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Congresso do PSOL – É o mínimo que se pode dizer do artigo de Valerio Arcary na revista Fórum, onde, publicamente – o que nos obriga a resposta pública -, comete algo inexplicável quando se leva em conta a sua trajetória política.
Conheci Valério no fim da década de 80. Convivi com ele, quando exercia liderança da Convergência Socialista dentro do saudoso PT, e posteriormente como dirigente do PSTU. Mais que camaradas, chegamos a construir amizade. Na disputa da presidência do PT em 1997, no Hotel Gloria, tive-o ao meu lado. Lá estava como convidado, mas claramente tinha preferência pela minha candidatura, que perdeu por mínimos pontos porcentuais para José Dirceu. Fazia sentido. Era uma disputa programática que estava em jogo, e que se estendeu ao Congresso seguinte, de Belo Horizonte, onde se pretendia sacar o conceito de socialismo como objetivo estratégico do programa partidário. E com Lula e o então presidente da CUT fazendo boca de urna junto aos delegados em favor de José Dirceu, fica fácil concluir por quem lutava contra a proposta transformista.
Opinião: “O problema da violência e o teatro da caça ao fascismo”
ESTOU À VONTADE, portanto, até porque me inscrevi entre os mais entusiasmados com a vinda de Arcary para o Psol, para declarar minha profunda decepção pessoal. Por sua incontestável bagagem teórica e sua capacidade inconteste de argumentação, Arcary joga com tudo para produzir uma das mais contestáveis peças analíticas que vi em toda a minha vida política. Um dos mais manipulados relatórios.
VAMOS AO GRÃO, na sequência dos pontos assinalados no texto de Valério.
1- É falso dizer que o “bloco minoritário” pretendesse levar o Partido para a oposição ao governo Lula. Pelo contrário. É no bloco minoritário – Glauber Braga, Sâmia Bonfim e Fernanda Melchiona à frente – que o Psol externamente mais expressa a repulsa às ameaças fascistas contra o governo Lula. Aliás, são eles os alvos principais de ameaças com códigos de ética pelo confronto permanente com Artur Lira e seus acólitos no covil parlamentar. Não é Guillherme Boulos, nem é o “vice-líder” Henrique Vieira. E Glauber fez questão de deixar claro, isso, na defesa de tese, anunciando claramente a posição de defesa do governo contra qualquer tentativa golpista. O “bloco minoritário” está na linha de frente na defesa contra as ameaças fascistas, e Valério finge desconhecer, impondo falsos propósitos.
A diferença tática fundamental está no fato de que quem realmente cumpre decisões partidárias de independência, gravadas em anterior Resolução Congressual, é o “bloco minoritário”. Porque é este bloco que não se permite o imobilismo diante das concessões explícitas do governo lula vem fazendo, institucionalmente, ao abominável “centrão”, e socialmente aos maganos do grande capital. Foi por pressão do “bloco minoritário” que a bancada terminou por votar contra o “calabouço fiscal”. A depender do que foi divulgado na época por representantes da dita “Revolução Solidária”, o Psol votaria o que a Faria Lima aplaudiu de pé após aprovado. Como votou na contra-reforma tributária favorável ao empresariado, e onde Glauber, Sâmia e Fernanda se recusaram a compor maioria necessária a uma PEC.
Não é demais citar aqui o, bem mais que antagonismo, verdadeiro oxímero produzido po Valério numa laive da revista em que publicou suas “reflexões” – o “Café do Forum”, onde num mesmo período do discurso classificou como extremamente positivos os nove primeiros meses do governo Lula, para reconhecer – diante de contraponto apresentado – que sua Economia Política é pautada pelos paradigmas neoliberais, ao propor déficit zero no próximo ano, o que resultaria numa tragédia social. A partir de uma leitura, com base no marxismo, ou um ou outro. Os dois juntos é que não convivem. E Valério sabe disso como ninguém. Que ele explique o absurdo.
