Crise em Israel – O ataque realizado no último sábado pelo grupo radical Hamas, contra Israel, foi apenas mais um fato dentro de uma engrenagem geopolítica internacional, que pode redefinir as estruturas regionais no Oriente Médio. Modificando as relações políticas, sociais e culturais da região, sobretudo em relação as políticas externas e entrada de novos atores na região.
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A invasão dos militantes do Hamas ao território de Israel por si só já configuraram um feito histórico dentro das décadas de hostilidade e guerras na região, com a invasão sendo classificada como a maior ao território Israelense. Mas o que realmente impressionou o mundo, segundo a mídia ocidental, foi o planejamento e execução da invasão do Hamas, com um ataque coordenado em larga escala com misseis, pelo mar, pelo ar e por terra. Segundo a própria mídia ocidental as agências de inteligência que monitoram o Hamas, como o Mossad, a CIA e o MI6 não conseguiram prever o ataque, e nem foram alertados de uma possível operação se preparando na faixa de gaza. Dois pontos precisam ser analisados sobre essa questão, o primeiro diz respeito ao grupo Hamas, que nunca realizou grandes operações fora da faixa de gaza, e nos últimos anos vinha diminuindo as hostilidades a Israel, com a possibilidade real da criação do estado da Palestina.
Outro ponto que precisa ser levado em consideração, eram os claros sinais de que o Hamas se preparava para um grande ataque Israel, desde o momento que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu retomou o cargo, e o exército de Israel lançou ofensivas sobre a Faixa de Gaza. Essa expansão das colônias israelenses sobre o território Palestino, obrigou o Hamas a mudar sua postura em relação a resolução pacífica e definitiva do conflito, que começava a ser defendida por setores internos do grupo, que não enxergavam mais no radicalismo, a única alternativa para alcançar o objetivo de criar o estado da Palestina. Mas a mudança de postura do governo Israelense, e a prolifera expansão do exército israelense sobre a Faixa de Gaza, reascendeu a chama do radicalismo entre os militantes mais exaltados do grupo.
Nesse ponto, a entrada de antigos e novos atores no conflito se torna fundamental, para a execução e coordenação de um plano de invasão, para um grupo que vinha se desarticulando militarmente nos últimos anos. Países como Irã, Arábia Saudita, Qatar e emirados árabes unidos, ajudaram e financiaram o treinamento e armamento do Hamas, mas com objetivos distintos. Enquanto o Irã financia o Hamas e o Hezbollah com o objetivo de fomentar sua Jihad islâmica contra Israel, os objetivos da liga Árabe são completamente distintos e heterodoxos, e distantes da ideia de manutenção do conflito a longo prazo, diferentemente dos planos do Irã. Mas nesse ponto, algo fica muito claro para entender a complexidade da situação nesse momento, tanto o Mossad como as outras agências de inteligência que atuam na região, sabiam que o Hamas estava em pleno planejamento para uma resposta a ofensiva Israelense, e que o grupo estava sendo financiado e municiado por vários países do oriente médio.
Se formos pensar o histórico de ação do Mossad, não seria a primeira vez que o grupo de inteligência agiria com interesses difusos ao do próprio estado de Israel. No passado, o Mossad impediu a concretização de um acordo de paz e resolução do conflito, entre o ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin, um dos maiores nomes do Sionismo pacifico e conciliador, e o maior líder da autoridade Palestina Yasser Arafat, onde ambos planejavam a criação do estado da Palestina, e o uso comum de Jerusalém como capital de ambos os estados. Infelizmente esse plano de pacificação foi interrompido pelo Mossad e outros grupos que não pretendiam a pacificação da região.
Ao mesmo tempo em que o Mossad afirma não ter tido conhecimento dos planos de ação do Hamas, o alerta de um ataque coordenado do Sul pelo Hamas, e um ataque vindo do Norte pelo Hezbollah na fronteira com o Líbano, foi emitido no mesmo dia pelas agências de inteligência e amplamente divulgado. De fato, a incursão prodigiosa de Israel nos últimos meses, ocupando cada vez mais territórios na faixa de gaza põe em evidencia os reais interesses de Israel na guerra que se trava no momento. Estamos diante de uma resposta de defesa, ou uma invasão planejada que esperou o primeiro ataque do Hamas para ser executada?
Observando o cenário interno em relação as relações diplomáticas de Israel, temos um cenário diferente daquele que Israel encontrou no passado mais recente. Seus aliados da OTAN estão travando uma guerra cara e dispendiosa contra a Rússia por meio da Ucrânia, e os seus maiores aliados os EUA estão com relações diplomáticas turbulentas entre seus governos. Benjamin Netanyahu sempre foi um entusiasta e aliado de primeira hora do ex-presidente Donald Trump, tendo ele durante o seu governo discursado diante do congresso americano, e na sua volta ao governo obteve apoio de grupos de extrema direita, simpáticos e aliados aos grupos trompistas nos EUA. A relação veio se deteriorando nos últimos meses com a guinada radical a direita do governo Netanyahu, suprimindo os direitos civis, reduzindo os poderes da suprema corte e do judiciário Israelense. Internamente o governo vinha sofrendo muita pressão, interna e externa, com protestos violentos e intensos dos cidadãos, e palavras nada cordiais dos seus aliados ocidentais.
