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Entrevista com David Miranda – O deputado federal David Miranda se filiou ao PDT na última segunda-feira (28), no Rio de Janeiro, em evento prestigiado por lideranças nacionais e estaduais da sigla.
Entre os presentes, o presidente Carlos Lupi, o presidenciável Ciro Gomes e o pré-candidato ao governo do RJ, Rodrigo Neves.
Nascido e criado na favela do Jacarezinho, na capital fluminense, David Miranda concedeu entrevista ao BRI e falou sobre suas origens e bandeiras.
Além disso, comentou os ataques sofridos por apoiadores de Lula após anunciar sua saída do PSOL e revelou sua obstinação em resgatar o legado de Leonel Brizola na luta política.
“A política para mim não é uma carreira, e sim uma luta por justiça social, uma luta para defender aqueles que como eu sempre foram colocados à margem da sociedade, por isso, optei por estar do lado de quem tem um projeto econômico mais à esquerda e que verdadeiramente prioriza os pobres, favelados e o povo da periferia.” – David Miranda (PDT-RJ)
‘Cria’ dos CIEPs de Brizola
David foi aluno de um Ciep construído pelo governo de Leonel Brizola na entrada da favela do Jacarezinho e se diz fruto da educação pensada por Darcy Ribeiro para emancipar os pobres.
O jovem parlamentar diz que não se trata apenas de recuperar o legado da revolução educacional de Brizola e Darcy, mas de atualizá-la de acordo com os desafios dos tempos atuais, incluindo no ensino práticas antirracistas, contra a discriminação sexual, ensino de inclusão e a diversidade, ensino de questões climáticas, ambientais, assim como ensino de ciência, tecnologia e inovações.
“É este projeto de escola pública que defendo, que ofereça educação de qualidade como direito básico de todos os brasileiros, que mantenha crianças e jovens, filhos de pais trabalhadores, na escola em turno integral, que contribua para segurança alimentar ao oferecer refeições saudáveis e nutritivas, que acolha toda a comunidade com atividades de esporte, lazer e cultura inclusive aos finais de semana.”
Luta contra discriminação
Primeiro vereador assumidamente gay eleito na história do Rio, Miranda é casado com o jornalista Gleen Greenwald e defensor histórico da bandeira LGBTQIA+.
O parlamentar carioca acha que pode contribuir significativamente ao Projeto Nacional de Desenvolvimento do PDT e de Ciro Gomes na área de combate à discriminação.
“O PND em particular já possui um capítulo inteiro dedicado ao combate à discriminação contra mulheres, negros, pessoas com deficiência, população LGBT, e jovens. E é importante lembrar que não se trata de um programa de governo, e sim um conjunto de diretrizes que Ciro pretende discutir e aperfeiçoar com a participação da sociedade.”
David Miranda diz que deve tentar renovar sua cadeira na Câmara dos Deputados nas eleições do fim do ano e ressaltou a importância de eleger uma bancada forte em Brasília para travar a luta legislativa, seja na situação, seja na oposição.
“Considero importante que tenhamos uma bancada fortalecida para garantir governabilidade a Ciro caso se eleja, ou para garantir que haja oposição dentro do campo da esquerda caso Lula seja eleito.”
Amizade com Ciro e ataques após ida para o PDT
O deputado foi prestigiado em sua filiação ao PDT com a presença de Ciro Gomes e Rodrigo Neves, os quais chamou de “amigos”.
“Tivemos muitas conversas e estamos alinhados sobre o que acontece na política do estado e no Brasil. Nos próximos meses estaremos ainda mais unidos pois estaremos trabalhando para tornar nossos sonhos de mudança do Brasil e do estado em realidade.”, disse, pontuando que tem contribuído nos programas estadual e nacional em diversas áreas programáticas.
Após anunciar sua saída do PSOL rumo ao PDT, causaram certa mágoa os ataques que o jovem político sofreu ao lado do marido, o jornalista Gleen Greenwald, por parte de apoiadores do ex-presidente Lula (PT).
Curiosamente, os dois haviam sido duramente atacados e ameaçados quando revelaram a Vaza Jato, reportagem investigativa que demonstrou que a condenação de Lula na Lava Jato havia ocorrido de forma ilegal e portanto, antidemocrática.
“E é desses valores democráticos que eu gostaria de relembrar estas pessoas que me atacam, e também dizer que a união em torno do combate ao bolsonarismo com a qual todo campo progressista está comprometida não deve significar a hegemonia de um partido ou apoio acrítico a um candidato, sob o risco de estarmos novamente cometendo o mesmo erro que nos trouxe até aqui”, desabafou.
Origem na favela
David Miranda mostrou senso de realidade ao comentar suas origens, na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e revelou considerar a experiência como positiva para a sua construção e trajetória políticas.
“Ter nascido e crescido na favela foi minha principal formação política. Enquanto a maioria dos colegas que ocupa o parlamento junto comigo só conhece a fome enquanto estatística e tema de estudo, eu sei o que é passar fome, e ter que pegar xepa para fazer ceia de Natal. A fome que hoje milhões de brasileiros sofrem, é a fome que eu já senti na pele.”
Leia a entrevista com David Miranda (PDT-RJ) na íntegra abaixo:
BRI – Sua saída do PSOL rumo ao PDT foi bastante comentada nos bastidores da política. O que o motivou a fazer essa mudança?
D.M.: A minha mudança de partido tem mais a ver com os valores que admiro no PDT do que com uma ruptura com o PSOL. Me identifico com valores históricos e atuais do PDT, que considero importantes para a reconstrução do Brasil, em especial com os ideais trabalhistas e o legado de Leonel Brizola. A política para mim não é uma carreira, e sim uma luta por justiça social, uma luta para defender aqueles que como eu sempre foram colocados à margem da sociedade. Por isso, optei por estar do lado de quem tem um projeto econômico mais à esquerda e que verdadeiramente prioriza os pobres, favelados e para o povo da periferia.
BRI – Uma de suas bandeiras política é a bandeira da luta contra a discriminação. Você vê o Projeto Nacional de Desenvolvimento alinhado a essa luta?
D.M.: Essa é uma das principais contribuições que darei tanto ao PDT quanto aos programas de governo federal e estadual. O PND em particular já possui um capítulo inteiro dedicado ao combate à discrminação contra mulheres, negros, pessoas com deficiência, população LGBT, e jovens. E é importante lembrar que não se trata de um programa de governo, e sim um conjunto de diretrizes que Ciro pretende discutir e aperfeiçoar com a participação da sociedade.
BRI – Qual sua expectativa para as eleições de outubro? Já decidiu se irá disputar algum cargo e se sim, qual será? Tentará renovar a cadeira em Brasília?
D.M.: Sim, provavelmente deputado federal. Eu acredito na viabilidade das candidaturas que representam de verdade a população que mais sofre na mao desse e de outros governos. Por isso, considero importante que tenhamos uma bancada fortalecida para garantir governabilidade a Ciro caso se eleja, ou para garantir que haja oposição dentro do campo da esquerda caso Lula seja eleito.
BRI – Tanto Ciro Gomes quanto Rodrigo Neves compareceram na sua filiação, o que demonstra prestígio. Qual o seu relacionamento com o Ciro? E com o Rodrigo?
D.M.: Nossa relação é excelente, tenho ambos como amigos. Tivemos muitas conversas e estamos alinhados sobre o que acontece na política do estado e no Brasil. Nos próximos meses estaremos ainda mais unidos pois estaremos trabalhando para tornar nossos sonhos de mudança do Brasil e do estado em realidade. Estou contribuindo para seus programas em temas como a diversidade, animais, meio ambiente e clima, segurança alimentar, segurança pública, educação e transportes.
BRI – Recentemente, ao anunciar sua ida do PSOL para o PDT, o sr foi muito atacado nas redes,principalmente por apoiadores de Lula. O que tem a dizer sobre isso e a estas pessoas?
D.M.: Infelizmente estou acostumado a receber ataques desde que atuei com meu marido Glenn Greenwald no caso Snowden – onde revelamos programas de vigilância do governo americano, inclusive espionagens contra o governo brasileiro e a nossa Petrobras. Fomos duramente atacados e tivemos nossas vidas ameaçadas novamente durante a Vaza Jato quando revelamos, que a prisão de Lula era ilegal e política. Fizemos isso não porque apoiamos Lula mas porque acreditamos nos valores da democracia, da pluralidade política e do debate. E é desses valores democráticos que eu gostaria de relembrar estas pessoas que me atacam, e também dizer que a união em torno do combate ao bolsonarismo com a qual todo campo progressista está comprometida não deve significar a hegemonia de um partido ou apoio acrítico a um candidato, sob o risco de estarmos novamente cometendo o mesmo erro que nos trouxe até aqui.
BRI – Você vem da favela do Jacarezinho, o que você traz dessa experiência para a política?
D.M.: Ter nascido e crescido na favela foi minha principal formação política. Enquanto a maioria dos colegas que ocupa o parlamento junto comigo só conhece a fome enquanto estatística e tema de estudo, eu sei o que é passar fome, e ter que pegar xepa para fazer ceia de Natal. A fome que hoje milhões de brasileiros sofrem, é a fome que eu já senti na pele.
