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Eleição de Milei – A eleição de Javier Milei gerou uma onda de turbulência no cenário político da América do Sul.
Como as duas maiores economias e as nações mais influentes da região, as relações entre Argentina e Brasil têm sido consideradas um indicativo crucial da estabilidade e do progresso regional. Historicamente, os laços bilaterais entre Argentina e Brasil são caracterizados por uma complexa interação de cooperação e rivalidade. Sob a liderança de Milei, antevê-se um período de realinhamento nas relações entre estes dois países.
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Sua postura liberal, enfatizando a defesa dos princípios de livre mercado e mínima intervenção governamental, oferece um contraste marcante com as políticas mais intervencionistas e nacionalistas historicamente adotadas pelos líderes argentinos. A maneira como o Brasil responde e interage com a Argentina sob a gestão de Milei, considerando seu próprio contexto politico, poderá moldar de forma significativa o panorama geopolítico da América do Sul.
Política Econômica
Javier Milei é reconhecido por sua postura ultraliberal. Ele propõe políticas fortemente ancoradas nos princípios neoliberais, abrangendo desregulamentação econômica e significativa redução do papel do Estado. Na Argentina, suas propostas podem se traduzir em ações como a privatização de entidades estatais, a liberalização da política comercial e uma abordagem mais laissez-faire na governança econômica. A filosofia econômica de Milei sugere uma política econômica mais aberta para a Argentina, potencialmente envolvendo a redução de barreiras comerciais, simplificação de procedimentos burocráticos para negócios e fomento ao investimento estrangeiro.
As propostas mais radicais de Milei, como o fim do banco central e a dolarização da economia argentina, são vistas como desafiantes de implementar. Durante a campanha, ele também mencionou a possibilidade de distanciar a Argentina de seus principais parceiros comerciais, Brasil e China. Embora tenha moderado seu discurso após a eleição, sua vitória provocou reações em diversos setores no Brasil.
A implementação dessas políticas pode influenciar profundamente as relações comerciais e de investimento da Argentina com o Brasil. Por exemplo, se Milei seguir uma política de liberalização comercial, isso poderá incrementar o comércio bilateral entre os dois países. A redução de tarifas e a flexibilização das restrições regulatórias poderiam favorecer investimentos das empresas brasileiras na Argentina, e vice-versa. Contudo, há também a possibilidade de surgirem atritos econômicos.
Se as políticas de Milei tornarem a economia argentina significativamente mais competitiva, isso pode representar um desafio para as empresas brasileiras, particularmente nos setores onde ambos os países são concorrentes, como na agricultura, indústria automotiva e manufatureira.
Como membros importantes do Mercosul, as políticas econômicas de Milei podem repercutir em todo o bloco econômico regional. Sua preferência por políticas de livre mercado pode impulsionar práticas comerciais mais liberalizadas no Mercosul, algo que pode ser bem recebido por outros Estados membros, mas também pode gerar tensões quando não estiver alinhado com as estratégias econômicas desses países.
Existe o risco de que a abordagem econômica de Milei leve a uma reavaliação do papel e compromisso da Argentina no Mercosul. Se suas políticas favorecerem decisões econômicas unilaterais ou priorizarem acordos bilaterais em detrimento de compromissos regionais, isso poderá enfraquecer a coesão do Mercosul e afetar sua direção e eficácia futuras.
Política e Relações Exteriores Na Era Milei
A potencial direção da política externa sob a liderança de Milei indica um desvio significativo das normas tradicionais, com um foco renovado na liberdade econômica da Argentina e uma possível inclinação para uma abordagem mais unilateral nas relações internacionais. Milei poderá reavaliar alianças e acordos comerciais da Argentina para assegurar que atendam aos interesses nacionais, priorizando políticas que fortaleçam a posição econômica do país, enquanto se afasta cuidadosamente de compromissos que exijam intervenção estatal substancial ou contribuições financeiras significativas.
