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Esquerda deve empunhar a Bandeira Nacional – Breno Altman disse em tuíte que seria um “tiro no pé” se a esquerda portasse os símbolos nacionais nas manifestações do próximo dia 02/10 contra o governo colonial de Paulo Guedes e do mercado financeiro. Segundo o ideólogo petista ligado a José Dirceu, o erro estaria no embaralhamento das identidades, já que nas manifestações os bolsonaristas teriam se apropriado da camisa da Seleção Brasileira e da Bandeira Nacional, enquanto a esquerda teria construído sua imagem ao redor da cor vermelha.
Breno Altman não poderia estar mais errado.
O Imperialismo não é “mais uma opressão” em paralelo com as demais mazelas que flagelam os marginalizados. Ela é a contradição central que explica e estrutura não só tudo que há no Brasil, mas em todo o mundo. O Imperialismo é a forma acabada do capitalismo, manifestação do seu desenvolvimento no espaço e no tempo. É o meio pelo qual esse modo de produção por definição instável consegue um equilíbrio sempre precário e provisório, explorando a periferia mundial por meio do colonialismo direto, como o praticado pelos Estados Unidos em Porto Rico ou no Panamá, ou pelos meios indiretos do neocolonialismo, como as finanças mundiais, as transnacionais e a dependência tecnológica.
Foi o imperialismo que desestabilizou o Brasil lançando-nos em uma era de desordem e de caos para tomar nossas tecnologias e destruir nosso tecido industrial. As palhaçadas de Bolsonaro são mera espuma da superfície – e, no limite, distração – enquanto os fundos de investimento e as transnacionais tomam nossa cadeia de óleo e gás, arrebentam com nossa construção civil, desarticulam nossa indústria naval e tantos outros segmentos nos quais o Brasil é protagonista mundial. A destruição dos direitos trabalhistas, a superexploração no mercado informal, a guerra de irmão contra irmão na tragédia que é a segurança pública em nossas cidades são várias faces dessas desarticulação do país.
Mas esse problema central não aparece no debate público. A questão nacional foi sistematicamente apagada das discussões, substituída por um profundo individualismo. O debate político foi reduzido a uma egotrip em que cada um vive um falso épico de si mesmo se expondo nas redes sociais e acreditando veementemente que seu estilo de vida “pisando na cara da sociedade” é transgressor, sob os efusivos aplausos da Faria Lima e de Wall Street que abertamente patrocinam essa pseudo-rebelião.
O erro de Breno Altman não é isolado. Muito pelo contrário, é expressão de toda a ideologia petista e da esquerda dos anos 1980, que sistematicamente abandonou o nacionalismo e o partido leninista em favor de um horizontalismo individualista inspirado em uma versão idealizada do Maio de 1968 na França.
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Os materiais produzidos pelo PT “original” dos anos 1990 são cristalinamente claros dessa ideologia. A agenda da CUT sempre foi fortemente hostil à estrutura sindical da CLT, principalmente contra a unicidade e a contribuição sindical, esteios da organização da classe trabalhadora brasileira. A crítica do populismo era parte da teoria petista desde Francisco Weffort passando por Florestan Fernandes e criou-se no meio da esquerda uma atitude flagrantemente negativa em relação à história nacional. É a versão de esquerda do neoliberalismo triunfante dos anos 70 e 80, que rejeitaram o “entulho autoritário” do socialismo real e do terceiro mundismo.
Esse apagamento da questão nacional não é somente fruto de uma ideologia difundida no seio da militância, com forte apoio de ONGs como a Ford Foundation que sempre apoiou o CEBRAP, órgão de pesquisa abertamente contrário ao legado varguista. Também é parte de uma agenda política de um sectarismo consciente que visa isolar a esquerda na política nacional e colocar todas as organizações como vassalas do PT. O objetivo é claro: mais uma vez dançar à beira do abismo para garantir a hegemonia petista sobre o resto da esquerda.
A tática está sendo eficiente. Em trocas de migalhas em comunicação nas redes sociais, o PT foi capaz de submeter o PSOL e destruir uma das poucas vozes críticas ao neoliberalismo petista à esquerda. O PSOL segue o caminho trilhado pelo PCdoB, que quase deixou de existir como partido independente sob o peso do hegemonismo petista. O PDT junto de alguns outros partidos e organizações são as únicas vozes dissonantes criticando o PT à esquerda, denunciando o caráter neoliberal e entreguista dos governos de Lula e Meirelles.
Se não bastasse esse contexto e esse objetivo, há dois erros importantes no argumento de Breno Altman. Primeiro, diz o blogueiro petucano que nossa bandeira seria determinada pelas cores das famílias reais europeias.
