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Por estes dias de angústia e revolta, estava conversando com um bom amigo e dele ouvi um palpite que me encheu o coração como uma forte profecia: a humanidade está às vésperas de uma revolucionária onda de alegria. É muito provável que estejamos mesmo na iminência de uma dessas viradas históricas que a vida constrói depois de vencer ciclos de morte e violência.
Sem compromisso com a datação, penso na Belle Époque, no Renascimento, na explosão de progresso técnico do pós-Segunda Guerra Mundial, na insurgência juvenil contra o autoritarismo e a guerra na França e na América do Norte. Impossível não citar Caetano Veloso, que foi perseguido por anunciar “Alegria, Alegria” no confronto aos ditados cruéis e covardes da ditadura brasileira.
Em cada momento dessa fuga para o futuro me sinto cobrado pelo meu realismo experiente e pelo meu luto. Como profetizar uma explosão de alegria em meio a tantos cadáveres, muitos deles com rostos familiares, outros tantos que só morreram porque falhamos na política e deixamos um genocida tomar o poder pela mão de uma gente tão amada quanto o povo brasileiro. Mas vou insistir. Preciso insistir. Não é só a crença supersticiosa do ditado popular que diz que depois da tempestade vem a bonança. Não, é muito mais.
Não será unânime, nem se distribuirá no tempo e entre as nações do mundo de forma homogênea ou simultânea. A necropolítica tem militantes, tem quem lucre com ela. Mas eles existiam na Idade Média e na execrável Inquisição, mas a peste negra cuidou de desmoralizar a superstição, valorizar a ciência e inaugurar um generoso período de progresso.
Podermos voltar a confraternizar sem medo ou remorso no bar, na praia, nas praças, nos templos ou comícios, depois de quase dois anos de restrição nos fará voltar a dar valor ao que temos. E o que tem valor é a comunhão de nossas almas e cérebros para construir uma nova ordem, na qual a enfermeira e o profissional de saúde terão mais valor, sem desmerecimento de ninguém, do que um astro do futebol ou um cantor sertanejo.
Podermos de novo viajar mundo afora, real ou virtualmente, nos fará ver que o que estava posto antes da Covid-19, em matéria de organização dos Estados nacionais e suas relações com a economia, era ideologia de quinta categoria que nos venderam como ciência boa, aproveitando-se de nossa vulnerabilidade ao consumismo materialista e destruidor da sanidade de nosso planeta, esta bolinha azul tão frágil e delicada.
A lembrança de que cientistas do mundo inteiro, de países os mais diversos, de ideologias as mais díspares, se entregaram ao esforço de salvar vidas e o fizeram num espaço de tempo recorde, a tempo suficiente para imunizar toda a humanidade no lapso de pouco mais de um ano será lição preciosa para que a nossa juventude faça uma aposta nos estudos, na ciência, na tecnologia. E o espaço do obscurantismo, da superstição, da manipulação cretina de nossa fé na transcendência da alma humana e no divino será muito diminuído.
As sequelas econômicas de nosso esforço por salvar vidas imporão aos tomadores de decisão que se libertem de quatro décadas de prostração a uma ideia única, promessa falsa de uma eficiência jamais entregue, mas que nos deixou tão frágeis e vulneráveis ao vírus e aos milhões de mortes e generalizada debacle econômica. A política voltará a ter significância porque só ela é capaz de despertar uma imaginação institucional rebelde que substitua a superstição ideológica interesseira por racionalidade, inteligência, pluralismo de ideias, uma resposta à altura ao colapso em que vivemos.
Você pode dizer que sou um sonhador, mas eu não sou o único, diz John Lennon. Não sendo poeta, eu lhes digo, a revolução começou: na Nova Zelândia, os primeiros shows em estádios voltaram a acontecer e a juventude veio em massa anunciar o novo tempo. Em Londres, um governo conservador anuncia a criação de um banco público para financiar a infraestrutura. Nos EUA, Joe Biden anuncia valores inéditos para educação, energia limpa, tecnologia, infraestrutura, o bem-estar, enfim. E diz que os dinheiros para pagar a conta virão dos ricos. Ora, que obviedade que a pandemia, final, a custo amargo, nos fez ver.
No Brasil, bem, no Brasil vai ser assim também, mas com muito atraso e muita contradição. Entre nós, a vacinação que deflagra a onda de alegria e renascença está muito lenta. Mas também por aqui aquilo que sempre foi a antena do pensamento progressista está envelhecido, sem ideias, tomado de sentimento de vingança ou de uma gratidão a um passado que, como diz Belchior, é uma roupa que não nos serve mais. Mas a onda de alegria que vem por aí será tão arrebatadora e comovente que a todos (menos ao quase meio milhão de mortos que choraremos para sempre) arrastará. Saiam da frente velhacos, bruxos, charlatães, ególatras.
Por Ciro Gomes, ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Ceará, ex-deputado, ex-ministro da Fazenda e da Integração Nacional, presidenciável do Partido Democrático Trabalhista (PDT)
Fonte: Carta Capital
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