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Família de Moïse denuncia PM – Folha – A família do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, espancado e morto aos 24 anos em um quiosque no Rio de Janeiro, diz que se sentiu intimidada pela atitude de dois policiais militares que compareceram ao estabelecimento três vezes desde o crime.
Segundo os parentes, a primeira vez foi na própria noite das agressões, em 24 de janeiro. A dupla teria sido filmada no local depois que o Samu chegou —os recortes do vídeo das agressões que foram divulgados à imprensa pela Polícia Civil não mostram esse momento.
Com base nas imagens, a Polícia Civil prendeu três homens pelo homicídio nesta terça (1º): Fábio Pirineus da Silva, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca e Brendon Alexander Luz da Silva. Os dois últimos trabalhavam num quiosque vizinho e numa barraca de praia que pertencem ao cabo da PM Alauir de Mattos Faria, segundo as investigações.
A segunda vez em que os policiais apareceram foi no dia seguinte à morte, uma terça-feira, quando parentes e amigos de Moïse foram até a Barra da Tijuca (zona oeste) tentar entender o que havia acontecido. Eles contam que estavam fazendo perguntas ao dono, Carlos Fabio Muzi, e ao funcionário do quiosque Tropicália, e depois a uma mulher de outro quiosque.
A intenção era que o proprietário acompanhasse a família até a Delegacia de Homicídios (DH) para dar depoimento, o que até aquele momento ainda não havia acontecido. Segundo os relatos, o proprietário disse que iria buscar o carro para partirem, mas demorou.
Nesse meio tempo, segundo os parentes, os policiais surgiram, pediram documentos do grupo e fizeram perguntas sobre o que havia acontecido, mesmo supostamente já tendo estado no local no dia anterior.
A gravação em áudio de parte da conversa, obtida pela Folha, mostra um agente afirmando que os comerciantes não eram obrigados a dar explicações à família, e sim apenas ao delegado. A comerciante chega a dizer que tudo bem, mas o policial insiste.
“Eu falei para o dono do quiosque. Qualquer informação, vocês têm que dar lá na DH, que está a cargo da investigação. A informação que eles devem dar, que eles são obrigados a dar, é para o delegado. O delegado veio ou vai vir aí, ou vai chamá-los para a delegacia. Não adianta ficar falando aqui”, diz o agente.
“Não, mas a gente só está conversando”, responde o amigo de Moïse. “Beleza. Se quiser falar, você pode falar, mas você [se dirige à mulher] não é obrigada a dar informação nenhuma. Até porque a investigação quem faz não são vocês, é a delegacia”, repete o policial.
“Ele é nosso irmão, aconteceu ontem, a gente veio tentar entender”, rebate o amigo. “Eu entendo seu sentimento de irmão, sua revolta, ninguém quer perder um parente”, responde o agente. A comerciante então continua explicando que Moïse trabalhava informalmente para vários quiosques, e o policial intervém novamente.
“Não, mas eu posso conversar com eles”, ela fala. “Se você quiser falar alguma coisa, pode falar, [mas] ela não é obrigada a dar nenhuma informação”, afirma o agente mais uma vez. “Eu também não estou obrigando ela a dar nenhuma informação”, diz o amigo. “Tranquilo”, responde o policial, e a conversa se encerra.
Quatro dias depois, no sábado (29), a mesma dupla apareceu pela terceira vez, segundo os familiares. Foi durante o protesto em frente ao quiosque, embora já houvesse policiais do programa Segurança Presente acompanhando o ato. Até então, o caso não havia ganhado tanta repercussão.
Nesse dia, de acordo com os relatos, os agentes voltaram a pedir documentos e a fazer perguntas sobre o que havia acontecido e o que o grupo fazia ali. Questionado pela reportagem se haviam se sentido intimidados, um tio respondeu que sim.
“Claro que sim. O policial fardado com arma, pedindo seu documento com aquele tom de voz, daquele jeito da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Eu sou negro, já passei por batida policial quando tava com uniforme de serviço indo trabalhar, aí você não está uniformizado, começam a te perguntar… Quem não fica intimidado?”, disse ele.
Procurada na tarde desta quarta (2) para comentar a situação, a Polícia Militar afirmou que “todas as questões pertinentes ao caso estão sendo investigadas pela Delegacia de Homicídios da Capital”.
O motivo das agressões que levaram à morte do congolês ainda não está claro. A família diz que Moïse trabalhava na praia havia cerca de cinco anos e se queixou algumas vezes de que recebia suas diárias e comissões com erros ou com atraso. Eles acham que naquele dia ele foi cobrar diárias atrasadas.
A família conta que foi avisada da morte do congolês por um colega que estava bebendo com ele na praia mais cedo naquele dia. Esse jovem, com quem a Comissão de Direitos Humanos da OAB está em contato, é menor de idade e até agora não prestou depoimento por medo.
Já o funcionário do quiosque Tropicália, que foi filmado discutindo com o congolês antes das agressões, afirma que ele queria pegar cervejas do freezer. Quando a família conversou com esse funcionário no dia seguinte à morte, ele disse que Moïse estava bêbado e incomodando outras mesas.
“Veja bem, antes de ele chegar na mesa, ele queria pegar bebida aqui. Eu chamei ele, falei: pô, cara, eu tô trabalhando. Eu conhecia ele da manhã. E ele: não, amanhã eu pago. Ele não chegou a pegar cerveja. Ele só queria abrir isso aí [freezer] e eu pedi a ele: pô, faz favor senão amanhã vai sair da minha conta. Aí ele pegou e saiu para lá”, afirma ele na gravação obtida pela Folha.
A comerciante do outro quiosque esclareceu que a relação de trabalho era sempre bastante informal: “Ele trabalhava para todo mundo. […] Eu não tenho funcionário, meu único ajudante hoje é só essa menina e a cozinheira. Os meninos são freelancers. Chegam e falam: tia, deixa eu trabalhar? Aí vende caipirinha, ganha R$ 5, vende ali ganha mais R$ 5”, diz ela no áudio.
A rivalidade entre os vendedores também é um fator citado pela família. Segundo eles, Moïse vendia bastante porque era muito comunicativo e falava várias línguas: português, lingala (idioma congolês), francês e um pouco de inglês.
Foto: Reprodução
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