Metrô e CPTM – Reportagem publicada nesta segunda-feira (27) por Juliana Sayuri em UOL mostra que as linhas privadas de transporte público em São Paulo receberam 4 vezes mais dinheiro público enquanto transportavam menos da metade de passageiros que o Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) ao longo do ano de 2022.
Enquanto a promessa do governo para privatizar os trilhos de São Paulo é de que isso irá trazer mais eficiência e economia para o estado, a realidade é contrária ao discurso: falhas graves nas linhas operadas pela iniciativa privada, enquanto estruturas públicas como Metrô e CPTM ficam com o prejuízo.
Nesta terça-feira (28), trabalhadores do Metrô e CPTM realizam uma greve contra as privatizações já realizadas e as prometidas pela gestão do bolsonarista Tarcísio de Freitas à frente do estado. Trabalhadores da Sabesp também aderiram à greve para protestar contra a privatização da empresa pública de água e saneamento, sonho de consumo do governador e claro, de tubarões do capital privado.
Dados obtidos pela reportagem do UOL apontam que os repasses do Bilhete Único (BU) foram quatro vezes maiores para as concessionárias do que para Metrô e CPTM em 2022. O BU é a principal fonte de receita tarifária para as operadoras desse tipo de transporte e no ano passado, o valor total arrecadado chegou a R$ 7 bilhões.
A ‘pegadinha’ está nos contratos, que preveem que as concessionárias têm prioridade na hora de sacar sua fatia desse bolo, deixando Metrô e CPTM com as sobras, enquanto transportam um número de passageiros muito maior e empregam muito mais trabalhadores.
Veja o número de trabalhadores:
- Metrô – 7.334 funcionários
- CPTM – 6.034 funcionários
- ViaMobilidade – 2.523 funcionários
- ViaQuatro – 1.990 funcionários
A ViaMobilidade, empresa do grupo CCR, responsável pela operação das linhas de trem 8-Diamante e 9-Esmeralda desde 2022, é uma das que tem prioridade nos saques. No entanto, a concessionária tem sido alvo de muitas reclamações. Em apenas um ano de operação foram registradas 166 falhas, entre trens que pararam nos trilhos, descarrilamentos e até uma trombada na estação Júlio Prestes.
Diante do serviço de má qualidade, o Ministério Público pediu indenização de R$ 150 milhões para compensar as falhas, levando a um acordo realizado em 14 de agosto e homologado no último dia 14 de novembro.
O monitoramento das concessões fica a cargo da Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI) do governo Tarcísio, que insiste em dizer que vai privatizar todos os trilhos até o fim do mandato, em 2026. Mas o próprio secretário da SPI, Rafael Benini, considera “complicada” a questão dos repasses.
“O Bilhete Único é um pouco uma caixa-preta, então a gente não tem tanta informação quanto a gente queria”, afirmou em entrevista ao UOL.
Caixa-preta do BU
Toda vez que alguém carrega o Bilhete Único, o dinheiro arrecadado vai para uma conta única e a verba é dividida entre SPTrans (responsável pelos ônibus, controlada pela prefeitura da capital), as públicas Metrô e CPTM, e o grupo CCR (que inclui ViaMobilidade e ViaQuatro).
Representantes das empresas públicas e privadas reúnem-se todo mês para discutir essa partilha no Convênio de Integração Operacional e Tarifária. Responsável por mais da metade das viagens na cidade de São Paulo, a SPTrans é a primeira na fila na hora da divisão e fica, hoje, com 58% do montante.
Curiosamente, na sequência vêm as concessionárias privadas. Primeiro, a ViaQuatro, pela linha 4-Amarela; na sequência, a ViaMobilidade, pela linha 5-Lilás; depois, a ViaMobilidade de novo, pelas linhas 8 e 9.
Atualmente, elas recebem juntas cerca de R$ 10 milhões por dia.
Nas atas das reuniões – obtidas pelo UOL- não há menção sobre quanto Metrô e CPTM devem receber. O convênio determina a ordem de prioridades nos repasses, mas não diz como é feito o cálculo para a partilha. O UOL informou, na reportagem, que mais de uma fonte relatou, em off, que o governo de São Paulo dificultaria o acesso aos dados dos repasses.
Segundo o site, ViaMobilidade e ViaQuatro receberam juntas R$ 2 bilhões de repasses em 2022 para transportar cerca de 500 milhões de passageiros, enquanto o Metrô e a CPTM carregaram mais que o dobro – 1,23 bilhão de passageiros-, mas ficaram só com R$ 460 milhões no período. A conta, evidentemente, não fecha.
Em 2018, antes das últimas concessões à ViaMobilidade, Metrô e CPTM receberam R$ 1,8 bilhão.
Saga em busca de informações que deveriam ser públicas
O site UOL relata que só conseguiu chegar aos valores divulgados após uma saga junto a fontes, como assessorias de imprensa dos órgãos e via Lei de Acesso à Informação. Uma das fontes consultadas respondeu com as palavras “classificação: restrita”, grafadas em letras amarelas. Outro pediu prorrogação de prazo para responder, por se tratar de “informações complexas”.
A falta de transparência do governo com relação aos repasses do BU é motivo de preocupação e de denúncia de especialistas do setor. “Todos os documentos jurídicos, contábeis e administrativos que envolvem a matéria devem ser, a princípio, públicos”, diz ao UOL o advogado Augusto Neves Dal Pozzo.
“É gravíssima a falta de transparência. Isso indica uma tentativa de se esquivar das discussões de qual é o custo real desse modelo.”, acrescenta o geógrafo Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Questionado sobre a sustentabilidade desse modelo, o governo respondeu através da Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM), que Metrô e CPTM recebem compensações através de um termo de “recomposição tarifária”, firmado em 2022.
Segundo o governo, o Metrô recebeu R$ 291 milhões extras; a CPTM, R$ 235 milhões. Esse dinheiro vem dos cofres públicos. Se tais valores forem levados em conta, a conta ainda não fechar, visto que nesta equação, as empresas públicas receberam metade do que as concessionárias privadas para transportar mais que o dobro de passageiros.
Prioridade às privatizadas
O Bilhete Único foi lançado pela então prefeita Marta Suplicy, em 2004, na época, pelo PT. Era usado para ônibus, mas já estava previsto para atender CPTM e Metrô. A integração só começou a valer um ano depois, quando o prefeito era José Serra (PSDB) e o governador, Geraldo Alckmin, na época tucano e hoje, vice-presidente do país.
O Convênio de Integração Operacional e Tarifária foi firmado em 2005, originalmente entre SPTrans, Metrô e CPTM. A ViaQuatro entrou no comitê em 2007, após a concessão da linha 4-Amarela (que curiosamente, só foi inaugurada em 2010). Foi a partir da entrada da ViaQuatro que as concessionárias conquistaram, por contrato, prioridade nos repasses antes do Metrô e da CPTM.
Em 2017, no governo Alckmin, a ViaMobilidade ganhou a concessão da linha 5-Lilás. Em 2022, no governo João Doria (PSDB), a empresa assumiu as linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. O atual governador Tarcísio de Freitas já sinalizou que pretende conceder à iniciativa privada todas as linhas do Metrô e as linhas 10-Turquesa, 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade da CPTM. As linhas 7-Rubi, 14-Ônix e 17-Ouro também estão na mira.
Aos amigos privados, tudo
Tarcísio passou o monitoramento das concessões da STM para a SPI e a primeira consulta pública do órgão foi publicada no dia 3 de outubro para “aprimorar” uma resolução que vai considerar “circunstâncias atenuantes” a concessionárias que devem multas ao Estado.
As palavras complicadas podem confundir, mas na prática, a resolução visa dar um desconto às empresas privadas nas multas que devem ao contribuinte paulista. Quinze dias depois, a SPI disparou um comunicado informando o número de passageiros transportados pelas linhas operadas pela ViaQuatro e pela ViaMobilidade: ao todo, 147 milhões no terceiro trimestre de 2023.
Mais um fato curioso: não há nenhuma linha sobre o número de passageiros transportados pelo Metrô e pela CPTM, que no período, ultrapassou os 340 milhões de passageiros, mais que o dobro das exaltadas concessionárias.
Especialistas opinam que o problema não é a privatização em si, mas que concessões precisam de bons contratos para funcionar. “Seria melhor o Estado fazer contratos com diferentes empresas para cada uma das operações — assim, as funções ficam mais claras e o poder público teria mais controle para fiscalizar”, diz Rafael Calabria, do Idec.
“O modelo já está insustentável: cada vez que entra uma nova concessão, a partilha vai ficar cada vez mais difícil, até que vai acabar a fatia da pizza para todo mundo.”
Ao UOL, o secretário Rafael Benini disse que os futuros contratos de concessões devem ser melhores para não onerar o Estado. “Nunca vai ter um contrato perfeito. Você sempre pode aprimorar”, ponderou.
(Com informações de reportagem de Juliana Sayuri em UOL)
(Foto: Montagem/Reprodução)