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Esquerda pode chegar ao poder na Colômbia pela 1ª vez na história – Fazem 74 anos que a Colômbia vive em um período de intensa violência política. Onde o estopim foi o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán em 1948. Da fundação da República até os anos 50 do século passado, o país vivia em um regime político bipartidário onde a disputa da hegemonia política se dava entre entre o Partido Conservador e o Partido Liberal, um enredo muito bem representado no famoso livro Cien años de soledad de Gabriel García Marquez. Essa violência política que começou com uma disputa hegemônica entre oligarquias acabou arrastando movimentos da esquerda radical pro conflito, dando um carácter de insurgência comunista para ele e desde então, as oligarquias conservadoras e liberais se aliaram e militarizaram o país em um processo que culminou na guerra civil que se trava até hoje em torno de milícias comunistas, traficantes de droga e milícias paramilitares.
O tema da guerra sempre dominou as eleições colombianas, sendo permanentemente instrumentalizado pela Direita para que partidos da Esquerda democrática fossem associados ao radicalismo e de que eles fossem braços legais das organizações insurgentes. Consequentemente, isso legitimou uma instrumentalização das forças militares por forças políticas de direita, criando grupos paramilitares que junto com as forças regulares estabeleceram um ambiente de caos permanente nas zonas de conflito. Esse caos, por consequência, sempre foi tema prioritário permanente nas eleições colombianas, ofuscando outros como emprego e renda, direitos indígenas e das mulheres, previdência e serviços do Estado.
Esse cenário vem mudando ultimamente dado o recente esforço político da sociedade colombiana em buscar a paz e em conjunto com negociações com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O processo de paz é um processo inédito de tratar o problema da guerra que é fruto de anos de frustração com as medidas revanchistas dos governos de direita. Nos 70 anos de violência política, a direita utilizou da guerra para fortalecer um Estado constantemente beligerante e que precisava constantemente reafirmar agressões aos insurgentes colombianos. Esse clima de polarização violenta levou muitos dos que tinham ideais de esquerda a, ao invés de procurar a democracia para levar a cabo um projeto político, procurar a luta armada. Apesar do clima de combate necessário, a pressão internacional e uma parte da sociedade sempre clamaram por um cessar-fogo definitivo até que em 2016 mesmo com a rejeição do plebiscito as FARC decidiram cumprir a sua parte do acordo em desmilitarizar-se e cessar o conflito pelo seu lado. Desde então, a Paz divide opiniões dos colombianos, com 50,2% rejeitando a paz e 49,8% aprovando. Nominalmente, pode-se dizer que ele foi rejeitado, mas dada a importância política da necessidade da Paz, ele fez com que a paz avançasse e hoje as FARC se legalizaram dentro de um partido político da Colômbia, participam da eleição e conseguiram nas últimas eleições cinco cadeiras de Deputados e cinco de Senadores.
Petro iniciou sua carreira política nesse cenário de guerra. Sua vida política se iniciou na militância do Movimento 19 de Abril, uma guerrilha que buscava uma real democratização do país alegando fraude da eleição de 1970 que daria vitória à Gustavo Rojas Pinilla. Atuou nessa guerrilha de forma encoberta até 1984 quando na condição de “Conselheiro” (o equivalente à vereança brasileira) anunciou em praça pública que participava do movimento. Esse anúncio foi a mudança da vida de Petro para a clandestinidade, principalmente depois que as ações militares do M-19 se intensificaram. Seu principal esconderijo era o “Barrio 83”, um bairro que Petro ajudou a fundar em Zipariquá, cidade à 25km da capital Bogotá, um bairro que reuniu todos os desplazados, as famílias de refugiados da guerra do interior do país, que chegavam na cidade sem casa, trabalho ou família que os acolhesse. Em outubro de 1985 Petro é encontrado e preso até o ano de 1987 quando é liberado e anistiado. Em 1991 ajudou na Constituinte desse ano através da novíssima frente parlamentar do M-19. Em seguida, já como Senador, denunciou reiteradas vezes o ex-presidente Álvaro Uribe, líder político e ideológico da extrema direita no país até hoje, frente às suas relações com a principal milícia paramilitar colombiana Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). Em 2012 se elegeu prefeito de Bogotá levando a cabo um vasto programa de assistência social à cidade, reduzindo tarifas de ônibus, criando programas sociais de recuperação da população de rua. Apesar disso, enfrentou uma forte resistência política da Câmara Municipal, tendo tido processos de destituição abertos e interpelados por comissões superiores de decisão. Em 2018 foi o candidato que enfrentou Ivan Duque Márquez, o candidato aliado de Álvaro Uribe no segundo turno.
Atualmente, Petro é o principal nome da esquerda democrática no país, sendo um forte militante da paz através de acordos de mútuo entendimento e anistia, mas também sempre trás o debate de mudança de paradigma econômico neoliberal que sempre acompanhou os governos da extrema-direita colombiana. A Colômbia hoje é um país de matriz produtiva agrária, com uma economia aberta internacionalmente de forma indiscriminada e que tem sua pauta de exportação baseada na produção primária, o que levou ao país a ter sua estrutura rural dominada pela concentração de terras em latifúndios. A plataforma econômica de Petro busca, dentro dos limites do ineditismo do acontecimento político que é sua chegada ao poder, reverter essas condições no país. De forma mais ampla, procura abandonar uma política fiscal e monetária contracionista que priorize o controle da inflação acima do controle dos níveis de emprego e renda, além de explicitamente assinalar o problema dos baixos níveis de indústria do país, sugerindo um programa de industrialização que proteja as indústrias nascentes. Além da tentativa de diminuir a dependência da produção agrária latifundiária, uma grande plataforma do seu programa é a realização da Reforma Agrária que realoque as maiores vítimas da Guerra Civil, os desplazados das zonas de guerra. Por último cabe ressaltar a inserção dessas pautas em uma campanha de produção ecológica, tanto no campo quanto na industrialização.
Segundo as principais pesquisas de primeiro turno, hoje a projeção é de um segundo turno, com Petro sendo o preferido do primeiro turno acumulando entre 35% e 40% dependendo da pesquisa. Enquanto isso, o segundo candidato favorito, Federico “Fico” Gutierrez, que por sua vez sequer tem relação explícita e direta com Álvaro Uribe, acumula entre 20% e 30%. Da mesma forma, as projeções de segundo turno entre Petro e Fico ainda apontam para uma vitória de Petro por 52,7% contra 44,2% de Fico. Isso significa que existem grandes chances da esquerda democrática e desenvolvimentista finalmente ganharem as eleições presidenciais na Colômbia e mudarem o futuro dessa nação que ainda sofre até hoje com subdesenvolvimento e ruptura institucional
Com informações de El País e El Espectador
Reportagem por Yan Vaz de Melo
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