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Getúlio Vargas – Não sou candidato nem desejo ser. Se pretendesse continuar no governo em 1945 teria me desincompatibilizado, oportunamente, passando o governo e indo pleitear como candidato. Precisava descansar e permitir que se fizesse a experiência dum novo governo. A experiência está feita. Mas também eu estou mais vivido.
O que se fez como obra de desorganização administrativa, de anarquia política, é muito grande, para ser corrigido em pouco tempo. Eu prefiro continuar sendo o ex-ditador, como costumam chamar-me alguns plumitivos [expressão pejorativa para designar escritor ou jornalista sem mérito]. E até gosto. O que eles denunciam ditadura é tão melhor do que o que aí está, que o povo já começa a ter saudades.
Não sou contrário à democracia. Julgo apenas que essa democracia que aí está é profundamente reacionária e anárquica. Está fora de seu tempo. É a velha democracia liberal que em matéria de economia política ainda [reza] pela cartilha de A. Smith.
Para eles democracia é a liberdade individual para os poderosos do dia fazerem o que entendem, oprimindo aos pobres e humildes [ou], pelo menos, passarem indiferentes ante a penúria e o sofrimento alheios. Para eles o Estado é um Estado polícia que não deve intervir, senão para garantir os privilégios dos poderosos do dia.
Entre esses os mais poderosos são os proprietários dos grandes jornais, opulentos gozadores da vida que impõem seu ponto de vista, [coagindo] a liberdade de pensamento de seus empregados. Esses potentados gozam de todos os privilégios, inclusive o de não pagar imposto de renda. Esses são os que envenenam e adulteram a opinião dos [que] leem. Eles defendem esse falso conceito de democracia porque esse é o conceito das grandes empresas que lhes pagam os anúncios que os mantêm, afora que os enriquecem.
O Parlamento votou uma lei melhorando os vencimentos dos empregados de jornais. O presidente da República [referência a Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), presidente entre 1946 e 1951] vetou essa lei, sob o fundamento de que ela atentava contra a liberdade das empresas. Que é toda a legislação social em favor dos trabalhadores se não uma restrição à liberdade dos patrões? Por que essa exceção?
É o medo dos proprietários de jornais, medo que vai até a cumplicidade no crime como o caso Cintra de S. Paulo [os pesquisadores da FGV não têm referência sobre o caso]. Este faleceu sem herdeiros. O patrimônio reverter ao Estado. O proprietário do Diário Carioca como advogado administrativo, tendo o irmão como interventor do Estado, obteve do presidente da República um decreto com efeito retroativo, revogando o Código Civil, para entregar a um herdeiro, criado pelo próprio decreto, um patrimônio de 100 milhões de cruzeiros que deviam reverter ao Estado.
No entanto, esse mesmo governo que veta uma lei do Congresso melhorando os vencimentos dos empregados de jornal, sob o fundamento de ofensa à liberdade das empresas, esse mesmo presidente revoga o Código Civil para lesar o patrimônio do Estado, sancionando uma escandalosa advocacia administrativa e proíbe ao povo manifestar-se em público para protestar contra a entrega do nosso petróleo ao estrangeiro.
É curioso como qualquer manifestação popular denunciando atos do governo contrários ao interesse público é logo tachada de comunismo. O governo não precisa defender-se nem explicar sua conduta, proíbe e tacha de comunismo. Essa é a democracia dos políticos e a interpretação do governo.
Essa democracia não tem sentido, nem direção, nem plano algum. Vivem de atacar o governo passado [referência ao seu primeiro governo (1930-1945)], sem nada fazer para justificar sua existência.
O governo passado foi a ditadura, o atual é a democracia. Mas o governo passado foi a construção, e o atual é a negação. O outro foi a riqueza e o trabalho; este é a miséria e a anarquia. “Mas temos liberdade”, dirão eles. Porém, têm liberdade nas leis, mas não podem usá-las. A liberdade que existe é a dos poderosos para oprimir os humildes. Quanto a estes nem protestar podem, porque são logo tachados de comunistas.
Nunca fui contrário à democracia. O que sempre afirmei é que a democracia não podia ser simplesmente política, mas também econômica. De que serve igualdade política, sem igualdade social?
O que precisamos é de um governo de ordem, de paz e de trabalhos, em que os problemas de interesse do povo sejam resolvidos pelos técnicos e não pelos políticos.
Estou farto de política e de políticos.
Por Getúlio Vargas, trechos contidos em caderno escrito entre 1945 a 1949 e recentemente divulgado pela FGV
(Foto: FGV/CPDOC)
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente