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Independência do Brasil – A Independência do Brasil foi uma Revolução, um salto qualitativo tanto na história brasileira como na história mundial. Sem compreender isso, jamais poderemos continuar seu sentido – coração do que é a Revolução Brasileira.
Francisco Quartim: “Nossa bandeira sempre foi vermelha”
Há um curioso consenso entre esquerda e direita no nosso país: desprezar os processos revolucionários que efetivamente ocorreram na história nacional. Parte do nosso complexo de vira-latas, essa visão dominante tem por fundamento a equivocadíssima noção da imutabilidade do Brasil, como se nunca tivéssemos passado por nenhum processo transformativo real. Quase sempre esse discurso de auto-ódio vem acompanhado da comparação do Brasil com outros países (que muda ao gosto de quem fala, seja de esquerda ou de direita), como se estes tivessem passado por verdadeiras mudanças que tiveram peso para o mundo inteiro e nós, não. Este tipo de argumento gira em torno de um exagero das continuidades da história nacional e uma diminuição das mutações, tendo como expressão disso a “falta de conflito” na Independência do Brasil.
Nada poderia ser mais distante da realidade.
Em primeiro lugar, é preciso soterrar o discurso completamente falacioso de que a Independência do Brasil foi um “golpe dinástico”. O processo de emancipação do país foi extremamente conflituoso e longo, com a formação de um verdadeiro Partido revolucionário que vem desde as inconfidências mineira e baiana no final do século XVIII até as diversas rebeliões no início do século XIX, culminando em uma guerra de Independência que se estendeu desde o sete de setembro de 1822 até junho do ano seguinte. Essa verdadeira Revolução teve como um de seus elementos centrais um dramático conflito naval, no qual os navios de guerra brasileiros perseguiram as naus lusitanas até a foz do rio Tejo, em Lisboa.
Este épico naval da Revolução de 1822 supera em muito outras guerras revolucionárias como a dos Estados Unidos ou a Revolução Francesa, que não tiveram um teatro de guerra no mar tão extenso como o Oceano Atlântico, trincheira da guerra luso-brasileira. A centralidade deste campo de batalha para a Independência do Brasil diz muito sobre a projeção de poder do nosso país.
Outros campos de batalha são um pouco mais conhecidos, como o longo processo de guerra revolucionária na Bahia, onde houve o protagonismo da comandante Maria Quitéria, heroína dos Trabalhadores do Brasil. Todavia, no sistemático apagamento de nossa história, esquece-se de vários outros episódios. Além da intensa participação popular na formação do Exército Revolucionário por todo o território brasileiro (principalmente na Bahia, no Grão-Pará, no Piauí, em Pernambuco, Maranhão e na Cisplatina, então pertencente ao Brasil), raramente são citadas as mobilizações populares na capital, Rio de Janeiro. Depois do Dia do Fico em janeiro de 1822, a Divisão Auxiliadora se amotinou contra Dom Pedro I, preferindo obedecer às ordens de Lisboa. Foi a população carioca, insuflada pelos manifestos de José Bonifácio, que tomou o Paço Real e forçou as tropas leais a Portugal a embarcar em um navio e fugir para o Velho Continente. A Revolução de 1822 teria sido impossível sem intensa participação popular.
Há outra falácia implícita no raciocínio de que o suposto caráter “pacifista” da Revolução de 1822 tornaria ela menos “revolucionária” do que outros saltos qualitativos históricos. Este tipo de argumento fetichiza as barricadas e as trincheiras, como se só esses fossem indícios de um conflito real, ignorando a especificidade das relações metrópole-colônia que se formaram no Brasil que expulsou os holandeses sem ajuda de Portugal na Guerra dos 30 anos do século XVII. O fato dos processos revolucionários do Brasil terem sido negociados não diminui nem um pouco o salto qualitativo histórico que eles provocaram – ou a Revolução Gloriosa da Inglaterra de 1688 também não foi parcialmente negociada? É Engels que chama a atenção para o pronlogamento no tempo dos saltos qualitivos.
