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Por que eu voto em Ciro Gomes – Primeiramente, advirto que só vou responder quem me abordar direito. Ofendeu, lacrou etc, ignorarei solenemente.
Quero começar pela hipótese “ou é Lula ou é golpe”. Já expus minha visão no programa Café Canhoto mais de uma vez. Não acredito em golpe tout court. Vejo, contudo, golpismos em sequência já em andamento, e a figura do Lula por si só não foi nem é vacina contra isso.
Portanto, não me sinto obrigado a votar no Lula para evitar a continuação do Bolsonaro. É claro que, se assim se afunilar a eleição, votarei contra o Bolsonaro.
Vinicius Guerrero: “Nos trilhos do trabalhismo com Antonio Neto”
Resolvido esse ponto, vamos às razões positivas. Eu sou um desenvolvimentista que na juventude foi brizolista (carioca nascido em 77, difícil não ser). Me entusiasma ver um certo renascimento brizolista, mas entendo que se trata de uma outra experiência histórica. É claro!
O chamado cirismo é uma criação política de agora, nas condições de agora. Então, sem comparações. Porém, há certas condições essenciais na candidatura de Ciro Gomes que atendem meu instinto político. Quais são elas?
A primeira é a retomada da visão de que desenvolvimento em país periférico depende de colocar no centro o problema da soberania nacional. Se você é jovem, a questão nacional pode te parecer secundária ou mofada. Acredite, não é.
Para quem conheceu a política no momento histórico do qual eu peguei o finzinho, é e sempre será a questão central. Longe de patriotadas vazias, ela significa enxergar as condições fundamentais para todo o amplo leque de correções necessárias à vida brasileira.
Da possibilidade de determinar preços básicos fora dos interesses internacionais à capacidade de criar economias pujantes e do tipo que elevam a experiência social. No meio de tudo isso, a questão nacional determina se teremos e como será a educação pública, saúde pública etc.
Qual o nexo? Ora, o país sendo rapinado pelo neoliberalismo sofre de múltiplos males interconectados. Não consegue oferecer serviços públicos de qualidade e também não oferece empregos bem pagos e perspectivas de futuro. Tudo é ao mesmo tempo causa e consequência.
É no interesse de quem que a direita brasileira sempre impõe austericídio a pobres enquanto engorda rentistas? Dos ricos, em abstrato? É no interesse dos capitais transnacionais que controlam a ordem mundial por meio das finanças. Ricos brasileiros são sócios minoritários deles.
Por isso, as práticas neoliberais em países periféricos como o nosso convivem amigavelmente com as políticas de redistribuição. Mas não convivem — e não aceitam — políticas soberanas de desenvolvimento de fato.
Porque as políticas de desenvolvimento soberano de países periféricos são, necessariamente, contrárias ao interesse dos capitais transnacionais. A redistribuição de renda por meio de compensações não é.
Ainda que com imperfeições cuja discordância poderia assinalar, mas são pequenas, identifico no programa do Ciro Gomes a semente de uma retomada do programa de desenvolvimento nacional.
A maior razão é, de certa forma, reflexo de um privilégio meu: eu convivo e diálogo com muitos grandes economistas e jornalistas de economia. Posso dizer que o programa de Ciro prevê uma sacudida na macroeconomia, enquanto o de Lula, não.
Conversa atrás de conversa, debate após debate (muitos não públicos), vejo o programa de Lula rodeando o centro do problema sem, no entanto, atacá-lo.
O programa de Ciro, que aliás é público já há uns dois anos, me satisfaz em grande medida no que diz respeito à macroeconomia. É perfeito? Não, mas nada nunca é.
Ademais, novamente aqui o privilégio, eu conheço pessoalmente e convivo com alguns dos economistas responsáveis pelo programa do Ciro, e confio em suas ideias. São ideias coerentes com o desenvolvimento.
Mas não é só a macroeconomia. Tem a microeconomia também. Agora nós conseguimos (com a ajuda da História rsrs) trazer de volta o tema das políticas industriais. Em tese, não há mais motivo para não debater a estrutura produtiva brasileira.
Da candidatura do Bolsonaro, nada surgirá, pois é de direita, e direita em país periférico é entreguista, neoliberal. E na candidatura de Lula? Sinceramente, vejo ideias esparsas e derivativas de discussões já consumadas.
Por outro lado, ainda que ressalvando certas omissões que considero pouco significativas, a candidatura de Ciro Gomes é mais determinante no que diz respeito à microeconomia setorial.
Quanto tempo eu passei esperando que as lideranças políticas da esquerda (porque em país periférico só é esquerda quem centraliza a questão nacional) perdessem a vergonha de falar em complexos industriais, por exemplo!
É um debate difícil, por muitas razões. Sei disso. Mas precisávamos retomá-lo. Agora, voltou e deverá pautar parte da vida nacional pelos anos vindouros. O Brasil já deve isso ao Ciro Gomes e outras pessoas, entre as quais eu mesmo.
Então, por um lado vivemos o momento mais horroroso da história recente, é verdade. Mas para quem entende da maneira como eu entendo, desponta uma luz adiante que não se prende às rotinas eleitorais. Está acima disso, na verdade.
Desnecessário dizer que manter rotinas eleitorais, a troco de agrilhoar o país eternamente na miséria crescente do neoliberalismo com ou sem compensações ocasionais, constitui um arremedo de democracia. Na melhor das hipóteses.
É fundamental que, pelo menos, haja debate sobre alternativas tanto para a macroeconomia como para a microeconomia. A desindustrialização arrasou a capacidade do Brasil em produzir futuro. É um problema muito sério.
Ganhar ou perder eleição, frente um problema dessa monta, fica pequeno. Quero ver depois, o que será feito. E isso vale para Ciro também, caso eventualmente ganhe. (aliás, desconfio que as pesquisas mudarão muito daqui a outubro).
Alguns pontos mais técnicos: é sim importante para os setores industriais que o câmbio não esteja sobrevalorizado. Leiam o artigo do Venilton Tadini no Valor.
Mas nenhum desenvolvimentista sério diz que isso é suficiente. Jamais! Quem omite isso está fazendo política com assunto sério. É preciso uma macro que perenize juros civilizados e exerça certo controle de capitais.
Essas são as movidas na macroeconomia que são fundamentais para o Brasil de fato vivenciar outra experiência social. Há outros pontos, claro. Mas isso é o central.
Ciro Gomes promete mexer nestes pontos. Isso implica enviar uma gorda conta a pagar para a Faria Lima. Teria capacidade de fazê-lo? Prefiro crer que sim.
Em síntese, o Brasil precisa aceitar que o inimigo se chama neoliberalismo. É o neoliberalismo que, degenerando, nos presenteou Bolsonaro e sua fedentina cultural institucional.
Portanto, assim como do Bolsonaro não se deve esperar nada que não seja o mesmo Paulo Guedes neoliberal, me pergunto se há em Lula algo de fato mais significativo do que uma versão caritativa e conciliadora do neoliberalismo. Há?
Então, meu voto seguirá o princípio norteador que eu defini para meu agir político no Brasil desta quadra histórica: a pedagogia do desenvolvimento. É por ela ela eu voto Ciro Gomes em 2022.
Por Fausto Oliveira, jornalista e escritor, autor de O Ancap, jornalista especializado em indústria e infraestrutura, editor do projeto Revolução Industrial Brasileira