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Reversão vacinal – Nos últimos anos, um dos principais movimentos antivacina do Brasil está se desenvolvendo em grupos de Telegram, onde médicos negam a eficácia das vacinas e promovem tratamentos “alternativos” não comprovados e potencialmente perigosos para desintoxicação da vacinação COVID-19.
Além disso, muitos desses médicos estão vendendo produtos de desintoxicação (detox) e prometendo a reversão de vacinas por meio de mensagens de WhatsApp.
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O médico Marcos Falcão, através de seu telefone comercial, enumera os serviços oferecidos, incluindo “Tratamento precoce”, “tratamento pós-Covid”, “tratamento Covid” e “solicitação de exames”.
A reportagem da TAB UOL entrou em contato por WhatsApp e simulou uma consulta, após acessar grupos antivacina pelo Telegram, além do grupo “Médicos pela Vida”, conhecido por defender o chamado tratamento precoce e semear dúvidas sobre a eficácia das vacinas contra a Covid-19.
Falcão explicou que as consultas virtuais são realizadas através de mensagens e áudios, podendo ocorrer chamadas telefônicas se necessário. Ele oferece um “detox vacinal” ao preço de R$ 470, prescrevendo medicamentos comprovadamente ineficazes como ivermectina, vitaminas, anti-inflamatórios e uso de “aspirina 100 mg por dia pelo resto da vida”.
Além disso, recomenda a realização de vários exames para desintoxicar os “efeitos nocivos da vacina”.
O médico, ativista bolsonarista antivacina e youtuber
Falcão, que se apresenta como “Cidadão livre para dar minhas opiniões” no Instagram, possui um canal no YouTube com mais de 287 mil inscritos, no qual posta vídeos criticando o atual governo e apoiando o ex-presidente.
Seu perfil na rede social possui mais de 72 mil seguidores. O contato comercial divulgado em sua página também anuncia que o médico assina atestados que isentam a vacinação contra a Covid-19.
Por WhatsApp, Falcão apresenta uma lista de doenças e condições que isentam o paciente de se vacinar. Mesmo sendo informado que o paciente não apresenta nenhuma dessas doenças, o contato responde que o médico pode emitir o atestado mesmo assim, exigindo apenas a realização de alguns exames.
Ao fim da conversa, Falcão informa que o tratamento tem duração de quatro semanas e solicita que o cliente entre em contato para informar quais foram as melhoras e os sintomas, a fim de fazer ajustes.
Quando procurado para dar informações, Falcão se recusou a conversar, alegando que a abordagem era “mau uso da profissão” e quebra de sigilo médico-paciente. O Conselho Federal de Medicina (CFM) afirma que a comunicação entre médicos e pacientes pelo WhatsApp não pode ser considerada como telemedicina ou um espaço para consultas regulamentadas, devendo ser utilizada apenas para tirar dúvidas e manter contato.
Em relação à prática do “detox vacinal”, o CFM se manifestou em nota afirmando que não comenta casos específicos e que qualquer denúncia contra médicos deve ser encaminhada inicialmente ao Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado onde ocorreu o episódio.
De acordo com o Ministério Público do Paraná, a prescrição de substâncias inócuas, que por si só não causam nenhum dano, pode configurar prática de curandeirismo e ser considerada como crime, conforme o artigo 284.
“Reversão vacinal”
Maria Emilia Gadelha Serra, otorrinolaringologista e fundadora da Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), por exemplo, oferece uma “terapia de reversão vacinal” por R$ 1,8 mil em seu consultório em uma área nobre de São Paulo.
Maria Emilia é uma das principais vozes do movimento antivax no país e ganhou projeção em 2014, combatendo a vacina contra o HPV. Em 2022, saiu candidata a deputada federal por São Paulo pelo PRTB, mas não foi eleita.
O neurocientista José Augusto Nasser, outro nome que desponta em referências no Telegram, vende um curso chamado “Detox Covid-19” por R$ 497, tendo em seu “protocolo pós-vacina para desintoxicação” ivermectina, chás, vitaminas e zeólita – um suplemento mineral proibido pela Anvisa – para acabar com os “elementos nocivos” como a proteína spike e “metais pesados”; não há metal pesado em vacinas.
Em conversa pelo WhatsApp comercial do médico, foi dito:
“As consultas são online e custam R$ 800. A consulta será feita por videochamada no WhatsApp pelo Dr. Nasser”.
Ednir Nascimento, um “especialista em tecnologias biofísicas aplicadas à saúde”, afirma que seu “tratamento de desintoxicação através da biorressonância” pode anular a frequência da vacina. Segundo ele, “a vacina tem frequência. Eu uso uma frequência que anula seus efeitos deletérios”.
São de 5 a 10 sessões que custam de R$ 80 a R$ 100 cada uma. A consulta para diagnóstico é de R$ 300 e não há restrição de idade
Os médicos não comentaram sobre a reportagem, exceto Nasser, que afirmou que “seu tratamento é baseado em suplementos vitamínicos e medicamentos, além de tratamento de Covid longa”.
O que dizem especialistas
O Conselho Federal de Medicina (CFM) não autoriza a prática de ozonioterapia no Brasil e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de zeólita, um suplemento mineral.
Além disso, o advogado e especialista em Direitos do Paciente, Luciano Brandão, destaca que qualquer médico tem a autonomia para prescrever o tratamento que acredita ser o mais adequado, mas deve informar o paciente sobre as características e riscos do tratamento e assumir a responsabilidade por eventuais efeitos adversos decorrentes da prescrição.
“É obrigação do médico informar o paciente detalhadamente sobre as características e riscos do tratamento, bem como assumir a responsabilidade por eventuais efeitos adversos decorrentes de sua prescrição. O paciente que eventualmente sofrer danos ou se sentir lesado por uma prescrição sem embasamento científico pode questionar a responsabilidade do médico tanto na esfera judicial como na esfera ético-profissional pelo seu CRM”, reitera Brandão.
A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, também alerta para a desinformação que pode estar relacionada à venda de produtos, desde livros até tratamentos alternativos, que afirmam livrar os indivíduos dos “males da vacina”.
“Você inventa um problema para vender a solução… a desinformação pode estar relacionada a produtos, seja um livro, um DVD, uma newsletter ou um estilo de vida natural que vai te livrar dos ‘males da vacina”, conta Pasternak.
O que é Detox?
O termo “detox” é frequentemente utilizado na mídia e em campanhas de marketing como uma forma de desintoxicação do organismo.
A ideia por trás do detox é que nosso corpo acumula toxinas que podem ser eliminadas por meio de dietas restritivas e/ou suplementos alimentares.
No entanto, não há evidências científicas que comprovem a eficácia dos produtos de desintoxicação.
Na verdade, o fígado, os rins e o sistema linfático do corpo humano já possuem mecanismos naturais de desintoxicação, eliminando toxinas e resíduos do corpo de forma eficaz.
Portanto, o uso de produtos de desintoxicação pode ser desnecessário e até mesmo perigoso.
Evidências científicas
A reversão de vacinas é uma alegação falsa e perigosa que tem sido promovida por alguns médicos negacionistas.
A ideia por trás dessa prática é que as vacinas causam mais mal do que bem, e que é possível reverter seus efeitos por meio de terapias alternativas.
No entanto, não há nenhuma evidência científica de que isso seja possível. As vacinas funcionam estimulando o sistema imunológico do corpo para que ele possa reconhecer e combater um determinado vírus ou bactéria. Uma vez que o sistema imunológico tenha sido estimulado, não é possível “reverter” o processo de imunização.
Os riscos associados à prática da reversão de vacinas são muito elevados. A falta de vacinação pode levar à disseminação de doenças contagiosas, como o sarampo e a poliomielite, que podem causar sérios problemas de saúde e até mesmo a morte.
(Com informações de TAB UOL)
(Foto: Reprodução)