Essa violência contra a história do Brasil está errada fatual e politicamente. Factualmente, porque nossa bandeira é muito mais fruto da luta dos positivistas contra a escravidão do que de nosso passado colonial. O lema “Ordem e Progresso” incorpora a influência dessa ideologia que, com seus limites, procurou moldar a consciência coletiva de que nossas mazelas, inclusive a escravidão, eram fruto de nossa inserção subordinada na economia mundial. Não à toa a briga de Teixeira Mendes para que os direitos trabalhistas fossem esculpidos na constituição de 1891, luta que, caso vitoriosa, teria feito do Brasil o primeiro país a fazê-lo, a frente do México. As cores foram preservadas porque os positivistas eram minoria no processo da proclamação da República e da Abolição – diríamos, hoje, radicais de fato e não retoricamente. Mas além disso, foi o modo pela qual a história encontrou para preservar o legado de José Bonifácio e de D. Pedro I, que mantiveram a unidade do território nacional, esteio de nossa luta anti-imperialista. Para ver a importância dessa unidade, basta ler historiadores latino americanos como Túlio Halperin Donghi e a “inveja” que eles têm do Brasil ter sido capaz de manter todo seu território ao longo do processo de independência.
Politicamente, desconsidera que a bandeira do Brasil se tornou símbolo nas mãos da organizações da esquerda armada como o MR-8, a ALN (que reivindicava também a figura de Tiradentes e dos Inconfidentes) e diversos outros partidos e coletivos anti-imperialistas ao longo da história brasileira. E essas organizações estavam certas nesse aspecto: ao reclamar para si o pavilhão nacional, mostravam a universalidade de seus objetivos e como sua luta estava profundamente imbricada com as questões cotidianas de todos os brasileiros. Em hipótese alguma foi símbolo “exclusivo” do imperialismo. Muito pelo contrário: foi empunhada por todos os próceres da luta pela Libertação Nacional, sobretudo Vargas e Brizola.
Mas o segundo erro de Breno Altman é o mais grave. O influencer diz que portar os símbolos nacionais levaria a uma confusão de identidades que atrapalharia a mobilização. Seriam confundidas as identidades de esquerda e de direita.
O que de verdade atrapalha a mobilização é o completo esquerdismo que esse suposto radicalismo retórico carrega. É buscar apostar nesse isolacionismo cuja única razão de existir é assegurar a hegemonia petucana sob o minguante eleitorado de uma classe média esclarecida. Pior: apostar na fetichização de símbolos no lugar de efetiva organização – sempre vista como “entulho stalinista”.
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A consequência disso é uma esquerda descolada da realidade nacional. Descolada subjetivamente porque odeia a história do próprio país e só é capaz de cultuar outros processos emancipatórios, ignorando a si mesma – e isso é alienação em sentido estrito. Mas muito mais descolada objetivamente, porque é incapaz de compor com todas as frações da classe trabalhadora nesse imenso país heterogêneo, apostando numa base formada por uma fração da classe média e da classe trabalhadora cada vez mais estreita e focada somente nas grandes cidades sudestinas.
Todo esse discurso de Breno Altman é de uma hipocrisia gritante, porque enquanto o blogueiro diz que não devemos nos confundir com a direita, todo mercado financeiro sabe que Lula é seu candidato dos sonhos, porque garantiria a segurança jurídica das privatizações e os interesses da Faria Lima – afinal foram 13 anos de governo assim. Nem precisamos falar sobre Haddad ou Marcos Lisboa.
No entanto, o descolamento e a hipocrisia nem são o elemento mais crucial do erro de Altman e do petismo.
Álvaro Vieira Pinto disse que uma nação é um mais-ser: é um projeto coletivo que, ao se desejar, engendra seu próprio movimento. Não existe nação sem ser um sujeito coletivo que vai de um ponto ao outro; a nação é uma missão, construída objetiva e subjetivamente por todos.
Ao apagar a categoria de nação, Breno Altman apaga também a possibilidade de emergência desse sujeito coletivo. Não é à toa: todo o sentido da ideologia profundamente individualista da esquerda dos anos 80 caminha nesse sentido. No limite, tudo se liga a esse apagamento da história e da totalidade, a guerra contra as “meta-narrativas” dos pós-modernos. É um niilismo que nada tem de progressista.
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É a outra metade do bolsonarismo, fenômeno que pode ser resumido no aspecto subjetivo como uma humilhação de nossos símbolos nacionais. Quando Alexandre Magno conquistou Tiro, fez questão de sacrificar um touro em homenagem a Hércules no principal templo da cidade fenícia. Era o modo inequívoco de dizer que a orgulhosa Tiro, que não se curvara nem mesmo frente ao Xá da Pérsia, agora pertencia aos gregos.
O imperialismo que nos assalta deu projeção à figura execrável do velho da Havan, que busca em vão compensar seu flagrante anti-nacionalismo com patéticas roupas verde-amarelas. Essa personagem abominável é o símbolo sintético de todo anti-nacionalismo do bolsonarismo. Seu verdadeiro símbolo é cafonice das estátuas da liberdade na frente das suas lojas.
Breno Altman está errado. O verdadeiro tiro no pé que a esquerda poderia dar é entregar de bandeja nossos símbolos nacionais para esses traidores que odeiam o Brasil.
Se vamos retomar nossa nação das mãos dos traidores colonialistas, temos de retomar nossos símbolos. Temos de purificar o templo da Pátria dos ares empesteados de uma gente que odeia a própria carne. Temos de resgatar a noção de que o Brasil é nosso e que nossa Nação tem uma missão:
Libertar a si mesmo, toda a América Latina e o Terceiro Mundo do jugo do Imperialismo.
Por Arthur Silva, servidor público do Estado de São Paulo, graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/USP, Pesquisa Teoria da Dependência e História Brasileira.
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.
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