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Mulheres do Afeganistão – A minha amiga iraniana postou uma foto enviada por uma amiga afegã dela. Um ponto preto pintado na porta de um prédio em Herat: “Durante a noite, os soldados do talibã marcaram em preto ou em vermelho as casas das ativistas, dos funcionários públicos, dos jornalistas e de qualquer pessoa que tenha trabalhado com alguma instituição ocidental”.
Ser iraniana é assim; ter uma distância de no máximo uma amiga com alguma mulher no Afeganistão. Geograficamente (os dois países têm quase 1000 km de fronteira comum) e culturalmente (metade da população afegã fala dari, uma língua persa); também não há muito que nos separe. Mas foi na luta que aprendemos a ser irmãs.
Durante a guerra civil (anos 80) no Afeganistão, muitos chegaram ao Irã em busca de paz e trabalho. O Irã, que por sua vez também estava em guerra com o Iraque, nunca os acolheu dignamente. Sempre houve discriminação, tanto da parte do Estado, quanto da população, no que concerne os imigrantes afegãos.
Demorou para que finalmente uma parte da sociedade civil iraniana começasse a falar do assunto, a participar ativamente do acolhimento dos imigrantes, da legalização da educação das crianças afegãs sem carteira de identidade nas escolas públicas e da autocrítica sobre a xenofobia iraniana.
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Durante as últimas duas décadas, o Irã teve mais baixos (durante os dois mandatos de Ahmadinejad e durante o segundo mandato de Rohani) do que altos (primeiro mandato do Rohani e o acordo nuclear). Parecia que nesse período, as irmãs afegãs estavam fazendo mais progresso do que nós.
A participação delas na política, na arte e na educação estava muito visível, ao ponto de dar inveja. Afinal, o que conta para a luta das mulheres na minha região é sentir a evolução, mesmo que lenta, mesmo que o ideal seja longe, mesmo que o caminho seja cansativo. Não retroceder é uma vitória, pois o retrocesso chega do dia para noite.
No dia 8 de março de 1979 uma parte das mulheres iranianas (funcionárias da mídia nacional, advogadas e enfermeiras) começaram 6 dias de manifestação contra as violações de direitos das mulheres e o discurso do fundador da revolução sobre o uso obrigatório de véu no local de trabalho.
No silêncio dos partidos políticos de esquerda, que consideravam o ato uma demanda luxuosa da classe média e uma ameaça à luta anti-imperialista, as forças populares religiosas atacaram as manifestantes. Pouco depois, o uso de véu virou obrigatório na administração pública e a partir de 1981 em todo país. Com isso, uma série de direitos das mulheres (família, herança, direito penal etc.) também foi perdida na medida em que a legislação se conformava com as leis da sharia.
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As opressões visaram rapidamente os integrantes e simpatizantes dos mesmos partidos e chegaram em 1988 ao ponto trágico de execuções em massa dos prisioneiros políticos. Até hoje o véu é obrigatório, as mulheres não podem ser magistradas, nem presidentes da república (que tem cada vez menos sentido aliás), aplicam-se cotas discriminatórias em algumas formações universitárias para mulheres e nem temos mais aquela sensação de avançar que tínhamos no final dos anos 90 (governo do Khatami).
Aquele que difunde a ideia de restringir a vestimenta da mulher está visando outros direitos básicos. Foi por isso que chorei com a notícia da queda de Kabul. Longe de querer defender a política norte-americana no Afeganistão, as mulheres afegãs estavam nos últimos 20 anos criando uma geração que se permitia sonhar com um futuro melhor e possível.
Eu sei que essa geração não vai ser um sujeito fácil de governar, como nós não fomos para o Estado iraniano. Mas, como dizia Marzia Hussaini, doutora em estudo de políticas hídricas e docente na Universidade Kateb em Kabul, no seu Twitter: “começar mil vezes de zero necessita força… “eu gostaria que nós florescêssemos pelo menos uma vez, nós que fomos podadas tantas vezes” (Moein Dehaz – poeta iraniano)”.
Khazar Masoumi é ex-atriz, jurista iraniana, doutora em Direito, possui graduação em Direito pela University of Tehran (2005), mestrado em Droit de l’environnement, des territoires et des risques pela Université de Strasbourg (2009) e doutorado em Direito internacional pela Université de Strasbourg (2017). Atualmente é Revisora de periódico da Comparative Law Review e Professor DNS I da Universidade Anhembi Morumbi. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Atuando principalmente nos seguintes temas: Direito ambiental, Lago Urmia, Irã. Mora em São Paulo.
Texto escrito para o Brasil Independente.
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.
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