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Compra de fuzis para guardas civis – Reportagem assinada pelo jornalista Herculano Barreto Filho em UOL informa que a flexibilização feita pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido) para o uso de armas de fogo abriu uma brecha para que as guardas municipais passassem a adquirir armamento de grosso calibre.
Além da Prefeitura de São Paulo, que na semana passada anunciou a liberação de R$ 400 mil para a compra de 20 fuzis e 10 carabinas destinados à Guarda Civil Metropolitana, pelo menos outras três cidades do interior adquiriram esse tipo de armamento neste ano em outros estados, alegando apoio às forças policiais no combate ao crime organizado.
Especialistas em Segurança Pública ouvidos pelo UOL veem uma tendência de fortalecimento à indústria de armas estimulada pelo governo federal e questionam a eficácia da aquisição de armas de grosso calibre por entidades que priorizam a vigilância do patrimônio público e a mediação de conflitos.
Por lei, as guardas municipais têm a função prioritária de fazer a proteção municipal preventiva. E, ainda que tenham permissão para uso de armas de fogo, possuem como foco a “preservação da vida”, de acordo com a Constituição —a função do combate à criminalidade é prioridade da Polícia Militar.
Contudo, o decreto nº 10.630 de 12 de fevereiro deste ano assinado por Bolsonaro flexibilizou a permissão de aquisição a calibres antes restritos a instituições de segurança pública, incluindo esses servidores públicos.
Em março, o STF (Supremo Tribunal Federal) garantiu o porte para todos os guardas do país após suspensão de artigos do Estatuto do Desarmamento, que limitava a permissão para agentes em municípios com mais de 500 mil habitantes.
Com isso, o Exército ficou encarregado de estabelecer a listagem dos calibres estabelecidos por lei, abrindo brecha para a aquisição de fuzis, como acabou ocorrendo em ao menos três cidades: Caxias do Sul (RS), Arapongas (PR) e São José dos Pinhais (PR), sob a alegação de fortalecimento da “força policial”.
As armas, contudo, ainda não estão sendo usadas, já que os profissionais habilitados para usá-las, que integram unidades especiais, precisam passar por um curso de qualificação.
Procurada pela reportagem, a Taurus, responsável pela venda dos fuzis T4 calibre 5.56 para esses três municípios, disse que não iria fornecer detalhes sobre a venda desses equipamentos por serem “informações estratégicas”.
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‘E se um guarda atirar com fuzil na Cracolândia?’, questiona especialista
Pesquisador e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o advogado Ivan Marques diz ver relação entre o estímulo à indústria armamentista e o incentivo ao uso de armas no governo Bolsonaro.
“A Taurus tem nos governos o seu melhor mercado em um momento em que o Brasil está propenso a se armar, graças aos estímulos do governo federal. Isso é um prato cheio para a indústria vender”, analisa.
O especialista entende que há uma tendência equivocada de transformar as guardas municipais em órgãos operacionais.
“A Guarda faz um trabalho de segurança preventivo, ordenamento urbano, fiscalização e de mediação de conflitos. O enfrentamento ao crime não faz parte da natureza do trabalho desse trabalho” – Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Marques também contesta a necessidade de guardas municipais usarem fuzis.
“É uma jogada de marketing, para que as prefeituras possam dizer que estão dando mais condições de trabalho para a Guarda Municipal. Não há justificativa técnica para a compra de fuzil. Simplesmente não faz parte do trabalho das guardas entrar em confronto com criminosos com esse tipo de arma na mão”, critica. “Há um fetiche por esse tipo de armamento, que causa a falsa sensação de gerar mais segurança. Imagina se um guarda atirar com fuzil no meio da Cracolândia lotada?”.
Especialista em Segurança Pública e professor de Ciências Sociais da PUC-MG, Luis Flávio Sapori diz acreditar que a aquisição de fuzis pelas guardas municipais do país pode ser nociva até mesmo para o enfrentamento ao crime.
“É um retrocesso na consolidação das guardas municipais do Brasil, que têm vocação institucional para a garantia da ordem pública. Não é tarefa dessa instituição a repressão da criminalidade e do tráfico de drogas. Essa é uma atribuição da Polícia Militar. Estamos trilhando um caminho equivocado, que pode se tornar referência nacional” – Luis Flávio Sapori, especialista em Segurança Pública.
“É mais um exemplo de desperdício de dinheiro público em Segurança. Esse tipo de equipamento, se mal utilizado, ainda pode trazer consequências desastrosas, porque requer muito treinamento e preparo. A função da Guarda não é essa”, critica Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em Administração Pública e especialista em Segurança.
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Prefeito gaúcho teve encontro com Bolsonaro
]No dia 10 de fevereiro —dois dias antes da assinatura do decreto de Bolsonaro de flexibilização às armas— Adiló Didomenico (PSDB), prefeito de Caxias do Sul (RS), município da Serra gaúcha com cerca de 550 mil habitantes e localizada a 130km de Porto Alegre, participou de um encontro com o presidente em Brasília.
No dia 31 de março, a cidade gaúcha se tornou a primeira do país a equipar a Guarda Municipal com dois fuzis T4 calibre 5.56 semiautomático fabricado pela Taurus por cerca de R$ 25 mil. A quantidade de munição adquirida foi mantida sob sigilo, por questões de segurança.
Questionada pelo UOL, a prefeitura de Caxias do Sul (RS) negou uma possível relação entre a visita a Bolsonaro e a aquisição do armamento, ainda sem uso. Segundo a administração municipal, Bolsonaro foi convidado na ocasião para participar de dois eventos no município, posteriormente cancelados por causa da pandemia.
“Os fuzis foram comprados pela administração passada e entregues neste ano”, explicou. “O prefeito informa que ainda estuda qual destino será dado ao equipamento. Uma das possibilidades é doar para outra força de segurança”, completou.
Cidade bolsonarista e guarda como ‘força policial’
No dia 25 de junho, Arapongas (PR), município com apenas 125 mil moradores no interior do Paraná, comprou dois fuzis e duas mil munições em um investimento de R$ 40 mil para armamento destinado exclusivamente ao grupamento tático, segundo informou a prefeitura.
Às vésperas das eleições presidenciais de 2018, Sérgio Onofre (PSC), prefeito do município, participou da entrega de um manifesto de apoio de prefeitos à candidatura de Bolsonaro. Com 83,4% dos votos válidos no pleito, Arapongas (PR) teve o 3º maior percentual no estado de votos ao presidente eleito.
“Pela Constituição, a Guarda é feita para cuidar de bens e patrimônios públicos. Porém, nos tornamos uma força policial nos últimos anos para combater o crime organizado. Temos uma equipe voltada ao apoio às polícias Civil e Militar. Por isso, a compra desse equipamento se faz necessária” – Giulliano Castro da Silva, superintendente da Guarda Municipal em Arapongas
A Guarda Municipal de Arapongas (PR) também pretende trocar cerca de cem armas, entre pistolas e revólveres, adquiridos entre 2012 e 2017.
No começo de julho, São José dos Pinhais (PR), município de 330 mil habitantes na região metropolitana de Curitiba, adquiriu seis fuzis por R$ 70 mil. Renan Alves, comandante da Guarda Municipal, disse que a instituição se envolveu em quatro confrontos armados nos últimos 12 meses, deixando seis suspeitos mortos.
“Temos problemas de segurança pública, com quadrilhas que usam armas longas. Os agentes precisam ter armas desse tipo, para que possam se defender e defender a população.”
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