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Para Márcio França, base real de apoio de Bolsonaro é bem menor do que parece
Por Alessandra Kormann
A presença de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições do ano que vem não está garantida. É o que avalia o ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB), em entrevista exclusiva ao Brasil Independente. Segundo os seus cálculos, se algum candidato conseguir aglutinar os partidos de centro, vira um oponente do PT mais forte do que o presidente. “Se eu fosse o Lula, preferia disputar com Bolsonaro do que com Ciro.”
França diz que prefere que o PSB tenha candidatura própria para a Presidência, mas não descarta uma aliança com o PDT de Ciro Gomes ou o PT de Lula, dependendo da montagem dos palanques estaduais.
Além de confirmar que pretende disputar o governo de São Paulo, França revelou que gostaria de formar uma chapa com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), de quem foi vice por dois mandatos. E que deseja enfrentar o governador João Dória novamente no ano que vem. “Seria ótimo disputar de novo contra o Dória. Eu perdi a eleição por 1% em 2018, pelo que percebo tem bem mais de 1% que não votaria mais nele.”
Apesar de criticar a condução de Bolsonaro na crise sanitária, o ex-governador não atribui a ele toda a responsabilidade pela tragédia atual, com mais de 300 mil mortos no país. “É um terço pra cada um: presidente, governadores e prefeitos.”
Márcio França concedeu a entrevista por telefone, do litoral de São Paulo, onde está em isolamento social com a mulher, Lúcia França. No início da noite desta sexta-feira (26), uma pesquisa colocou França sob vantagem em em uma eventual disputa com João Doria na eleição para o governo do estado de São Paulo, em 2022.
Como o senhor avalia o cenário político para 2022 após Lula recuperar os direitos políticos (pelo menos no momento)? Ainda há espaço para uma candidatura de centro no plano nacional?
O Lula muito provavelmente tem uma vaga de segundo turno garantida. Se a gente supor que o Bolsonaro se mantenha no patamar [de aprovação] que ele tem hoje, fica realmente apertado para uma candidatura de centro. Mas, como tem a pandemia, toda essa situação econômica e as coisas que estão acontecendo, nós podemos pensar que cabe o espaço de uma candidatura de centro sim. Do público que votou em Bolsonaro, tem lá uns 10% que são dele de verdade, mas tem uns 20% ou 30% que votaram nele pra não votar no PT. Essas pessoas, se houver um nome minimamente viável, podem se animar com uma terceira opção mais ao centro, que teria a chance de poder, num segundo turno, ganhar com mais facilidade. Porque, caso você fique com a polarização básica dos dois, Lula e Bolsonaro, vai ser um voto contra alguém, não um voto no candidato. Eu diria que a entrada do Lula chacoalhou todo o roteiro.
Mas o senhor acredita que é mais provável ter um segundo turno desse candidato de centro contra Lula do que contra Bolsonaro?
Acho que se alguém tiver que ficar de fora, o Lula sendo candidato, quem pode ficar de fora é o Bolsonaro. Eu não sinto que esses 30 pontos que aparecem nas pesquisas são dele. Ele tem 10% ali consolidados, mas tem 20% que não são dele, que são contra o Lula, contra o PT. Esses podem eventualmente migrar. Se a economia continuar assim muito ruim, acaba sendo uma consequência. O eleitorado do PT é mais consolidado, principalmente no Norte e Nordeste. O problema do Lula está em São Paulo e no Sul do país. Pro primeiro turno, ele tem um patamar alto, mas depois no segundo turno depende muito de contra quem ele vai. Pra ele também é bom o Bolsonaro, e pro Bolsonaro ele é bom, um acaba se favorecendo do antagonismo com o outro. Mais ou menos como aconteceu aqui em São Paulo, quando a gente alertava que, se levassem o Boulos para o segundo turno, a tendência era ele perder.
Recentemente, em entrevista ao Estadão, o governador João Dória declarou que cogita disputar a reeleição. Guilherme Boulos é outro que pode desistir do projeto nacional, se o PSOL apoiar Lula, e disputar o governo. Nesse caso, o cenário em São Paulo ficaria ainda mais embolado. O senhor pretende disputar a eleição para o governo de todo jeito, independentemente de quem estará no páreo?
Disputar eu irei de todo jeito, porque estou sem mandato. Mas temos possibilidades diversas aqui, que dependem de muitas coisas. Eu tenho um relacionamento muito bom com o Alckmin, portanto a gente gostaria muito, e ele também, de estarmos numa única chapa. Vamos fazer todo o esforço para isso. Ele hoje está meio excluído das decisões do PSDB de São Paulo, na medida em que o Dória fala em ser candidato à reeleição, não porque ele quis, mas porque viu o cenário nacional se fechar pra ele. Ao mesmo tempo, o ex-prefeito de Campinas Jonas Donizette (PSB) também tem pretensões de disputar o governo do Estado, ou como vice, ou pro Senado, o que também é legítimo. Agora, como eu disputei as duas últimas eleições majoritárias, é natural que acabe tendo um recall maior. O meu nome acaba pipocando com mais facilidade. Se você testa hoje, na capital, região metropolitana e litoral, eu ganho praticamente em tudo. Daí o restante, o interior, é onde o Alckmin vai bem, onde eu perdi da outra vez. Seria ótimo disputar de novo contra o Dória. Eu perdi a eleição por 1% em 2018, pelo que percebo tem bem mais de 1% que não votaria mais nele.
Sabemos que o interior tem um voto um pouco mais conservador do que o da capital, tendo nas últimas duas décadas optado pelo PSDB. O senhor acha que esse cenário continua o mesmo com Dória, que teve o pior desempenho do PSDB no Estado das últimas eleições?
Eu acho que o desgaste do Dória é muito grande, acho que ele pode ficar fora do segundo turno aqui em São Paulo. Não é uma hipótese impossível, ele abusou do direito de desgaste. Mesmo com vacina, que é uma medida correta. O problema é que ele é muito “over”, todo dia tem anúncio, e ele como mestre de cerimônia, apresentando as pessoas. Acho que com os comerciantes e empresários, ele praticamente zerou o apoio, esse povo odeia ele. E com a população mais pobre ele tem mais dificuldade ainda, porque ele é um sujeito de um outro padrão social. O que houve aqui em São Paulo nesses três anos? Praticamente só o assunto da vacina. O resto foi aumento de imposto, ICMS aumentou praticamente em todas as áreas, em automóveis usados teve 213% de aumento. É inacreditável, no meio da pandemia, ele abaixou só um imposto, que é o de combustível de avião. E aumentou o de ônibus. O pessoal brinca que ele abaixou porque é o meio de transporte dele, porque ele só anda de avião e helicóptero.
O senhor falou da possibilidade de uma chapa com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Se o Dória disputar mesmo a reeleição, há chance de o Alckmin mudar para o PSB para disputar o governo em uma chapa com o senhor? Como estão as conversas?
Eu acho que o Alckmin está no caminho de perceber que o PSDB ficou muito limitado à engrenagem de São Paulo e do Rio Grande do Sul, nacionalmente falando. E ele é um homem que já disputou duas vezes a Presidência da República. Eu gostaria muito de ver uma pesquisa, até nós encomendamos, que colocasse o Alckmin na eleição nacional, pra sentir. Porque neste momento de crise de saúde, médico tem um raciocínio diferente. O Alckmin é meio previsível nas ações, mas ele falha pouco. Eu peguei com ele uma crise grave, que foi da água. Eu fiquei desesperado, e ele foi impressionantemente eficiente, usou os recursos na hora certa, todo mundo chiou, mas ele fez o certo, e nós passamos por aquela crise danada. Ele é bom de crise, bom pra enfrentar crise, porque é alguém mais experiente. Ele está estável no PSDB, é um dos fundadores, é claro que ele gostaria de ficar lá. Mas a verdade é que o PSDB de São Paulo foi tomado, o Dória controla. Eles falam muito em prévias, mas prévia é feita com filiados, e boa parte desses filiados está empregada em cargos públicos vinculados ao governo. Então é difícil o Alckmin, sem uma engrenagem na mão, competir com uma engrenagem. Se eu conheço bem o Dória, ele vai fazer o Rodrigo Garcia [vice-governador, hoje no DEM] migrar para o PSDB. Ou seja, mesmo que o Dória fosse candidato a presidente da República, o Alckmin teria que disputar a vaga contra um governador que está no PSDB candidato a reeleição. Qual a explicação para você tirar um candidato que já é governador e ele não ter direito à reeleição? Fica difícil o argumento.
E a possibilidade de Alckmin disputar o Senado pelo PSDB?
Eu acho que essa hipótese é impossível na cabeça dele. Ele poderia disputar o Senado, ou qualquer outra coisa, em um outro partido. Mas ele acha, na condição dele, pra quem já foi governador quatro vezes, candidato a presidente duas vezes, que deveria ter a preferência, digamos assim. Mas essa não é a lógica do Dória. Se fosse, Dória não teria ciscado com aquela hipótese de ser candidato a presidente quando ele largou a Prefeitura de São Paulo, o que atrapalhou tanto a campanha do Alckmin em 2018. Não é do estilo do Dória esse respeito à questão da fila, do tempo, é um outro conceito. Não estou nem valorando, mas é um outro conceito.
Se Lula realmente mantiver os direitos políticos até a eleição, ele deve ser o candidato do PT. Com isso, Fernando Haddad pode vir a disputar o governo de São Paulo. Como avalia essa possível candidatura? E uma possível candidatura de Guilherme Boulos, com o apoio do PT?
Haddad é um bom candidato, já disputou a eleição presidencial, é um nome respeitado. Tenho a impressão de que ele não gostaria muito de disputar essa eleição de governador. Mas é claro que é o nome mais forte que eles têm. O Boulos vai ser candidato a deputado. Esse eu não tenho dúvida de cravar. Porque, com o fator do Lula, eles sendo amigos, Boulos vai ajudar a salvar o partido dele. O PSOL não tem chance de passar a cláusula de barreira se o Boulos não for candidato. Ele podia talvez sair numa chapa pro Senado. Uma candidatura a governador do Boulos seria pouco provável, porque o interior de São Paulo é mais conservador ainda do que a capital. Pra efeito de interior, o Boulos só atrapalha o PT. O Boulos é um fenômeno metropolitano, da capital, dessa borda de São Paulo. O PT vai priorizar o Lula, tudo que tiver que abrir mão pra ter o Lula, eles vão fazer.
Em 2020, o PSB fez dobradinha com o PDT em oito capitais e venceu em quatro: Recife, Maceió, Fortaleza e Aracaju. E ficou em terceiro nos dois maiores colégios eleitorais do país: Rio de Janeiro e São Paulo, com a sua candidatura com Antonio Neto (PDT) na vice. Na sua opinião, há chance de essa aliança PSB-PDT se repetir em 2022, e o PSB apoiar a candidatura de Ciro Gomes?
Acho que tem, nós estivemos juntos na última eleição, foram parcerias bem-sucedidas no Brasil todo, ganhamos em alguns lugares, perdemos em outros. Temos afinidades. O problema é que todo partido também tem o sonho de ter um nome seu. Tem muito pouco partido pra se definir, os outros partidos estão praticamente definidos, o Centrão está indo com o Bolsonaro, você tem aí o PSDB, nós do PSB e o PSD do Kassab. Ainda está faltando um arranjo partidário pro Ciro, pra não acontecer o isolamento, que é ruim. Ou nós, ou PSD, ou o PSDB, que pode se aproximar do Ciro. Esse jogo é complicado porque as eleições de governador ocorrem de forma concomitante. Existe a pressão dos candidatos a governador e dos candidatos à reeleição para que seus partidos não se amarrem nacionalmente, porque senão é obrigado a amarrar estadualmente também. Para que nós pudéssemos estar com o Ciro, eu não posso estar com outro partido em São Paulo que não esteja na base da coligação nacional. Como tem eleição de deputado junto, os deputados às vezes não querem determinada aliança, porque num Estado X o candidato a presidente é forte, mas o candidato a governador é muito fraco, por exemplo. O Ciro tem boas relações com o ACM Neto do DEM, com o Alexandre Kalil [prefeito de Belo Horizonte, do PSD], com o Kassab. Se o Ciro consolida um espaço de centro, aí ele entra perigoso pro jogo. Se eu fosse o Lula, preferia disputar com o Bolsonaro do que com Ciro.
O PSB divulgou recentemente que poderia ter candidato próprio para a Presidência. Se optar por esse caminho, é mais provável lançar um quadro do partido, como o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, ou tentar atrair um nome de fora, como o apresentador Luciano Huck?
Acho ótimo se houver essa possibilidade. Tem a Luiza Trajano também. Candidatura própria é sempre melhor, se tiver alguém legítimo. Mas não dá pra especular com nomes que sequer são da política. Luciano não é filiado a nenhum partido, todo mundo gostaria de ter o Luciano como candidato, mas ele tem proposta de fazer o domingo no horário do Faustão. Tanto o caso dele, como o da Luiza, é mais difícil. Acho melhor uma alternativa que viesse da política. O governador do Espírito Santo é um nome superexperiente, mas ele tem uma reeleição. Então renunciar para não disputar a reeleição é difícil, o normal é a pessoa sair candidato a reeleição.
