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Sobre as medidas anunciadas por Haddad –
Entre as tributárias, a que me parece realmente sólida é a reversão das desonerações contratadas no governo Bolsoguedes. Nesse bolo, deve haver um montante considerável de recuperação de recursos — quiçá cerca de R$ 100 bi.
O resto me parece meio torta no céu (tradução livre de “pie in the sky”). Dito isso, eu não acho que exista qualquer necessidade de transformar um déficit nominal de mais de R$ 200 bi em superávit em menos de 1 ano.
Gosto que estejamos discutindo o déficit nominal.
O déficit nominal inclui as despesas financeiras — juros da dívida + amortizações — que aumentaram brutalmente devido, também, a elevação da Selic. Na cartinha de explicações sobre o não-cumprimento da meta inflacionária, o BACEN admitiu o peso da inflação externa.
Já argumentei em artigo para o Substack (assinem lá, pois o conteúdo é original e exclusivo) que se a inflação doméstica veio, sobretudo, do exterior, aumentos brutais de juros são, no mínimo, questionáveis.
O que fazem os juros altos, entretanto, é aumentar os rendimentos dos detentores de títulos públicos, reservando pouco espaço para que os recursos públicos possam atender diferentes segmentos da população.
“A discussão da austeridade pela austeridade, e sobretudo, da auteridade pela austeridade o quanto antes está ultrapassada no mundo”
A interface entre política monetária e fiscal é parte muito importante do conflito distributivo brasileiro. Logo, a ênfase no déficit nominal é fundamental.
Agentes do mercado, aparentemente, mostraram azedume com “a falta de medidas para frear os gastos”.
A discussão da austeridade pela austeridade, e sobretudo, da auteridade pela austeridade o quanto antes está ultrapassada no mundo. O Brasil não tem essa pressa toda. Até porque, boa parte do que chamamos de dívida pública são títulos usados para as operações compromissadas.
Fatorelli: Lupi acertou ao dizer que não há déficit na Previdência
Nas compromissadas temos, novamente, o enrosco entre política fiscal e política monetária, outro problema que precisamos resolver.
Como? Usando depósitos remunerados como instrumento de regulação de liquidez, à exemplo do que fazem outros bancos centrais.
Devidamente consideradas, as compromissadas não são dívida. Logo, se as excluíssemos do estoque de dívida bruta teríamos uma razão dívida/PIB bem menor do que aquela que assombra alguns.
Isso significa que temos tempo para pensar sobre as despesas. Apressado come cru.
Monica de Bolle é PhD em Economia na London School of Economics e professora na Johns Hopkins University
Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.
(Texto originalmente publicado no Twitter)
(Foto: Montagem/ Reprodução)
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