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“Meu filho. 21 semanas”, com a mão na barriga e em frente ao espelho, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL) fez uma foto clássica de grávida, escreveu essa legenda e postou em seu perfis no Instagram, Twitter e Facebook no último sábado (20). O que seria um post para compartilhar a descoberta do sexo do filho que terá com o também deputado federal Glauber Braga (PSOL) virou alvo de uma série de comentários ofensivos.
Apoiadora da descriminalização do aborto e do respeito à diversidade de gênero, Sâmia sofreu ataques relacionados a estes dois assuntos e comentários com ofensas como: “Por favor, se em algum momento a gravidez ficar difícil, não o mate”, “Sorte da criança ter chegado até aí”, “Amontoado de células, já pode abortar” e “Ela está induzindo o filho a ser homem”.
A deputada garante que esta não é a primeira vez que recebe mensagens do tipo. “No passado, recebi ataques sistemáticos com relação à minha forma física e à minha capacidade de trabalho. Sempre existe um elemento de desqualificação da mulher, principalmente quando ela está na política. Isso acabou me deixando um pouco calejada. Por isso, é muito raro que uma ofensa me atinja de uma maneira mais profunda. Até porque, paralelamente, recebo muito apoio, mensagens de pessoas queridas, que balanceiam a situação”, diz.
Sâmia ainda está avaliando as medidas que pretende tomar com relação aos comentários. “O que me chama mais atenção é quando esse tipo de material parte de um jornalista, um influenciador, alguém com muitos seguidores e que deveria ter responsabilidade social. Nesse caso, tomo as medidas legais para que a pessoa responda pelos seus atos judicialmente”.
“Maternidade é um prato cheio para o discurso de ódio”
Sâmia acredita que a fase que está vivendo é um atrativo para este tipo de ataque. “Muitas vezes esses grupos atuam de forma organizada na internet e a maternidade é um prato cheio. Eles buscam identificar contradições na postura feminista, como se defender a legalização do aborto fosse o mesmo que pregar o assassinato desenfreado de bebês”, afirma.
Os ataques vem de pessoas que enxergam ser contraditório que uma mulher possa se declarar a favor do aborto legal e, ao mesmo tempo, manifestar o desejo de ser mãe. Ela garante que o argumento é usado como estratégia para descredibilizar a pauta. “São raras as mulheres que pensam assim. Normalmente, é um raciocínio utilizado por homens, que ficam indignados que uma mulher possa defender o direito de escolha para si mesma e para a outra”.
Segundo a deputada, isso vai contra a ideia já estabelecida na sociedade de que a maternidade deve ser compulsória — e mostra que deve ser uma escolha planejada, uma vontade, um desejo. “Isso dá um nó na cabeça de muitos, que acabam reagindo de maneira violenta”, afirma.
No seu ponto de vista, é irônico que os ataques partam justamente dos homens, uma vez que, no Brasil, muitos pais não participam da educação de seus filhos. “Muitas mulheres são mãe solo: nunca conseguiram registrar a paternidade de seus filhos porque os caras simplesmente desaparecem ou, quando registram, não são parte cotidiana da formação, não contribuem financeiramente”.
Para Sâmia, o debate deveria ser outro. “Os homens deveriam refletir justamente sobre esse papel, que boa parte deles acaba não tendo, de cumprir com seus deveres na paternidade, no carinho, no cuidado e na divisão das tarefas domésticas”.
Solidariedade feminina
Por outro lado, Sâmia garante que tem sido acolhida pelos colegas parlamentares. “Quando anunciei que estava grávida, recebi mensagens de carinho, desejando boa sorte. Em especial as mulheres, independentemente de seus partidos, acabam sendo solidárias, por também serem vítimas de machismo. Um dia desses, Jandira Feghali (PCdoB) contou que foi a primeira deputada a conseguir licença maternidade, em 1993. Ou seja, é muito recente”, exemplificou.
“A também deputada Clarissa Garotinho (PROS), me contou sobre sua luta pela expansão do tempo da licença maternidade”. Hoje a duração do benefício é de quatro meses para parlamentares mas para as demais servidoras públicas é de seis. “Clarissa disse que quando ficou grávida precisou sair um pouco antes do nascimento do filho, por recomendações médicas, e quando voltou o bebê ainda era muito pequeno, sem que ninguém olhasse com carinho para isso”.
Seu único receio é que, depois do nascimento do filho, passe a ser questionada sobre suas capacidades no ambiente de trabalho. “Acredito que possam, de maneira sutil, insinuar que tenho menos condições de exercer o mandato. Como se fosse um ‘fim de linha’. Ou então que me questionem sobre o período eleitoral: por que decidi ser mãe justo agora, com tantas coisas acontecendo no país. Enfim, insinuações que jamais seriam feitas para um homem que acabou de se tornar pai”.
Fonte: Universa/UOL