Lutar contra a precariedade, a violência, o abandono que nosso povo sofre foi o que me motivou a entrar e continua me motivando a permanecer na política. Eu não preciso da política para viver, mas preciso fazer política para garantir e melhorar a vida dos meus nas favelas. Eu tive a sorte de ter sido acolhido por uma tia quando fiquei órfão, uma mulher negra que criou seus filhos sozinha (como tantas infelizmente), e mais tarde tive também a sorte de ter estudado em um Ciep construído na entrada da favela por Brizola e Darcy Ribeiro. Na época eu não fazia ideia de quem eles eram e de que ali iniciava minha formação política e uma história que só completaria seu sentido mais de 20 anos depois quando ingresso no seu partido histórico como produto do seu projeto educacional para ajudar a resgatar e atualizar seu legado.
BRI – Qual sua visão sobre a política de segurança pública do RJ e a nível nacional?
D.M.: Eu acredito que segurança pública começa com emprego, renda e educação. Concordo muito com Rodrigo Neves quando ele diz que o crime organizado que tomou conta do Rio de Janeiro é uma consequência da falta dessas três coisas e não sua causa. Nossos jovens estão sendo aliciados porque não têm outras oportunidades, porque a única presença do Estado sentida nessas comunidades é a do monopólio da violência e não a da garantia de direitos. Hoje muitos trabalhadores honestos moradores nas favelas têm mais medo da polícia do que dos criminosos. Isso precisa mudar. Precisamos de um trabalho de educação antirracista entre nossas polícias, e precisamos rever com urgência o modelo de operações e ocupações, tornando obrigatório o uso de câmeras corporais e implementação de todas as medidas recentemente aprovadas pelo STF para diminuir a letalidade das operações policiais.
Queremos a presença positiva do Estado nesses locais, e precisamos também alterar radicalmente a estrutura da segurança pública do país, por meio do redirecionamento do foco para ações preventivas, reestruturação das polícias e outras medidas estruturais, como melhorias das remunerações, treinamento e condições de trabalho dos agentes de segurança pública. Em 2019, apresentei o PL 6355 para que o governo garanta o cuidado preventivo com a saúde mental dos profissionais de segurança pública através do acompanhamento de assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras. O índice de suicídio entre policiais é enorme, e mais de 60% dos profissionais da segurança pública já tiveram algum colega próximo vítima de homicídio em serviço. Esse estresse permanente se transforma em violência e truculência em suas ações. Da mesma forma que as baixas remunerações abrem margem para corrupção, por isso apresentei outro PL dispondo sobre o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres e perigosas, que contempla agentes de segurança.
BRI – Você foi aluno dos CIEPs de Brizola…acha que o caminho para afastar jovens do crime e das drogas é a educação?
D.M.: Sim, fui aluno de um Ciep construído pelo governo Brizola na entrada da favela do Jacarezinho e me sinto fruto da educação pensada por Darcy Ribeiro para emancipar os pobres. É este projeto de escola pública que defendo, que ofereça educação de qualidade como direito básico de todos os brasileiros, que mantenha crianças e jovens, filhos de pais trabalhadores, na escola em turno integral, que contribua para segurança alimentar ao oferecer refeições saudáveis e nutritivas, que acolha toda a comunidade com atividades de esporte, lazer e cultura inclusive aos finais de semana. Não se trata apenas de recuperar o legado da revolução educacional de Brizola e Darcy, mas de atualizá-la de acordo com os desafios de nossos tempos, incluindo no ensino práticas antirracistas, contra a discriminação sexual, ensino de inclusão e a diversidade, ensino de questões climáticas, ambientais, assim como ensino de ciência, tecnologia e inovações.
Eu luto sobretudo por uma escola pública que prepare nossos jovens para serem cidadãos plenos, sujeitos políticos críticos, emancipados, com capacidade de transformar a realidade e não apenas trabalhadores a serem explorados pelo mercado de trabalho.
BRI – Qual o seu maior ídolo político?
D.M.: Tenho várias inspirações de vida e de luta, Malcolm X é um deles.
BRI – Qual seu maior sonho?
D.M.: Ver meu país alcançar seu potencial. As favelas e periferias do país terem condições de estrutura de trabalho, cultura esporte e empreendedorismo. Quero não ver jovens serem assassinados, quero que os próximos Nobel, Oscar etc venham daqui da nossa Pátria. Acima de tudo, sonho que o Brasil, que é um país tão extenso e tem um povo tão amado, possa superar a fome que hoje assola nosso povo.