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Líder sindical – Presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Neto marcou presença no encontro entre as centrais sindicais e o presidente Lula (PT), ocorrido no primeiro mês do novo governo eleito.
Foi a primeira vez que o governo recebeu as centrais em seis anos.
Lula cria Conselho de Participação Social
A defesa, de Neto, de um ‘revogaço’ da Reforma Trabalhista e de outras leis que prejudicaram a vida dos trabalhadores ‘viralizou’ e virou notícia.
“São três grandes leis que vêm judiando muito dos trabalhadores e dos empresários sérios do Brasil, a Lei da Terceirização, a própria Reforma Trabalhista e a Lei de Liberdade Econômica.”, diz o líder sindical.
Em entrevista exclusiva ao BRI, Antonio Neto explica em detalhes cada ponto das leis em discussão e vai além, tratando de temas espinhosos da relação entre o empregado e o patrão, defendendo a criação de um novo Código Brasileiro do Trabalho.
Entre os assuntos abordados, o fim do imposto sindical, a necessidade de financiamento das estruturas sindicais e os desafios de reconstruir a imagem do sindicalismo perante a sociedade brasileira.
Antonio Neto ainda se posiciona em relação à correção da tabela do Imposto Renda e sobre a necessidade de uma política de valorização do salário-mínimo.
“Quem recebe salário-mínimo vai no mercadinho da esquina, na padaria, no armazém da loja, vai poder consumir com aquele dinheiro e ele retorna quase que em dobro em impostos para o próprio governo. Salário-mínimo é injeção na veia da economia”.
Com a entrevista, na íntegra, abaixo:
1 – Quais as principais pautas das centrais sindicais levadas a Lula na reunião ocorrida no Palácio do Planalto?
Antonio Neto: Apresentamos ao presidente Lula aquilo que a gente aprovou na Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora), que é o que é de consenso. Dividimos as pautas entre as centrais e a mim, coube falar sobre a recuperação dos direitos trabalhistas e falar sobre a questão da formação profissional e o sistema S. Os últimos seis anos foram bastante complexos para a classe trabalhadora, em especial o movimento sindical, na relação com o governo federal. Nós tivemos muitas dificuldades. Então é chegado o momento de você apresentar ao novo governo algumas coisas que são bastante necessárias para uma mudança da relação capital e trabalho no Brasil. São três grandes leis que vêm judiando muito dos trabalhadores e dos empresários sérios do Brasil, a Lei da Terceirização, a própria Reforma Trabalhista e a Lei de Liberdade Econômica.
Lei da Terceirização
A lei da Terceirização representa um descontrole total na própria terceirização, diferente do que estava sendo negociado no Congresso Nacional, por exemplo, em que uma empresa para a terceirização se transformasse numa espécie de especialização e uma empresa para essa especialização. Teria que ter um CNPJ com atividade empresarial específica daquilo que ela queria prestar. Se fosse de construção civil, seria de construção civil. Não poderia uma empresa de construção civil prestar outro tipo de serviço. Com essa lei, pode-se elencar 200 tipos de atividades e aí fica um descontrole completo.
Reforma Trabalhista
A reforma trabalhista foi inconstitucional em vários aspectos, não respeitando convenções internacionais de que o Brasil é signatário e foi muito prejudicial à classe trabalhadora, acabando com a pirâmide da estrutura de negociação coletiva no Brasil. Ou seja, o acordo individual passa a ter mais protagonismo do que o acordo coletivo, ou o acordo com a empresa. Ele pode destruir valores conquistados em uma convenção coletiva. Ou seja, então você inverteu a pirâmide. A pirâmide era primeiro a convenção coletiva. Ela podia ser editada por uma convenção, por um acordo coletivo entre o sindicato e a empresa e podia ser editado por uma questão com o próprio trabalhador, alguma coisa específica, mas nunca renunciando a direitos, seja do acordo coletivo da empresa, seja do acordo da convenção coletiva. Todo o trabalho do governo Bolsonaro fez no sentido de prestigiar a relação individual entre o trabalhador e a empresa, o que é dar para o patrão todas as condições na luta contra a organização do trabalhador e, acima de tudo, deixando o trabalhador hipossuficiente, ou seja, aquele trabalhador à mercê do patrão, ou seja, ‘assina aqui’ ou manda embora.
Segurança Jurídica
E a terceira lei que é a Lei da Liberdade Econômica, que também começou a mexer com muitas coisas da relação capital e trabalho. Então essas três leis nós achávamos que precisavam ser revistas para não dizer, como disse, revogadas. Então, o ideal seria revogá-las. Agora, entre o ideal e o possível…. (na fala no encontro com Lula) eu não usei o termo ‘possível’, eu disse ‘necessário’. Porque algumas coisas são necessárias de serem feitas imediatamente. Já há algum tempo que existe uma série de coisas que estão sub judice no Supremo Tribunal Federal, que dá ao patrão e aos trabalhadores uma insegurança jurídica muito grande.
Então, caso sejam revogadas essas mudanças que estão sendo contestadas diretamente no STF, você já consegue o que chamam de ‘segurança jurídica’. Tiramos o que está sub judice agora. Vamos ver também algumas outras coisas que vêm infelicitando e judiando dos trabalhadores na relação capital/trabalho, embora não estejam contestadas no momento.
Homologação
Por exemplo, vamos fazer a homologação de uma demissão. Hoje, a homologação é feita direto na empresa. A pesquisa que nós fizemos aponta ou fraude na homologação, ou erro na homologação, ou mesmo a não existência da homologação. Exigir que seja feita a homologação automaticamente, você inibe obviamente a fraude e o erro, assim como também inibe a possibilidade de o patrão mandar ‘procurar sua turma’. Se o patrão fizer isso é o seu sindicato que vai poder atuar imediatamente. E hoje a legislação não permite que ele (o sindicato) atue e em tantas outras coisas: o trabalho intermitente, o tal do autônomo e com vínculo…
Discussão interna
Nós fomos discutir dentro da central o que nós queríamos fazer e apresentamos para o conjunto sindical. É um trabalho que dizemos o seguinte: ‘Olha o que nós queremos revogar, o que nós queremos alterar dentro daS três leis (Reforma Trabalhista, Lei da Terceirização e Lei da Liberdade Econômica). Nós temos uma série de artigos que estão efetivamente judiando dos trabalhadores, judiando de todo mundo. Creio que é o que nós propusemos ao presidente da República e reafirmamos na reunião com o ministro do Trabalho, e ele nos disse que é possível fazer esses retoques.
Acordado sobre o legislado
(O ministro pediu) então que juntássemos novamente as centrais e apresentássemos (as propostas). ‘Olha, precisa mexer neste ponto, naquele ponto, daquele outro ponto’. É preciso exacerbar muito a 611A e a 611B, que são justamente aqueles que abriram a possibilidade do acordado sobre o legislado. As pessoas têm memória curta porque em 2003, quando o presidente Lula tomou posse pela primeira vez, o primeiro pedido das centrais fosse que ele retirasse um projeto do Executivo antigo do Fernando Henrique Cardoso, que tratava exatamente do ‘acordado sobre legislado’, que já havia sido aprovado na Câmara e que estava no Senado. Na primeira reunião que tivemos com o presidente Lula, foi uníssono as centrais pedirem ao presidente que retirasse aquele projeto (da pauta), porque aquilo era altamente danoso aos trabalhadores. A reforma trabalhista recuperou isso com a 611A e a 611B, que é o conjunto de medidas ou de legislação de artigos que compõe a tal da do acordado sobre o legislado.
Pois bem, eu disse e eu vou repetir que o movimento sindical sempre fez negociação do acordado sobre o legislado, sempre fizemos. Sempre. Se você pegar qualquer convenção coletiva do sindicato mais frágil do Brasil, ele tendo o acordo coletivo com a empresa, ele sempre fez acordado sobre legislado, mas sempre para melhorar o conteúdo da CLT. A 611A e a 611B foram introduzidas para permitir que você pudesse fazer um acordo sobre uma lei, mas prejudicando o trabalhador, tirando o que se chama de ‘direitos fundamentais’, que estão explícitos lá no artigo 7 da Constituição. Então, a gente questionou isso na Justiça, no Supremo. (Atualmente), está valendo acordado sobre legislado e não precisa ter compensação.
Porque alguns sindicatos negociam ‘eu entrego isto, mas compensa com aquilo’. Hoje em dia não, entrega (direitos) e acabou. Por isso que nós somos contra isso. Eu usei esse exemplo. Inclusive no sindicato que eu tenho a honra de presidir (SindPd), conseguimos a jornada de 40 horas semanais. A Constituição prevê 44. A maioria dos sindicatos do Brasil têm jornada de 44 horas semanais. Nosso acordo coletivo é de 40 horas semanais, por exemplo. Então, eu fiz o ‘acordado sobre o legislado’, ou seja, a lei diz que é 44 horas e a nossa convenção diz que são 40 horas, e as empresas praticam. Eu não posso acordar em 48 horas, porque isso é direito fundamental para a Constituição. Não posso aumentar, mas eu posso reduzir, melhorando as condições para os trabalhadores.
Então, a gente sempre fez isso. Agora, para poder prejudicar os trabalhadores, só a partir da reforma. É por isso que precisa revogar. Por isso que precisa melhorar para refazer. E a nossa proposta é essa. Nós propusemos que fizéssemos um novo Código Brasileiro do Trabalho. A CLT vai fazer 80 anos agora em maio. Então seria justo você apresentar um código moderno, que inclua as plataformas digitais, que é uma discussão que está sendo feita em paralelo a todo esse processo, para criar uma legislação específica para isso.
É preciso criar um novo código Brasileiro de Trabalho que também possa contemplar isso, o funcionalismo público na questão da negociação coletiva, a relação da organização sindical, a questão do financiamento do movimento sindical. Ou seja, é isso que nós estávamos discutindo com o presidente Lula. As pessoas não têm ideia do que significa isso. Por isso, é muito importante a sua pergunta.
2 – Outro ponto é o fim da ultratividade causado pela reforma trabalhista. Por que isso foi ruim para o trabalhador?
Antonio Neto: A ultratividade significa o seguinte eu tenho uma convenção coletiva ou mesmo um acordo coletivo. A convenção é a categoria, o acordo é a empresa, que diz o seguinte: a vigência da convenção é, por exemplo, de um ano: de 1 de janeiro até o último dia do ano, até 31 de dezembro. A ultratividade que havia na legislação diz o seguinte: enquanto o eu não assinar o novo acordo coletivo, a nova convenção coletiva que modifique aqueles termos, continua valendo aquilo que eu tinha. Agora, não. Com o fim da ultratividade, significa que quando termina a vigência da convenção, do acordo coletivo, não temos mais o direito.
Ele passa a ter a legislação trabalhista prevista na CLT e nada mais. Todas as conquistas que você acumulou ao longo de toda sua história morre no dia que encerra a vigência do acordo coletivo. Por isso que é necessário outra realidade para garantir que, enquanto eu estou negociando ou forço a empresa a negociar, eu tenha aquele direito continuado.
A reforma trabalhista também fez isso e é uma coisa que nós vamos ter que rever. Vamos ter que tirar de lá e manter a ultratividade, garantir pelo menos por mais dois, três anos. É uma coisa muito interessante: quando se fala em reforma trabalhista, a única coisa que a grande massa acha é que foi (apenas) o fim da contribuição sindical.
Foram mais de 103 artigos que mexeram na vida do trabalhador. Fala de ultratividade, fala de acordado sobre o legislado, está falando de trabalho intermitente, está falando de autônomo, com vínculo. Aquela história de você não ter justiça gratuita, tantas coisas, homologações, são tantas coisas que impactam diretamente na vida do trabalhador.
3 – Com o fim do imposto sindical, qual a saída para financiar os sindicatos e suas estruturas para atuarem em defesa dos interesses do trabalhador com mesmo vigor que já tiveram no passado?
Antonio Neto: É…a contribuição sindical, que é a sustentação financeira das estruturas sindicais, do modelo sindical brasileiro. Ele pressupõe que as convenções, os acordos coletivos, chamado Erga Omnes, ou seja, vale para toda a categoria. E esse modelo, o que financiava essa possibilidade é exatamente a contribuição sindical, que todo mundo compulsoriamente pagava um dia do seu trabalho.
Com isso, todo mundo tinha direito a todos os itens do acordo. A convenção coletiva, a representação erga omnes é o que a gente não quer abrir mão. Nós somos categoria, não somos um clube para representar só o sócio. Mas hoje a coisa está muito pesada sobre o ombro dos associados, a manutenção fica por conta dos associados.
Então, se você tem uma categoria grande, a maioria não quer contribuir para o sindicato. Quem é sócio é que contribui para manter a estrutura e todas as conquistas que o sindicato possa fazer. Seja aumento de salário, vale refeição, PLR, auxílio creche, complementação, auxílio previdenciário. Aumento nos dias de licença de casamento, por exemplo. A CLT dá três dias, você aumenta pra cinco dias. Todas essas coisas valem para todos os trabalhadores abrangidos por aquele sindicato, mas quem está mantendo a entidade sindical são os sócios.
Então, hoje em dia parece que é ‘otário’ aquele que fica sócio do sindicato. Porque se o sindicato firmar um acordo, vale para todo mundo. Aquela contribuição (compulsória) que vinha e que sustentava financeiramente o sindicato e que todo mundo contribuía, acabou. Hoje em dia ela é opcional. Ela não é compulsória. Então, o que está sendo discutido é que tipo de contribuição para sustentar a estrutura sindical.
As pessoas não têm ideia e acho que isso vale a pena sempre ressaltar. A média salarial no Brasil está em torno de R$ 2.700. Eu vou fazer um arredondamento para R$ 3.000 para fazer o cálculo. Como você. A grande reclamação da contribuição compulsória, que custava um dia de trabalho. Um dia de trabalho de um salário de R$ 3.000 são R$ 100. Era descontado uma vez por ano, em março, e isso era o dinheiro que sustentava o sindicato.
Aí vêm os direitistas, o Bolsonaro e: ‘olha o sindicato, serão R$ 4 bilhões’. Mas se você pegar a média brasileira (R$ 3.000), se você dividir isso por 12 meses, dá R$ 8,33 R$. Esse é o custo que o trabalhador tinha para sustentar o seu sindicato e que para o seu sindicato, só iria cerca de 60%.
Do valor, 15% vai para a Federação, 5% para a Confederação, 10% para a Central que o sindicato é filiado e 10% para o sistema, seguro-desemprego. Agora, como é que se sustenta a estrutura sindical, sindicatos, confederação, federação e central sindical? Porque o patronato, e as pessoas também não sabem disso , já tem um financiamento pelo sistema S.
Ele desconta 2,5% da folha todos os meses para o sistema S, tudo bem que não vai tudo para o patrão, pois tem o Sesc, tem o Senac, o Sesi, a indústria tem o Sesi, o Senai, mas, por exemplo, a indústria que recebe, como taxa de administração de tudo o que é arrecadado pelo sistema S, cerca de 7%. Isso é muito. Isso dá mais de bilhão por ano.
Então a estrutura patronal está totalmente mantida e alimentada com recursos do povo trabalhador. Mas para o sindicato não pode ter dinheiro porquê? Porque dá força, dá estrutura, dá (setor) jurídico, dá equipamentos, para que a gente possa fazer o enfrentamento ao capital. Então vamos ter que discutir isso.
Hoje se discute qual vai ser o modelo de financiamento para os sindicatos. A Constituição já diz isso no artigo oitavo, inciso quarto. É a contribuição confederativa que hoje, por força de uma súmula do Supremo, só pode ser descontado do associado. Talvez uma das alternativas seja revogar no Supremo essa súmula, e deixar para toda a categoria, porque ela diz que, se tratando de categoria, vai ser descontado o pagamento para todos os trabalhadores.
E aí está definido o sistema confederativo. O Sindicato, Federação, Confederação e Central, então o dinheiro arrecadado será dividido aos entes do sistema confederativo. Existe uma outra (possibilidade), que é a contribuição negocial. Havia uma previsão na lei das centrais que a gente extinguiria a contribuição sindical ao longo de um tempo e nesse tempo você substituiria por uma contribuição negocial que seria definida em assembleia.
E aí as distribuições também iriam para o sistema confederativo. Então o movimento sindical agora se reúne nesse modelo de reforma, que nós queremos fazer uma contrarreforma, que chamaram de ‘revogação’, e dizer como é que nós vamos aportar, nesse momento, a forma de sustentação do sistema sindical brasileiro. Ainda não está definido. Teria as duas que eu expliquei para você. A única que a gente acha que terá muita dificuldade de voltar é exatamente a contribuição sindical, criada por Getúlio em 1943, por conta do grande ataque que há por parte das elites brasileiras contra essa contribuição. Ela é a mais justa. Então posso dizer que o movimento sindical defende, inclusive, que você defina em assembleia a contribuição que os trabalhadores devam contribuir para a sustentação da sua entidade.
4 – Qual o maior desafio para reconstruir a imagem dos sindicatos perante a sociedade brasileira?
Antonio Neto: Começou com a própria reforma trabalhista, com as perdas que os trabalhadores tiveram. Estamos acompanhando agora um momento muito difícil para os trabalhadores comerciários, com a quebra da das Lojas Americanas. Quem é que vai correr atrás dos donos das Lojas Americanas para cobrar deles? De um acordo para os trabalhadores? Todo mundo sabe que serão os sindicatos. Como é que fica isso num golpe que foi feito contábil e que remunerou os acionistas em mais de 2 bilhões nesse período e contabilizou lá um déficit de 40 bilhões?
Olha, veja você que as coisas vão aparecendo e mostrando a importância do sindicato. Aconteceu isso com o Mappin. E quem é que foi à justiça para garantir que os trabalhadores recebessem aquilo que lhe era de direito? Foram os sindicatos. Por isso, ao longo de todo esse tempo, com as homologações da maneira que têm sido feitas, com as fraudes, com os erros ou as não-homologações que os trabalhadores têm visto agora, os trabalhadores vão perceber que foram enganados.
Tem uma narrativa de que trabalhador não precisa de sindicato. Pelo contrário, eu até uso sempre a frase de Lacordaire, iluminista francês, que diz: ‘Entre o fraco e o forte, entre o rico e o pobre, entre o patrão e o empregado, é a lei que liberta, e é a liberdade que escraviza. E a CLT? Ela é uma lei. Ela está prevista na Constituição. Nós vamos ter que trabalhar cada vez mais e orientar os trabalhadores sobre a importância dos sindicatos. E aí a elite, especialmente a ultradireita, os liberais, os neoliberais, querem que a relação seja do indivíduo com a empresa, seja do empregado com a empresa, e não uma relação coletiva. Você sabe por quê?
Porque as entidades sindicais são exatamente um amortecedor de ataque aos direitos dos trabalhadores. Se for uma relação individual, o patrão chega e apresenta, ou você assina, ou você assina. Senão, te manda embora. Então vamos ter que fazer um trabalho de dizer para os trabalhadores e convencê-los cada vez mais da importância do seu sindicato, na medida que eles perdem direitos e dignidade.
Na vida, muitas vezes, você só valoriza as coisas quando perde. Muitos estão aprendendo. Hoje são 40 mil trabalhadores das Americanas em todo o Brasil. Provavelmente eles vão descobrir agora a importância do papel dos sindicatos nesse momento de insegurança, nesse momento de que não sabe se amanhã ele terá emprego. Se ele vai receber os seus direitos, se a empresa pagou corretamente os impostos que tinha que pagar, o fundo de garantia, o INSS, para garantir a sua aposentadoria ou ter o dinheiro guardado dentro do FGTS.
Será uma luta muito grande, uma luta cotidiana de a gente poder fazer com que mude a narrativa. Nós perdemos essa narrativa durante a reforma trabalhista, a narrativa de que o sindicato tem uma importância e um papel fundamental não só para os trabalhadores, mas principalmente para a democracia.
5 – O presidente sinalizou pela isenção do IR para ganha 5 mil reais por mês. Como as centrais avaliam esse tema?
Antonio Neto: Cinco mil reais parece ser um número ‘mandrake’, não sei se vocês conhecem o Mandrake, o mágico de história em quadrinhos, né? Mas se você pegar os valores da tabela do Imposto de Renda e corrigir pela defasagem dos anos que ela está sem correção, ou seja, somando todos anos, a defasagem de todos os anos, que nós tínhamos um déficit e uma defasagem, ele bate em cinco mil. “Eu vou isentar todo mundo até 5 mil”. Não é isso. Isso é o que a tabela está devendo para todos os trabalhadores.
É por isso que a grande luta nossa é de cobrar efetivamente do governo que nós precisamos fazer essa isenção, limpar essa defasagem de todo esse tempo, que vem desde lá de Fernando Henrique. A última (correção) foi em 2015, feita pela presidenta Dilma. Depois não teve mais correção. Ainda precisamos resolver esse problema e talvez fazer uma legislação, que é o que nós propusemos. Vamos pedir a criação de uma legislação que corrija anualmente a tabela do imposto de renda pela inflação do período anterior. Então, quando nós fizermos a legislação do aumento do salário mínimo, poderíamos fazê-la conjuntamente com essa legislação.
Esse é um item dessa legislação (nova) e que a gente possa falar na tabela do Imposto de Renda, porque essa massacra não só o trabalhador, mas principalmente a classe média. No Brasil, você pegar um salário hoje de R$ 4.600, está pagando 27,5% de imposto de renda. Aliás, um salário mínimo e meio vai pagar agora 7,5% de Imposto de Renda.
Então, todas as conquistas que você possa fazer para os trabalhadores de aumento, elas são mordidas pelo Leão. Você troca de faixa e de repente você está pagando 27% de IR. É uma luta muito grande. É outra luta nessa discussão com o presidente e com o governo, essa questão da tabela do Imposto de Renda.
Outra coisa: E por que é que nós temos que tributar o PLR (Participação nos Lucros e Resultados) se os lucros, os dividendos que o patrão recebe não são tributados? Porque quando o trabalhador vai receber, tem que pagar no imposto de renda? Que coisa maluca! Olha que a gente já conseguiu dar um ‘bypass’, ou seja, para dar uma passada de mão por cima e colocar uma tabela especial para isso.
Então nós também vamos lutar pela isenção na PLR, porque não tem porque pagar no imposto de renda. Se o patrão não paga, quando ele recebe o dividendo, recebe lucros, porque é que o trabalhador tem que pagar? Porque esse é o mais fácil de cobrar. Está no holerite, no demonstrativo de pagamento e por isso que é cobrado.
6 – Qual a importância de se criar uma política de valorização do salário-mínimo?
Antonio Neto: O maior fator de distribuição de renda nesse país é o salário mínimo. Então você tem que ter o salário mínimo digno. Você sabe que o DIEESE, que é o Departamento Sindical de Estudos Estatísticos, mantido pelo movimento sindical, aponta que para atender o salário mínimo previsto constitucionalmente, seria necessário um salário de 6.500, 6.300 reais.
