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O Prêmio Nobel de Economia e colunista do jornal The New York Times, Paul Krugman, escreve sobre a importância dos recentes movimentos pró-sindicatos que ocorrem dentro da gigante Amazon nos EUA. Em um país marcado pela lógica antisindical, o movimento que vem sendo realizado pelos trabalhadores da empresa pode indicar uma mudança nas marés neoliberais. Para o economista “Há evidências de que os sindicatos têm um efeito poderoso para reduzir desigualdades”.
Leia abaixo a íntegra do artigo
Por que um voto pró-sindicato na Amazon pode ser uma grande coisa
Eu cresci em uma sociedade relativamente igualitária, pelo menos no que dizia respeito à renda. Obviamente, havia diferenças de classe em 1974, quando me formei na faculdade; alguns empregos pagavam muito mais que outros, algumas pessoas eram ricas enquanto outras eram terrivelmente pobres. Mas, para a maioria dos americanos, essas diferenças eram muito mais estreitas do que são hoje.
Foi uma era em que muitos, mas não todos, os empregos de trabalhadores braçais ofereciam sólidas rendas e estilos de vida. A produtividade da mão de obra no início dos anos 1970 era menor que a metade da atual, mas o salário médio por hora de trabalhadores não-supervisores, ajustado pela inflação, era tão alto então quanto na véspera da pandemia. E, embora a elite econômica vivesse bem, não era nada como a extravagância que hoje consideramos normal. Em 1973, os CEOs das grandes corporações ganhavam cerca de 23 vezes mais que seus funcionários; hoje a proporção é de 351 para 1.
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Na época, considerávamos normal uma sociedade amplamente de classe média, imaginando que fosse a condição natural de uma economia avançada. Mas claramente não era.
Trabalhadores fazem fila para votar em eleição sindical no centro de distribuição da Amazon, no bairro de Staten Island, em Nova York – Brendan McDermid/Reuters
Então o que tornou possível aquela igualdade relativa? Uma grande parte da resposta, certamente, é que os Estados Unidos ainda tinham um forte movimento sindical na época. Há evidências avassaladoras de que em seu tempo áureo os sindicatos tinham um efeito poderoso para reduzir a desigualdade, tanto aumentando os salários de seus membros como definindo normas de pagamento até para trabalhadores não sindicalizados.
É por isso que o que aconteceu em Staten Island na semana passada, quando os trabalhadores do centro de distribuição da Amazon votaram por ampla margem a favor de sua sindicalização, pode ter uma enorme importância.
Muitas vezes encontro pessoas que acreditam que o declínio e a queda dos sindicatos americanos do setor privado —que representavam 24% dos trabalhadores no setor privado em 1973, mas apenas 6% no ano passado— foi uma consequência inevitável das mudanças econômicas. Afinal, os grandes e poderosos sindicatos não estavam concentrados na indústria fabril? E não estavam destinados a perder o poder tanto porque a manufatura declinou como porcentagem do emprego quanto porque a concorrência internacional reduziu seu poder de negociação?
Mas outros países continuaram altamente sindicalizados —dois terços dos trabalhadores dinamarqueses são sindicalizados— mesmo enquanto experimentavam uma desindustrialização comparável à que aconteceu nos Estados Unidos.
Afinal, por que a sindicalização deveria se limitar principalmente à manufatura? Se eu tivesse de descrever uma empresa que daria um alvo especialmente bom para a sindicalização, seria algo assim: uma grande companhia, com muito poder de mercado porque não enfrenta forte concorrência no país ou no exterior.
Também seria uma companhia que não pode ameaçar os trabalhadores de forma verossímil com a terceirização dos empregos para países de menor custo se eles se sindicalizarem, porque seu modelo de negócios depende de ter a maioria dos trabalhadores perto dos clientes.
Em suma, seria uma companhia muito parecida com a Amazon. Os consumidores podem ver a Amazon como uma espécie de experiência imaculada, intocada por mãos humanas: você clica num botão e as coisas aparecem na porta da sua casa. Mas a realidade é que o sucesso comercial da Amazon depende menos da qualidade de seu site do que de uma enorme rede de centros de distribuição localizados perto dos principais mercados —como o de Staten Island— que tornam possível entregar rapidamente um amplo leque de produtos. A necessidade de manter essa rede é o motivo de a Amazon empregar mais de um milhão de trabalhadores nos EUA, o que faz dela a segunda maior empregadora privada, depois da Walmart.
Então por que os trabalhadores da Amazon e da Walmart não são representados por sindicatos como eram os empregados da General Motors quando ela era o maior empregador privado dos EUA? A resposta, certamente, é sobretudo política. A grande sindicalização da manufatura americana ocorreu durante a época do New Deal, quando a política federal era pró-sindicatos. A mudança da economia dos EUA de manufatura para serviços ocorreu durante uma era de predomínio da direita, com a política federal hostil aos sindicatos e desejando fazer vista grossa para as táticas linha-dura —e às vezes ilegais— usadas por empregadores para bloquear os movimentos sindicais. De fato, a Amazon lutou agressivamente para bloquear uma votação pró-sindicato em Staten Island.
Mas falhou.
Mas talvez essa vitória trabalhista tenha sido um fracasso. Ela ocorre quando os trabalhadores da Amazon no Alabama parecem ter recusado por pequena margem um sindicato. Mas talvez, apenas talvez, ela represente um ponto de inflexão.
Você não precisa romantizar os sindicatos para perceber que um renascimento da sindicalização faria os EUA serem, de muitas maneiras, uma sociedade melhor. Os sindicatos podem, como eu disse, ser uma força poderosa pela igualdade. Eles também podem reduzir a loucura da política nos EUA.
Eu não quero dizer apenas que os membros de sindicatos são muito mais democráticos que os eleitores em geral, embora diante da QAnon-ização do Partido Republicano eu ache que é justo chamar isso de um passo na direção da sanidade.
Além disso, porém, os sindicatos parecem ser uma fonte importante de informação política para seus membros, potencialmente ajudando os eleitores a se concentrar nas verdadeiras questões políticas, em oposição a, por exemplo, a ameaça existencial representada pela Disney com consciência social.
OK, estou fazendo um grande caso do que é até agora um fato pequeno. Mas se os EUA conseguirem manobrar para serem mais igualitários, menos insanos politicamente, os futuros historiadores poderão dizer que a virada começou em Staten Island.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves para a Folha de São Paulo