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Enquanto o neoliberalismo avançou no Ocidente, o país apostou em políticas públicas robustas, infraestrutura e seguridade social. Em 40 anos, retirou 850 milhões da miséria e promoveu ampla (e planejada) urbanização, sem gerar favela.
Em 2020, a China atingiu a meta de seu 13º Plano Quinquenal (2016-2020), concluindo a retirada de cerca de 850 milhões de pessoas da pobreza em um longo processo de quatro décadas. Mesmo sendo a maior campanha da história humana, este feito tem sido muito pouco noticiado, o que evidencia o etnocentrismo prevalente no Ocidente. E isso ocorreu num contexto de predomínio global da agenda neoliberal e crescente exclusão social. Tal cenário tornou a China responsável pela eliminação de 70% da pobreza mundial.
Sob a direção e planejamento do PCCh, o combate à pobreza na China enfrentou sobressaltos e períodos diferenciados. Embora as origens remontem à promessa da revolução de 1949 de garantir “uma tigela de ferro de arroz” para cada chinês, o processo de produção das políticas públicas de combate à pobreza neste país foi complexo. Incluiu desde políticas assistenciais até, em sua última fase, políticas voltadas para aldeia e famílias específicas que por algum motivo não se encaixavam nas ações governamentais anteriores.
A historicização desse processo pode ser demonstrada em quatro estágios iniciados a partir da política de Reforma e Abertura do final da década de 1970. No primeiro (1978-1985), medidas de alívio da pobreza foram centradas em resolver o problema do abastecimento insuficiente de alimentos e roupas – sobretudo nas áreas rurais. Na segunda fase (1986-2006), a redução da pobreza voltou-se para o fornecimento de crédito para famílias pobres e construção de infraestrutura e extensão de tecnologias para o campo. Em um terceiro momento (2007–2012), o governo passou a enfatizar a ampliação do sistema de seguridade social. E, por fim, desde 2013, a última fase, cujas políticas de redução da pobreza passaram a ser mais focadas, para dar conta de famílias pobres residuais.
Ou seja, dos 850 milhões de pessoas que saíram da linha da pobreza em 4 décadas, grande parte ocorreu entre 1990 e 2010, no contexto da arrancada industrial, com ênfase na modernização e desenvolvimento. Assim, a proporção de população pobre passou, neste período, de 66,3% para 11,2% – de acordo com o Banco Mundial e a Linha Internacional de Pobreza de U$ 1,90 por dia. O último Plano Quinquenal (2016-2020) partiu de 4,5% da população restante, cerca de 43 milhões de pessoas, e completou um longo esforço nacional.
Todo esse processo tem marcado a mais notável mobilidade social da história, cuja dinâmica é multifacetada. Seu PIB em poder de paridade de compra foi de 304,3 bilhões de dólares em 1980, e chegou a nada menos do que 27,3 trilhões em 2019, enquanto seu PIB per capita (PPP) saiu de 310 dólares para 19,5 mil, no mesmo período. Em paralelo e impulsionado pelo acelerado crescimento econômico, a China experimentou a maior urbanização que se tem notícia. O país tinha 189,9 milhões de cidadãos urbanos em 1978, chegando a 842,9 milhões em 2019, passando sua taxa de urbanização de 19,3% para 60,3%. Em termos quantitativos, implica dizer que a China urbanizou 653 milhões de habitantes em 4 décadas – ou o contingente de quase 3 vezes a população brasileira. Esse feito inédito na história ainda se deu sem a ocorrência de caóticos processos de favelização, como tem caracterizado o restante dos países periféricos.
A modernização econômica proporcionou grandes mudanças sociais. O IDH da China passou de 0,410 em 1978 para 0,761 pontos em 2020, o que indica grandes avanços em saúde, renda e escolaridade. Deve-se sublinhar que se trata do único país que mudou de categoria de baixo desenvolvimento humano para a categoria de alto desenvolvimento humano desde o início das análises do PNUD em 19901.
Essa mobilidade socioeconômica não tem ocorrido sem contradições. A rápida retirada da população da pobreza implicou no aumento das desigualdades sociais, fruto dos contrastes entre o nível de produtividade agrícola e a industrial e da heterogeneidade setorial do mercado de trabalho urbano, relacionada à segmentação entre o trabalhador com registro urbano e o migrante sem registro. O resultado foi o Índice de Gini passar de 0,30 na década de 1980 para 0,491 em 2008. Contudo, o aprofundamento do desenvolvimento chinês e a ampliação de políticas sociais têm feito a desigualdade declinar, de modo que o indicador já está em 0,465 em 2019. Aqui, cabe lembrar que a trajetória chinesa não difere de outras experienciadas pelo mundo desenvolvido, posto que os períodos de arrancada industrial combinaram contradições diversas, incluindo crescimento das desigualdades, seguidas por políticas de extensão de direitos, paralelo à construção institucional.
Em suma, a China tem muitos desafios pela frente, mas é inegável que a grandiosidade da transformação em curso não corresponde à repercussão do acontecimento. Ora, a explicação para tal feito, mais uma vez invisibilizado no Ocidente, decorre da combinação entre desenvolvimento acelerado e uma notável capacidade de planejamento sob direção do PCCh. Ou seja, o país responsável por isto se reivindica socialista e representa o principal desafio à primazia mundial dos EUA.
Fonte: Outras Palavras
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