No âmbito da política externa, Milei manifestou a intenção de retirar a Argentina do Mercosul e expressou oposição à participação do país no BRICS. Em uma entrevista à Bloomberg, ele criticou o Mercosul como uma “uma união aduaneira defeituosa” e “um comércio administrado por estados para favorecer empresários”, destacando que a união prejudica seus membros. Esta postura gera preocupações para o governo brasileiro, pois a saída da Argentina do Mercosul pode resultar em um enfraquecimento das cadeias comerciais e reduzir a competitividade das exportações brasileiras.
A política de Milei também pode influenciar a dinâmica da diplomacia regional e global. Sua liderança pode provocar uma mudança significativa no Mercosul em direção à defesa de reformas de livre mercado, potencialmente causando reações adversas entre os Estados membros. O Brasil, como membro influente do bloco, terá que se adaptar a essa nova dinâmica, buscando um equilíbrio entre seus compromissos regionais e seus interesses bilaterais com a Argentina.
No cenário global, a abordagem de Milei pode divergir significativamente da do Brasil, especialmente em relação a organizações internacionais e acordos globais. Seu enfoque nos interesses soberanos e prioridades econômicas da Argentina pode levar a uma participação seletiva em iniciativas globais, divergindo potencialmente dos caminhos seguidos pelo Brasil em fóruns internacionais. Essa divergência pode se manifestar nas posturas dos dois países perante desafios globais como mudança climática, política comercial e direitos humanos, levando a posições distintas em debates e resoluções internacionais.
Diante dessas mudanças, as relações diplomáticas entre Argentina e Brasil serão moldadas pela singular política externa de Milei. A possibilidade tanto de cooperação quanto de competição é elevada, o que cria um cenário para uma interação dinâmica entre essas duas potências sul-americanas. A influência de Milei não se restringirá às relações bilaterais; ela também deixará uma marca significativa na diplomacia regional e internacional.
Encruzilhada Ideológica: Milei, Bolsonaro e Lula
Javier Milei e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro compartilham ideologias de direita. Ambos demonstraram preferência pelo liberalismo econômico e mantiveram certo ceticismo quanto às políticas globalistas. O mandato de Bolsonaro foi marcado por políticas sociais conservadoras e uma agenda econômica liberal, diferindo assim dos princípios liberais clássicos de Milei. Este alinhamento ideológico sugere uma potencial cooperação ou compreensão mútua em áreas como defesa de mercados livres, desregulamentação e redução da intervenção estatal na economia.
Contudo, é importante considerar as nuances em suas abordagens. Embora ambos defendam o liberalismo econômico, as políticas de Bolsonaro são permeadas por nacionalismo e um enfoque em valores sociais tradicionais, o que pode divergir da visão liberal de Milei, a qual enfatiza a liberdade individual e a mínima interferência estatal em questões pessoais.
O contraste torna-se mais evidente ao comparar o liberalismo de Milei com a política de esquerda e orientação trabalhista de Luiz Inácio Lula da Silva. Conhecido por seu enfoque no bem-estar social, na redução da desigualdade e na promoção de maior intervenção governamental na economia, Lula representa um espectro ideológico quase oposto ao de Milei. Enquanto Milei advoga pelo livre mercado e mínimo governo, Lula tradicionalmente se concentra no planejamento social, redistribuição econômica e um papel mais atuante do Estado no desenvolvimento econômico.
Esta divergência ideológica não se restringe à política econômica, abarcando também amplas visões sobre justiça social, políticas ambientais e relações internacionais. Enquanto Milei pode favorecer políticas orientadas pelo mercado e liberdades individuais, o mandato e a retórica política de Lula sempre sublinharam a necessidade de ação coletiva e iniciativas estatais para enfrentar desafios sociais e ambientais.