Por sinal, essa guerra veio em boa hora para o governo Netanyahu, que sofria grande oposição interna, e estava a passos de perder a legitimidade na ampla maioria do parlamento Israelense. Por outro lado, o Hamas pode ter visto a instabilidade política de Israel como uma janela de oportunidade, para um ataque decisivo e massivo, com uma coordenação sem precedentes pelo Norte e pelo sul. O fato é, que Israel passava por um isolamento silencioso por parte de seus aliados ocidentais, que possuíam todos os seus olhos voltados para o leste europeu, e as relações entre os governos se deteriorando cada vez mais. Mesmo o governo Biden tendo dado uma resposta militar imediata, por ser um ataque ao estado de Israel, mas não por ser um grande aliado do governo Netanyahu.
Do outro lado do oriente médio, a liga árabe desempenha seus próprios objetivos em relação ao conflito, e executa uma nova abordagem em relação a região, sobretudo do ponto de vista econômico e de integração regional. Apesar de alguns países sendo conhecidos financiadores do Hamas e de outros grupos extremistas da região, o objetivo da liga árabe não se encontra em ter uma guerra permanente no oriente médio. Mesmo com esses países sendo beneficiados com a alta no preço do barril de petróleo, a longo prazo, esses países entenderam que a pacificação na região é importante para obter desenvolvimento, e modificar o cenário sociocultural da região, atraindo turistas e se abrindo ao mundo como potencial para investimentos econômicos. A instabilidade na região prejudica os planos da liga árabe de prosseguir com voos mais altos, e modificou permanentemente a relação dos países com grupos da Jihad islâmica.
No passado, esses países foram conhecidos financiadores de grupos terroristas como Al Qaeda, ISIS, Hamas e o próprio Hezbollah, mas nunca foram tocados por serem colaboradores e aliados dos EUA na região, fornecendo petróleo para as empresas americanas, e executando a cartilha do departamento de estado. Nos últimos anos, essa realidade se modificou drasticamente, com a liga árabe se aproximando do BRICs, e fazendo parcerias econômicas em grande escala com China e Rússia, e promovendo uma integração regional com o Irã, tirando o mesmo do isolamento comercial e bloqueio dos EUA. O importante e ressaltar que nos últimos anos, esses países diminuíram drasticamente o financiamento aos grupos Jihadistas e extremistas, com o complexo plano de pacificar a região e promover a integração da península arábica, para obter desenvolvimento econômico e melhorar as condições de vida do mundo islâmico. Mesmo sem o apoio e a participação de Israel para alcançar esse plano, mas que depende de uma resolução imediata e pacífica do conflito entre Palestinos e Israelenses.
O plano da liga Árabe, defendido conjuntamente em comunicado com a Rússia, seria o antigo plano de paz idealizado por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, a criação do estado da palestina com uma parte do território da Cisjordânia, o reconhecimento dos palestinos da existência do estado de Israel, o fim da Jihad islâmica contra Israel, e um tratado de paz duradouro entre Palestinos e Israelenses. Esse plano sempre foi defendido por ampla maioria da comunidade internacional, e seria o melhor caminho para uma paz duradoura e permanente na região. Concretizando o plano da liga árabe, e pondo fim em décadas de conflito e hostilidades entre judeus, muçulmanos e cristãos que já conviveram pacificamente no passado em Jerusalém, que deve ser uma cidade de todos os povos.
Por fim, o conflito em Israel é mais complexo que os nossos olhares ocidentais podem enxergar, envolve um novo conflito que o ocidente não quer estar inserido, um conflito que a liga árabe não quer que aconteça. Em um momento que o Oriente Médio não era o barril de pólvora observado pelo mundo, mas sim uma região que aparentava uma certa estabilidade vigilante, com uma guerra civil na Síria em curso, hostilidades entre Israel e Palestinos e um Irã lidando com seus próprios problemas internos. A palavra guerra não era mencionada pela maioria dos analistas do Oriente Médio, mesmo que essa possibilidade nunca possa ser descartada, sobretudo em relação ao ocidente, que sempre levou guerras ao oriente médio, mesmo não estando sendo ameaçando em seus quintais.
Por Alberto Imbiriba, bacharel em História pela UFPA, especialista em guerras e conflitos mundiais, pesquisador de Ciência Política, trabalhismo e Amazônia
*Publicado originalmente pelo Portal Disparada
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