Nós estamos com R$ 1.302, a distância muito grande. Então, o que nós fizemos lá atrás com o presidente Lula foi de criar uma política de recuperação ao longo dos anos. Quando fizemos, pensamos em 20 anos, pra alcançar um patamar em que você tivesse um salário digno. Não sei se você sabe, mas o salário mínimo nos Estados Unidos são 15 dólares a hora. Se você multiplicar 44 horas por semana, vai ver que você tem um valor de salário mínimo razoável (cerca de 2.500 dólares). Você vai na Europa e o salário mínimo é razoável. Por que é que no Brasil você não tem? É de suma importância o fato de que é o salário mínimo que também remunera a base da pirâmide do INSS.
As pessoas desconhecem, mas 60 ou 70% dos municípios do Brasil, a receita do município e do Fundo de Participação dos Municípios é menor do que a soma dos salários dos aposentados daquele município recebem. Isso faz com que a economia daquele município gire por causa do salário mínimo, por causa da receita. Então, ter uma política de Estado de recuperação ao longo do tempo, do valor real e necessário do salário mínimo é profundamente importante, necessário. Eu acho que nós perdemos quando fizemos uma legislação no Congresso Nacional com data finita, ou seja, ela foi feita de 2011 a 2018, acabou em 2018.
A partir de 2019, 20, 21, 22, não há legislação. Em que pese o salário mínimo esteja nesse valor de R$ 1.302, nós apontamos à Presidência da República a necessidade de lembrar daquele acordo, aquela lei. O salário mínimo deste ano de 2023, sem contar a perda que tivemos naqueles anos em que nós não tivemos reajuste do salário mínimo, seria de R$ 1.343 contra os R$ 1.302, que é o que está hoje vigente.
Então é muito importante e nós vamos discutir. O presidente soltou uma em despacho para que o ministro trabalhe, organize uma comissão de empregadores e trabalhadores, onde nós vamos discutir uma política para o salário mínimo, para ser encaminhado ao Congresso Nacional, para virar uma lei. É bom lembrar que foi durante o governo Lula (2002) que nasceu essa política.
Na época, foi feito um acordo entre as centrais sindicais e o presidente da República. Ele cumpriu plenamente esse acordo, que só veio virar lei em 2011, já no primeiro mandato da presidenta Dilma. É o presidente que fomenta o salário mínimo. Então, o presidente Lula cumpriu aquela legislação, que é muito simples. Ela é a inflação do ano anterior, ou seja, está atualizando o salário pela inflação do ano anterior, mais o aumento real pelo PIB de dois anos antes, por exemplo. Em 2023, nós teríamos a inflação de 2022, o INPC de 2022, que é igual a 5,93%, e o PIB de 2021, que foi 4,60%. Então, se você aplicar isso aqui, vai dar 10,53% (de reajuste).
Esse deveria ser um aumento em cima dos R$ 1.212, indo para os R$ 1.343, por exemplo. Nós vamos discutir se essa é a melhor proposta. Se é uma média de dois a cinco anos de PIBs ou achar uma fórmula de dizer como é que você aplica a inflação mais aumento real para poder recuperar o salário. Mas é fundamental isso como distribuição de renda, nada mais digno que salário.
Você faz com que toda a população, toda a sociedade cresça, porque esse dinheiro, ninguém investe em bolsa. Quem recebe salário mínimo vai no mercadinho da esquina, na padaria, no armazém da loja, vai poder consumir com aquele dinheiro e ele retorna quase que em dobro em impostos para o próprio governo. Salário-mínimo é injeção na veia da economia, assim como o auxílio Bolsa Família, que você dá para as famílias mais vulneráveis.
Aquele dinheiro também volta para o governo, porque volta em aquisição de mantimentos, aquisição de roupa, gastos com transporte. Todas essas coisas são fundamentais.
(Por Thiago Manga)
(Foto: Divulgação)