A relação adversa entre Milei e Lula é notória. Durante sua campanha, Milei criticou Lula abertamente, rotulando-o de “comunista” e “corrupto”. Após assumir o cargo, a Argentina suavizou sua postura em relação ao Partido dos Trabalhadores Brasileiro, e Lula limitou-se a enviar o Ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira para representá-lo na cerimônia de posse de Milei em 12 de outubro de 2023.
Reconhecendo a vitória do novo presidente argentino, Lula afirmou em um discurso em Brasília que “Não tenho que gostar do presidente do Chile, da Argentina, da Venezuela. Ele não tem que ser meu amigo. Ele tem que ser presidente do país dele, eu tenho que ser presidente do meu país. Nós temos que ter política de Estado brasileira e ele do Estado dele. Nós temos que nos sentar na mesa, cada um defendendo os seus interesses”, ressaltando a importância de negociações equilibradas e da arte da democracia na busca de acordos.
Por outro lado, representantes da direita brasileira, liderados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, foram convidados para a posse de Milei. Durante esse período, os dois homens se encontraram em Buenos Aires. Anteriormente, Bolsonaro manifestou apoio público a Milei, publicando um vídeo nas redes sociais com a legenda “Viva la Libertad, carajo”. Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, também parabenizou Milei pela vitória, descrevendo-a como “Um excelente começo para o que pode ser a mudança real que a Argentina precisa”.
O Impacto de Milei nas Relações Brasil-China
O possível impacto da posição de Milei nas relações entre o Brasil e a China é uma questão de complexidade notável. O relacionamento do Brasil com a China, profundamente enraizado e que ultrapassa o âmbito comercial, é vital para o cenário econômico brasileiro. A China se destaca como um dos principais parceiros comerciais do Brasil, sublinhando a importância desse vínculo.
Se as políticas de Milei sinalizarem, ainda que indiretamente, uma mudança no relacionamento da América do Sul com os BRICS ou com a China, isso poderia introduzir um elemento novo na equação geopolítica regional. Contudo, a solidez e interdependência econômica entre Brasil e China sugerem que este relacionamento tem a resiliência necessária para resistir a mudanças políticas na região. Baseando-se em um comércio substancial de mercadorias, crescentes intercâmbios tecnológicos e investimentos recíprocos, o relacionamento Brasil-China oferece uma forte proteção contra influências externas.
No entanto, o Brasil poderá ter que ajustar sua estratégia diplomática, particularmente se a abordagem de Milei resultar em mudanças significativas na política comercial sul-americana ou nas alianças regionais. Os formuladores de políticas brasileiras podem precisar recalibrar a posição do Brasil em blocos como o Mercosul e a UNASUL, buscando um equilíbrio entre os interesses bilaterais com a China e um cenário diplomático sul-americano em transformação.
Olhando para o futuro, o relacionamento entre a Argentina e o Brasil, sob a influência do liberalismo de Milei, apresenta um leque de possibilidades. Isso inclui o potencial de uma aliança mais forte devido à convergência econômica e ideológica, assim como a possibilidade de um envolvimento mais cauteloso devido às diferenças diplomáticas e ideológicas. O papel desempenhado por grupos multilaterais como o BRICS, particularmente considerando a posição de Milei, adiciona outra camada de complexidade. Isso é especialmente relevante no contexto do relacionamento estratégico do Brasil com países como a China.
As mudanças na dinâmica entre a Argentina e o Brasil, influenciadas pelas políticas de Milei, destacam a fluidez e a complexidade da política regional. A interação entre políticas econômicas, posturas ideológicas e estratégias diplomáticas pinta um quadro vibrante do potencial futuro desses países. Ao navegar por essas mudanças, suas trajetórias certamente oferecerão insights valiosos sobre a arte da liderança regional e as complexidades das relações internacionais na América do Sul.
Por XIN Mengni, membro do Centro de Estudos BRICS e da Universidade de Estudos Internacionais de Sichuan
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente