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Por Antonio Duarte Vargas, via Portal Disparada
Não gosto de ser chato e ficar repetindo por aí “eu estava certo desde o começo”. Mas como apontei em “Lulinha Paz e Amor voltou, mas vai ser difícil tirar o PT do isolamento” e “Doria desiste, e Ciro-Mandetta cresce nos bastidores da centro-direita“, a cada rodada de balões de ensaio, sondagens e articulações, Ciro Gomes é que está cada vez mais fortalecido para liderar o centro em um projeto eleitoral de união nacional contra o bolsonarismo, enquanto o lulismo permanece isolado, e o lavajatismo descendo a ladeira.
Os petistas, que comemoram quando Rodrigo Maia, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Renan Calheiros, defendem Lula para atacar Sergio Moro e o Partido da Lava-Jato, agora estão cinicamente ultrajados com o manifesto em defesa da democracia assinado pelos presidenciáveis da centro-direita com Ciro Gomes chamando todos de golpistas, reacionários ou qualquer coisa do tipo. O discurso dos braços comunicacionais do petismo, como Breno Altman ou Leonardo Attuch, para a militância de esquerda, é acusar Ciro de ser da direita, enquanto nos bastidores Lula, José Dirceu, Jaques Wagner, Wellington Dias, telefonam desesperadamente oferecendo perdões e renovadas juras de amor aos líderes partidários do Centrão e até mesmo para generais.
Porém, esse tipo de acusação contra Ciro é meio ridícula para qualquer interlocutor razoavelmente bem informado ou que realmente atue na política concreta e não apenas nas bolhas histéricas das redes sociais. Ao contrário de petistas importantes como ninguém menos que o poste de Lula, Fernando Haddad, que disse que “golpe é uma palavra um pouco dura”, o ex-governador do Ceará foi um dos aliados que mais combateu o golpe contra Dilma em 2016 e lutou contra o lavajatismo. Se na época a imprensa liberal atacava Ciro chamando-o de destemperado por chamar Sergio Moro de bandido que deveria ser recebido na bala pelo Estado Democrático de Direito e que Lula deveria ser protegido fisicamente em uma Embaixada de uma ordem de prisão ilegal, hoje ninguém mais lembra disso por conveniência, pois demonstra que o “temperamental” cearense estava coberto de razão e era muito mais corajoso que a tropa de covardes do PT. Em relação ao bolsonarismo nem se fale. O também ex-governador e senador Cid Gomes, irmão de Ciro, levou dois tiros no peito enquanto debelava um motim de milicanos bolsonaristas com uma retroescavadeira. Se tem uma coisa de que os Ferreira Gomes não podem ser acusados é de covardes ou omissos na defesa da democracia, tanto contra o lavajatismo quanto contra o bolsonarismo.
Evidentemente, figuras como João Doria e Luciano Huck eram as alternativas principais da aliança entre capital financeiro e o Partido da Lava-Jato para tomar o poder na onda da anti-política (mesmo que de forma hipócrita) como substitutos do populismo reacionário de Bolsonaro. Porém, eles foram sendo cada vez mais inviabilizados tanto pela rejeição na população, no caso de Doria, ou na falta de articulação com a política partidária real do Brasil profundo que dá sustentação aos partidos do Centrão. Já Eduardo Leite é um tucano novato tentando renovar o neoliberalismo por dentro da política em seu partido contra o hegemonismo dos paulistas, João Amoêdo é um almofadinha que construiu um partido ultraneoliberal que ou fica isolado no eleitorado do terraplanismo econômico dos fãs de Ludwig Von Mises na internet ou se submete completamente ao bolsonarismo como no governo de Romeu Zema em Minas Gerais. Já Luiz Henrique Mandetta é um quadro do DEM que ascendeu como representante da “racionalidade médica”, ainda que com certa hipocrisia por se tratar de um defensor de privatização do SUS, mas que cumpriu papel republicano durante a pandemia como Ministro da Saúde de Bolsonaro no frágil arranjo entre o governo e o Centrão. Tanto é assim que foi demitido por não se submeter ao negacionismo radical do presidente, e hoje é uma figura de autoridade no noticiário político-sanitário.
Pois bem. Como unir essas figuras todas, aderentes ao neoliberalismo, e até mesmo à anti-política lavajatista, ao maior inimigo da política macroeconômica neoliberal (inclusive dos governos petistas) e do autoritarismo das corporações judiciais e das milícias reacionárias da extrema-direita? É fácil. Chama-se “Frente Ampla”. Um conceito muito mais simples do que parece, quando forças políticas se unem conjunturalmente em torno de uma questão fundamental contra um inimigo comum e mais forte. É claro que nesse tipo de diálogo existem limites, e um deles foi muito bem colocado por Ciro Gomes: Moro não faz parte nem do Centro e muito menos democrático. A jornalista Vera Magalhães informa no Globo que a iniciativa do manifesto foi de Mandetta e que Moro foi convidado, porém Ciro expressou sua discordância com a presença do chefe do Partido da Lava-Jato. Já os outros assinantes não se incomodam com a presença do ex-juiz declarado suspeito pelo STF, porque ele está totalmente inviabilizado eleitoralmente e não atrapalha mais os planos da direita que precisa do Centrão tão perseguido pelo lavajatismo.
O veto de Ciro ao chefe da Lava-Jato mostra não apenas de que lado ele está e as linhas do chão que ele não cruza para fazer alianças, ainda que totalmente conjunturais e de pouco efeito imediato em termos de articulação eleitoral. O pré-candidato do PDT sabe que a conversa sobre 2022 é muito mais complexa e passa pelos líderes partidários e os arranjos regionais, e não de um encontro entre os possíveis presidenciáveis: “Trata-se apenas de um gesto, concreto, objetivo, no sentido de que, colocadas de lado nossas divergências, algumas inconciliáveis, temos o consenso posível a favor da democracia, da Constituição e contra um claro surto autoritário de Bolsonaro“, ele disse para coluna de Vera Magalhães.
O que esse manifesto demonstra, mais do que uma possível aliança para 2022, é o isolamento de Lula que não consegue atrair ninguém além dos nanicos PSOL e PCdoB como polo aglutinador da oposição. E é contra esse isolamento que os petistas esperneiam acusando Ciro de ser direita, enquanto ele consegue dialogar com os atores políticos da centro-direita que Lula está desesperado para voltar a conversar.
Por outro lado, Mandetta, a exemplo de Doria como vimos há algumas semanas, indica que abre mão de sua pretensa pré-candidatura a presidente em prol de uma chapa de unidade do centro contra Lula e Bolsonaro. Essa sim é uma notícia que tem efeitos nas conversas sobre 2022. “Se a gente conseguir construir um polo de pessoas que têm como ponto comum a democracia, o meio ambiente, a educação, enfim – e que estejam dispostas a se modernizar, a se reciclar, a se repaginar -, é a única coisa que posso oferecer. Inclusive o meu não oferecimento. Inclusive a minha não candidatura para que haja uma unificação do país. É o que ofereço hoje: tudo de mim ou nada de mim”, afirmou Mandetta, em entrevista ao Valor.
Sinais, fortes sinais, como diz o Democrata Cristão.