2- A “dramaticidade” da vitória por um voto, que permitiu ao campo de Valério ter direito às duas primeiras escolhas de cargo na Executiva, omite que, para chegar a esse “beiço de pulga”, três delegados do setor mais moderado do “bloco minoritário” foram “subtraídos” das votações no segundo dia do Congresso. O que os “convenceu”, Valério poderia nos esclarecer, porque certamente não foram “convencidos” por coordenadores de seu próprio campo. Esses três votos permitiriam ao “bloco minoritário” a segunda escolha. Cabendo à corrente MES, de Sâmia Bomfim e Fernanda Melchiona, com o apoio do Fortalecer, de Glauber Braga e Erundina, ficar com a terceira chamada – a presidência da Fundação Lauro Campos/ Marielle Franco, instrumento legalmente autônomo financeira e politicamente, fundamental na promoção de debates e seminários de formação política do Partido -. O que certamente não foi nada agradável, pessoalmente, para o bravo Valério, a haver concretude nos comentários anteriores de que a ele caberia tal posto, pela fidelidade a Boulos, caso o golpe regimental tivesse prosperado.
3- A aliança do “bloco minoritário” com os Independentes da Bahia – que têm política regional pragmática, embora votem historicamente com o Fortalecer, corrente do “bloco minoritário” que abriga Glauber, Erundina e este escriba entre muitos outros militantes partidários e sindicais, nos Congressos nacionais – não é mais “esdrúxula” do que a aliança da corrente de Valério com o campo majoritário moderado do Psol. Porque é difícil compreender a composição de quem tem história gravada na Convergência e no Pstu, antes de chegar ao Psol, com um campo cuja linha ideológica lhes foi sempre oposta. Mas o “transformismo” que acomoda revolucionários cansados está aí para fazer compreender tal pacto de anormais.
4- A “tensão” entre Partido e destino da Fundação não deveria ser lembrada por Valério. Até porque tem pouco tempo de vivência com o Psol, deveria se poupar de reflexões sobre bastidores com os quais nunca teve intimidade. Porque é na disputa da presidência da Fundação que se daria o golpe regimental do grupo de Boulos contra o “bloco minoritário”. Tentaram ficar não só com as duas chamadas da Executiva, como também com a Presidência da Fundação. E o que Valério conta, quanto a cisões no “bloco majoritário” que teriam impedido tal atropelo, revela ato falho, sentimento de culpa, por não querer citar especificamente sua aliança interna – o grupo Semente – , onde um militante histórico, trotsquista daqueles que não se rendem nem se vendem, se opôs, impedindo o acordo da Resistência de Valério com as hegemônicas correntes Revolução “quando der”/ Primavera.
5- Neste item está o ponto marcante quanto ao caráter do relatório de Valério: a distorção de fatos, além de outro ato falho, agora quanto à subalternidade expressa do bloco majoritário com respeito a Lula e ao neoPT. Trata como constrangedora a corajosa intervenção de Fernanda Melchionna na abertura do Congresso, por ela denunciar o golpe da Fundação que estaria em marcha neste Congresso. E se explica o constrangedora. O neoPT se fazia presente na mesa, por meio de dois nomes menores da sua cúpula, e o objetivo era transformar a festa numa apoteose de louvores ao aliado referencial, cujo apoio é determinante para a campanha de Boulos em S. Paulo.
Ou seja; por cima da louvação ao próprio Congresso, estava o interesse em bajular, em falas sequenciais, o grande patrono. A realidade e o desdobramento do Congresso mostraram que constrangimento deve ter tido Boulos, ausência total no segundo dia, fazendo com que seus “incondicionais” se ocupassem das votações.
MAIS GRAVE, no entanto, é a forma leviana como Valério trata o que foi uma agressão covarde, pelas costas, de um lumpen de seu campo contra um dirigente histórico do Psol. Ato de agressão comprovado pela exibição de vídeos por todos os ângulos, os quais Valério não leva em conta por razões que só ele sabe explicar.
HÁ ITENS MAIS no relatório de Valério, que pode ser lido na matéria compartilhada, mas que não merecem comentário diante do que já foi mostrado aqui. Não posso deixar de parafrasear, no entanto, a última frase de Valério, na sua louvação ao novo ícone, Guilherme Boulos: “quem não compreende isso, não entendeu nada”.
Entendeu sim, Valério. Só não foi engabelado.
LUTA QUE SEGUE, na esperança de te ter de volta
Por Milton Temer, jornalista, ex-deputado, um dos fundadores do PSOL
*Texto publicado originalmente nas redes sociais
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente