de mulheres tomaram as ruas na Polônia para protestos contra a decisão do Tribunal Constitucional daquele país que ampliou as restrições ao aborto legal. E, no auge desses protestos, em novembro, quem marcou presença para celebrar a mudança foi uma representante do governo brasileiro.
Angela Gandra, secretária da Família do Ministério de Direitos Humanos do Brasil, cruzou o oceano Atlântico, em plena pandemia de covid-19, para apoiar pessoalmente em Varsóvia, capital polonesa, a decisão que restringiu ainda mais o aborto naquele país. A prática só é legal agora em casos de estupro, incesto e quando a vida ou a saúde da mãe estiverem em perigo. Os casos de malformação do feto foram proibidos.
Com despesas pagas pelo Instituto Ordo Iuris, uma das organizações ultraconservadoras privadas mais influentes naquele país, Gandra participou de eventos e se reuniu com membros do governo local e políticos da Solidarna Polska (Polônia Unida).
Gandra foi inicialmente convidada para palestrar na “Conferência de Defesa dos Direitos da Mulher”, organizada pela Ordo Iuris, em Varsóvia, no dia 12 de novembro do ano passado. O evento foi organizado pelo instituto ultraconservador em resposta aos protestos em massa contra a decisão do Tribunal Constitucional sobre o aborto.
Com forte presença católica, o Brasil é um lugar importante no mapa dos movimentos religiosos. Foi no Brasil que surgiu a Sociedade Tradição Família e Propriedade, a TFP, que depois criou organizações na Europa, em especial, na Polônia. Lá, eles ergueram a Fundação Skarga, em Cracóvia, e mais tarde, fundaram a Ordo Iuris.
Angela Gandra é advogada, seu irmão, Ives Gandra Martins Filho, é ministro do Tribunal Superior do Trabalho do Brasil — ele e o pai, Ives Gandra Martins, são vinculados à Opus Dei. Ela integra o governo do presidente Jair Bolsonaro desde janeiro de 2019 e junto com a ministra Damares Alves é responsável por cuidar da pasta que atua em prol dos direitos humanos e que, no atual governo, passou a se denominar Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
A Reporters Foundation e o UOL obtiveram acesso a documentos que mostram os detalhes da visita de Gandra à Polônia. Em 28 de outubro de 2020, seis dias após a decisão do Tribunal Constitucional, Ewa Rowinska, coordenadora da Ordo Iuris, enviou um email para Gandra falando sobre a situação no país e fazendo o convite para o evento.
“A escalada de protestos e distúrbios de rua não tem precedentes. Há [também] muita desinformação e manipulação em relação ao julgamento do nosso tribunal (…). É por isso que estamos pensando em organizar um painel internacional sobre os direitos das mulheres “, acrescenta.
Rowinska explica o objetivo da sua ação: “Nosso principal objetivo é mostrar que a ideia dos direitos das mulheres agora é muito manipulada e muitas vezes leva à estigmatização das mulheres que não os compartilham”.
Como o tema é quente na opinião pública local, Rowinska insiste: “A conferência será realizada online em 12 de novembro, mas se for possível, ficaríamos honrados se você viesse para a Polônia. Claro, cobriremos todos os custos relacionados com o voo, hotel, etc”.
Apesar da pandemia, Gandra decide voar para a Polônia, embora os outros participantes optem por falar à distância por videoconferência, prática muito comum para evitar a proliferação da contaminação do novo coronavírus.
Leia o relato completo sobre a participação da envia da de Damares nesse evento através do portal UOL