Em segundo lugar, o discurso da imutabilidade da história nacional é pura e simplesmente mentira. A Revolução de 1822 internalizou o capital comercial, até então monopólio dos portugueses – sem prescindir de um longo conflito no seio da recém formada burguesia comercial entre brasileiros e lusitanos que se estendeu até a Regência nas décadas de 1830 e 1840. Foi essa internalização que transferiu o poder decisório da intermediação comercial para o Brasil – antecipação do que ocorreu mais tarde no processo de industrialização. Ademais, a formação de um Estado Nacional e a manutenção da integridade territorial brasileira foram importantes vitórias daqueles revolucionários e do gênio de nacionalistas como José Bonifácio e Dom Pedro I, requerendo, também, guerras como a Cisplatina e o Prata para sua consolidação. Estas três consequências do Brasil Revolucionário de 1822 – internalização do capital e da decisão econômica, Estado Nacional e integridade do nosso território – foram o esteio da nossa industrialização e de todos os outros êxitos da longa luta de nosso país contra o imperialismo até hoje.
Como todo e qualquer processo revolucionário, a Independência do Brasil também foi marcada por continuidades e contradições, reconhecidas sobretudo por seus próceres. José Bonifácio nunca ocultou que preferia que a escravidão fosse abolida. Foram as contradições de um processo revolucionário real que impuseram sua continuidade, mitigada ao longo das primeiras décadas do Brasil Independente para somente ser de fato abolida em outro processo revolucionário da história brasileira que também é apagado, a proclamação da República no final do século XIX. O líder revolucionário santista argumentou em favor da monarquia constitucional, mas também imbuído de um profundo pragmatismo. Seu receio era que uma República naquele momento poderia ter o mesmo resultado catastrófico que teve em boa parte da América Espanhola, cuja balcanização tornou estes países recém independentes presas fáceis do imperialismo. Estes dois elementos explicam também a continuidade do latifúndio.
Estas contradições e continuidades não são nem de perto uma “jabuticaba”, isto é, uma exclusividade brasileira – ou os “kulaks” do processo revolucionário soviético surgiram do nada? Isso sem precisar mencionar a “prisão dos povos” soviética patentes na longa – e correta – repressão aos Basmachi na Ásia Central, sob liderança de Lenin e não de Stálin. Mesmo a Independência dos EUA manteve parcialmente sua dependência em relação ao capital britânico (o avô de JP Morgan era um banqueiro inglês, por exemplo) e somente outro episódio revolucionário, a Guerra de Secessão na década de 1860, completou a emancipação econômica estadunidense.
Em terceiro lugar, como todo processo revolucionário, a Independência do Brasil mudou o mundo para sempre. Não se pode compreender nossa Independência se desligada da Longa Revolução Burguesa, que, por meio de diversas e diferentes expressões nacionais, enterrou para sempre o entulho feudal do Antigo Regime. A Guerra de Independência do Brasil foi parte do movimento que teve como suas expressões a formação das Províncias Unidas (Holanda), as guerras civis inglesas, a Revolução Francesa, as Independências da América Latina e dos Estados Unidos, as reformas do czarismo russo, a Revolução Árabe no início do século XX e tantas outras diferentes expressões nacionais do mesmo fenômeno mundial – e progressista – que foi a formação do sistema mundial republicano e capitalista.
Sem o Brasil tal como se formou, as demais repúblicas latinas seriam presa fácil do imperialismo europeu. Basta pensar em figuras como o socialista general Abreu e Lima e seu protagonismo na Independência da Venezuela. A enormidade do nosso território sempre aterrorizou as potências centrais e foi essa força econômica, política e militar do nosso país que ajudou até a consolidação das revoluções africanas no século XX – no pragmatismo responsável de nossas relações internacionais, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola. Ainda que com muitas contradições estruturais de classe, as relações étnicas brasileiras – marcadas pela especificidade da miscigenação e da formação de uma nova etnia – tornaram-se modelo de alternativa civilizatória ao purismo racial anglo-europeu.
O apagamento das Revoluções Brasileiras é triplamente reacionário. Primeiro, porque faz-nos esquecer de nossos êxitos e de que temos muito a proteger da sanha imperialista. Segundo, porque apaga nosso papel na formação do atual sistema mundial e da importância do Brasil na luta dos trabalhadores de todo o mundo, diminuindo nosso peso na história mundial e com ele nossa missão universal para toda a humanidade.
Mas, principalmente, o apagamento da Revolução de 1822 tenta fazer-nos esquecer a principal lição: como as Revoluções Brasileiras são feitas e que o próximo episódio revolucionário do Brasil pode estar mais perto do que sonham aqueles que diminuem a força dos Trabalhadores do Brasil.
Por Arthur Silva, servidor público do Estado de São Paulo, graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/USP, pesquisa Teoria da Dependência e História Brasileira
*Texto publicado originalmente no portal Disparada
(Foto: Reprodução)
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