E se não tiver candidatura própria, é mais provável o PSB apoiar Ciro, Lula ou ficar neutro, como foi em 2018? Avalia que foi a melhor decisão na ocasião?
Produzir análises depois que já aconteceu é mais difícil. Na época nós tínhamos o Joaquim Barbosa, filiado ao partido, era um nome que poderia ser superimportante pra mim. Eu fui candidato a governador, deixei de ganhar a eleição por 1%. Não adianta ser campeão moral, você tem que ganhar. Qualquer outra coisa pra mim teria sido melhor, mas tem que compreender as circunstâncias. Com as circunstâncias de agora, é impossível cravar uma das opções porque certamente elas vão estar muito vinculadas às decisões que esses quadros tomarem. Por exemplo, o PT ou o Ciro vão ter candidato nos Estados que forem prioritários para o PSB? Nós temos cinco ou seis Estados em que sempre temos candidatos fortes para o governo. Se o PT achar que a prioridade é o Lula, ele pode não ter candidato ali e apoiar o nosso, e isso vira um trunfo importante pra eles. Para o Ciro, é possível também fazer essa mesma análise? Mas, até o final, nós vamos lutar pra encontrar um nome próprio. Essas coisas às vezes são imprevisíveis, como aconteceu com o Mandetta. Ele foi deputado vários anos e ninguém nem lembrava do Mandetta. Aí teve uma passagem importante no Ministério da Saúde e passou a ser uma referência, todo mundo coloca ele na engenharia. Esses dias vi uma montagem de chapa que alguém sugeriu que era a “chapa da ciência”, Alckmin com Mandettta. Os dois são médicos. Claro que ambos teriam que estar em outros partidos. Mas se você monta uma coisa dessas, e ela é suficiente para agregar quatro ou cinco partidos que estão soltos, você põe de pé um ovo aí. E o que alimenta isso são pesquisas. Se a pesquisa colocar qualquer um na faixa de dez pontos, já passa a ser um nome viável.
O senhor é um adversário ferrenho do governador João Dória. Como avalia a condução dele no combate à pandemia?
Ela não é 100% desastrosa porque tem a briga pela vacina, que foi importante. Mas é 99% desastrosa, se você lembrar que ele foi fazer visita à China em janeiro de 2020, levou um monte de empresários. Um sujeito que se prepara e quer ser governador de São Paulo e presidente da República tem que antever fatos. Não é possível que lá em Xangai ele não tenha visto as pessoas de máscara na rua. Era óbvio que, se estava acontecendo na China, ia acontecer na Europa e depois no Brasil. Então não tinha que fazer Carnaval, não tinha que fazer visitas na China, tinha que fechar Cumbica, tinha que fazer lockdown duro no começo, tudo que ele não fez. Ele continuou praticamente governando igual até julho, agosto. Aí ele começou esse bate-boca com o Bolsonaro imaginando que, agarrado à vacina, igual ele se agarrou ao Bolsonaro antes no BolsoDória, seria suficiente para o propósito eleitoral dele, pra rivalizar com o Bolsonaro. Aí ele criou uma ira interna, porque São Paulo é um Estado que está acostumado a liderar, não a ser liderado. E hoje nós estamos no rabo dos números ruins do Brasil, São Paulo tem os piores números do país. Ninguém sente segurança no que ele faz, mesmo quando ele fala “fase vermelha, azul, amarela”, e também não seguem o que ele fala. Qual o sentido de fazer aumento de impostos no meio da pandemia? Parece que você não está acreditando no que está acontecendo. Qual o sentido de diminuir número de ônibus e metrô no meio da pandemia? Aumentar R$ 80 milhões de publicidade durante a pandemia? Ele fez uma aposta: “Eu vou ser o Mr. Vacina”. Eu acho que no início ele pensou em produzir só pra São Paulo. Ai talvez tivesse dado um efeito, mas tem que lembrar que, pra quem é candidato a presidente, isso também não repercute bem porque os outros Estados ficam chateados.
O que o futuro governador de São Paulo pode fazer para recuperar a economia no Estado no pós-pandemia?
Vai depender muito em que patamar vamos estar em 2023. O principal, eu tenho sugerido para todo mundo, é a possibilidade de fazer antecipação de receitas orçamentárias. Seria a oferta de venda antecipada de arrecadação futura. Para os prefeitos seria possível antecipar as receitas até de 2024, nos anos do mandato deles. No caso de governadores, não tem muito tempo pra fazer isso, mas o próximo pode fazer pra valer. Por exemplo, se você tem um carro e paga todo ano R$ 3.000 de IPVA, se eu te oferecer os próximos anos por R$ 2.200, R$ 2.000, se você tiver o dinheiro pode pagar antes, acaba sendo melhor do que deixar o dinheiro aplicado. É claro que lá na frente vai faltar, mas até lá a economia, quando voltar, vai voltar muito forte, porque as pessoas estão há muito tempo paradas. Então seria uma solução para, com dinheiro novo, empreender coisas novas. No nosso caso, a gente precisaria criar emprego e renda, porque vai ter uma multidão de gente desempregada. Um buffet que fechou não consegue ficar dois anos sem abrir, vai vender as coisas que sobraram e depois, quando a economia começar a abrir, ele não começa de novo, já desanimou. Então vamos precisar produzir empregos rápidos e qualificação, porque existem empregos, mas para outras tarefas. Essa questão agora da educação à distância, que estamos aprendendo a lidar. Quando fui governador, entre abril e dezembro a gente fez a Univesp (Universidade Virtual de São Paulo) sair de 3.000 alunos para 55.000. Se Dória não tivesse estancado isso, nós poderíamos estar hoje com 200 mil alunos à distância. E com isso teríamos que ter mais profissionais para lidar com esse ensino à distância. Na rede pública não tem praticamente nada. O pouco que existe é frágil. Não tem computador pra todo mundo. Nós temos que derivar nossa força de mão de obra para isso. Dória está no caminho totalmente torto. Ele propõe carro elétrico. Como você pode propor carro elétrico em um Estado que é o maior produtor de álcool do mundo? Pode ser bom para outros lugares, mas pra cá, que depende da venda do álcool, significa dizer “encerrem as suas atividades de cana de açúcar”.
O que está achando da gestão do Bruno Covas (PSDB)? Se tivesse sido eleito, o que o senhor estaria fazendo neste momento para enfrentar a pandemia em São Paulo?
Ele tem que priorizar a saúde dele, claro, e isso é compreensível, todo mundo sabia que isso ia acontecer. Em relação à pandemia, a primeira coisa seria transporte público abundante, com horários alternados para aberturas de comércios. Ao contrário do que eles estão fazendo, reduzindo as frotas. E talvez contratar todo mundo que está ocioso, taxista, aplicativo, perueiro, para rodarem no município e as pessoas poderem ter menos contato, porque boa parte da contaminação acontece no transporte público. É exatamente o oposto do que Bruno fez. Ele está uma situação muito delicada porque tem que conviver com o Dória, é difícil, né? O Dória critica ele em público, como fez agora recentemente. Trata como se fosse subsecretário do governo do Estado. E como eles são do mesmo partido, Bruno também não pode descer a lenha e brigar em definitivo.
Em 2020, o senhor foi muito criticado por eleitores mais à esquerda por ter se encontrado com Bolsonaro (fato que foi explorado pela campanha de Guilherme Boulos). Arrepende-se daquele encontro em São Vicente? Hoje, qual a sua avaliação da campanha do ano passado? O que faltou para chegar ao segundo turno?
Não, não me arrependo. Acho que as causas que que me levaram a fazer o encontro [pedir ajuda para as vítimas da explosão no Líbano], sinceramente, se eu tivesse hoje a chance de falar com o Bolsonaro pra dar uma ideia ou uma ajuda que pudesse melhorar o Brasil, não teria sentido não ir. Assim como com Dória, a todo instante eu sempre me coloquei à disposição dele, do prefeito da minha cidade de origem, São Vicente, que era meu concorrente também. Eu acho que as nossas diferenças partidárias, ideológicas, não devem ser estendidas por quatro anos. Se eu tenho uma solução, porque eu não vou propor? Cada um que julgue, mas eu acho que o resultado da eleição do ano passado não teve muito a ver com isso. Tinha o fator de eu não ter uma vida cotidiana na cidade, isso era real, não passei a minha vida aí em São Paulo. Segundo que houve um alinhamento ali de parte do PT, quando escolheram o Jilmar Tatto como candidato, aliado à máquina de comunicação do governo do Estado do Dória, de insuflar a candidatura do Boulos. E eles não estão errados, não posso esperar que meus adversários me ajudem, eles têm que me atrapalhar. Eles fizeram a parte deles. Houve uma junção ali. O marqueteiro do Bruno foi o meu em 2018 [Felipe Soutello], ele não queria me enfrentar, queria enfrentar o Boulos. E no caso do PT, eles não foram corretos com uma pessoa que foi correta a vida inteira com eles, o Tatto. Eles sabiam que uma pessoa de esquerda, mas mais ao centro, era muito mais perigosa. Porque, se eu vou pro segundo turno, provavelmente ganharia a Prefeitura de São Paulo. E, se eu ganhasse, passaria a ser também um nome nacional, perigoso pro próprio PT. É a vida.
Como o senhor vê hoje a atuação do presidente no combate à pandemia, agora que o Brasil ultrapassou os 300 mil mortos?
Confusa, sem preparo, tudo meio intuitivo. Bolsonaro continua sendo franco. Eu disse que ele era autêntico, todo mundo criticou, mas no sentido de que o que ele fala é o que ele acredita. Mas o que ele acredita não necessariamente é o certo. Tanto não é o certo que eu perdi a eleição em 2018 por não falar que votava no Bolsonaro. Houve muita pressão pra eu declarar voto nele, pra quebrar aquela história de que eu era ligado ao Lula, da esquerda. Eu me neguei, não falo o que não acredito. Eu convivi com ele muito tempo em Brasília, ele não mudou em nada. Ou seja, eu já sabia que seria assim, é claro que o Bolsonaro teria dificuldades. Tem uma frase que eu gosto: se você planta bananeira, não pode esperar que ela vai dar morango. Bananeira vai dar banana. Um sujeito com aquele gênio que ele teve a vida inteira não ia mudar agora sendo presidente. Então pra mim tudo que está acontecendo era previsível. Um avião não cai por um motivo só, têm que coincidir uma série de fatores. O que nós estamos passando é isso, é um alinhamento de coisas ruins, e ao mesmo tempo cheio de governadores percebendo a fragilidade dele e querendo sobreviver politicamente.
Esse alinhamento de coisas ruins é responsabilidade do Bolsonaro?
É dele, mas é de todos os outros também. Porque os governadores foram eleitos no mesmo instante.
Quanto por cento é responsabilidade de cada um?
Um terço pra cada um: presidente, governadores e prefeitos.
Agora com a mudança do ministro da Saúde, acredita que a situação pode melhorar com um médico, Marcelo Queiroga, à frente da pasta? Vê a possibilidade de superarmos a pandemia nos próximos meses?
Eu não sinto isso. Claro que, à medida que vai sendo feita a vacinação, diminuem os casos. O problema é que tem outras doenças concomitantes, tudo acumulando. E o mais grave é o psicológico, todo mundo desaminado, depressivo. Se se encontrasse alguém que unisse o Brasil, mesmo na desgraça conseguiria levantar as pessoas. A verdade é que essas brigas que ficam produzindo, de presidente, governador, prefeito, isso estressa todo mundo, cria grupos diferentes, dá a impressão de que eles são os únicos, mas você tem 15% pra cada lado e 70% que não estão em nenhum desses grupos.
De todos os candidatos que disputaram em 2018, quem teria sido o melhor líder para unir o Brasil neste momento de pandemia?
Sem dúvida o Alckmin. Ele era experiente, médico, não teria tido dificuldades de tomar decisões duras no começo. Ele é um cara meio previsível, é estudioso, então teria estudado a pandemia desde antes de ela chegar aqui. E pelo menos não estaria arrumando encrenca todo dia, não ia brigar com governadores e prefeitos.
O senhor foi eleito presidente da Fundação João Mangabeira, do PSB. Qual deve ser o seu papel por lá?
As fundações dos partidos políticos ajudam a difundir as formas de pensamento que a gente defende. Elas têm 30% dos recursos repassados pra garantir isso. No nosso caso, pretendo que a gente possa instruir os jovens com vocação, que se identificam com o que a gente pensa, num curso de graduação em administração pública gratuito, uma graduação nossa. Há muito tempo brigo por isso. O jovem de hoje não gosta de nenhum partido, detesta todos, e isso é muito ruim, já que esse pode ser o caminho de a pessoa entrar na vida pública. Depois que a gente ganha uma prefeitura, um governo, começa uma garimpagem para conseguir profissionais para cada área. Todo mundo quer ser assessor, mas muita gente não tem a qualificação técnica para algumas coisas, por exemplo, redigir um edital de licitação. Precisamos preparar essas pessoas, claro que com a nossa visão, como a defesa do SUS, da assistência social, das coisas que entendemos que são corretas para um Estado, que tenha servidores públicos qualificados e eficientes. A fundação ajuda a arar essa terra.
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