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Malabarismo intelectual – Dois editoriais publicados neste domingo, pelos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, mostram como, em nome da defesa de interesses que não são os do povo brasileiro, o malabarismo intelectual – e econômico – não possui limites. No primeiro deles, a Folha tenta emplacar a narrativa de que a “gastança” do atual governo beneficia rentistas, ignorando a explosão do gasto do governo com pagamentos de juros. Já o Globo tenta relacionar o aumento dos empregos formais em 2024 com a Reforma Trabalhista de….2017.
Primeiro, vamos tratar do texto publicado pela Folha de S. Paulo sobre a “gastança” do governo federal. O jornal paulista parece não perceber que os números que apresenta para justificar sua linha de raciocínio depõem contra o seu próprio argumento. Vejamos: o editorial cita o déficit acumulado dos últimos 12 meses (abril/2024) de R$ 1,043 trilhão – ou seja, 9,41% do PIB – e faz uma comparação com o déficit de 2021, que atingiu 10,25% do PIB naquele ano em que o Brasil enfrentava os efeitos da pandemia da Covid-19.
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Mas esquece de combinar com russos para que os números falem o que eles pretendem que digam: ora, em 2021, o déficit primário foi 6,75% do PIB, ante a 2,4% do PIB acumulado nos últimos 12 meses, isto é, quase um terço do péssimo resultado de três anos atrás. A grande mudança é o gasto com juros – isto sim, que favorece rentistas e oportunistas. Em 2021, o país gastou cerca 3,5% do PIB com pagamento de juros, número que dobra em 2024: nos últimos 12 meses, o país viu sumir das contas o equivalente a 7% do PIB em gastos com juros.
O governo argumenta que o Banco Central (BC) insiste em uma Selic alta demais para o momento econômico do país, fato que se comprova através de uma análise rápida dos índices econômicos do Brasil, realidade que o jornal paulista tenta desmontar. Vale dizer que em 2021, a Selic (taxa básica de juros) começou o ano em 2% e terminou em 9,25%, enquanto em 2024, o índice começou o ano em 11,75% e está em 10,5%, bem acima no comparativo entre um ano e outro.
A Folha tenta argumentar, enquanto briga com os números, que o Banco Central mantém as taxas de juros em níveis elevadas para controlar a inflação, fruto da “gastança” do governo brasileiro. Mas novamente, a realidade se impõe. Se em 2021, tivemos uma inflação de 10,06%, em 2024, o IPCA segue controlado, com 3,69% acumulado nos últimos 12 meses. A expectativa do mercado é que fechemos o ano em 3,88%. A meta de inflação perseguida pelo BC é de 3,00% em 2024, 2025 e 2026, com margem de tolerância 1,5 ponto percentual. Ou seja, o Brasil deve ficar dentro da margem de tolerância da inflação perseguida pela primeira vez em vários anos.
Apesar do malabarismo retórico da Folha de S. Paulo, essa conta não fecha. Na verdade, o que está aumentando o déficit, no exercício fiscal atual, é o governo gastar o dobro do que gastou em 2021 para pagar juros para banqueiros e rentistas. Diante de uma inflação controlada e uma galopante subida nos pagamentos dos juros, a saída correta seria seguir reduzindo a Selic até que ela atinja patamares adequadas ao momento, estimulando e aquecendo a economia interna com mais oportunidades de investimentos e expansão para a indústria e o comércio.
Com a proximidade do fim do mandato de Roberto Campos Neto à frente do BC, a imprensa e a “Faria Lima” pressionam, distorcem números e fatos para tentar garantir que as políticas monetária e cambial do banco se mantenham as mesmas, após a mudança no comando que está por vir. Na verdade, temem de morte que o Banco Central volte a ter, no centro de suas políticas, os interesses do povo brasileiro e que parem de, num estalar de dedos, transferir bilhões e trilhões do Estado brasileiro para um punhado de poucos banqueiros e estrangeiros.
Reforma não gerou empregos
Já o editorial de O Globo se utiliza de um malabarismo retórico para tentar, sem sucesso, relacionar o crescimento do número de empregos formais e da renda média no Brasil à Reforma Trabalhista de 2017. Na época, no afã de convencer a opinião pública – e os trabalhadores – de que retirar os próprios direitos conquistados ao longo de décadas de luta seria algo positivo, a opinião publicada falava que a reforma geraria 6 milhões de empregos com carteira assinada em dois anos.
Passados os tais dois anos (2018 e 2019), o desemprego se manteve estável, na casa dos 12% (fim de 2019), frente a irrisórios pouco mais de um milhão de postos de trabalho gerados no período. Só para se ter uma ideia, desde o início do novo governo, em janeiro de 2023, o Brasil gerou, em 16 meses (até abril), cerca de 2,5 milhões de empregos formais. Em 2018, primeiro ano completo com a nova reforma em vigor, foram gerados tímidos 500 mil novos postos de trabalho, enquanto em 2023, foram cerca de 1,5 milhão. Só em abril deste ano, o saldo de empregos formais, segundo o Ministério do Trabalho, alcançou 240.033 postos, melhor resultado para o mês desde 2013.
Ora, se a reforma fosse a causa do aumento do emprego, esses números teriam crescido exponencialmente entre 2017 e 2020 (advento da pandemia), o que, para a frustação do jornal carioca, não ocorreu. Vale dizer que nos primeiros anos pós-reforma, o que explodiu foi o trabalho informal, que atingiu seu ápice em 2022, com 38,8 milhões de trabalhadores jogados na informalidade, sem qualquer direito ou garantia. Esses números, frise-se, foram subindo anualmente justamente desde a aprovação da reforma, em 2017. Na economia ou na matemática simples, 1 + 1 é sempre igual a 2. Ou deveria ser. Mas sigamos.
Podemos elencar o que mudou, de fato, no Brasil, para que o emprego e a renda média tenham tomado um ciclo de crescimento, em dois pilares: um processo de reestruturação das entidades sindicais, que voltaram a respirar sobretudo após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou constitucional a cobrança da contribuição assistencial sindical em julgamento finalizado em 2023; e a volta de uma política de valorização permanente do salário mínimo, garantindo aumento real aos trabalhadores depois de quase 10 anos de estagnação salarial ou até mesmo, redução de poder de compra.
Em 2024, o salário mínimo foi reajustado de R$ 1.320 para R$ 1.412, um aumento de 6,97%, o que garantiu um aumento real de cerca de 3% aos trabalhadores e trabalhadores do país. A lei aprovada e sancionada pelo governo Lula transformou em lei uma prática vigente no país entre 2011 e 2018, determinando um reajuste do mínimo nacional que soma o INPC ao crescimento do PIB do ano anterior para chegar em um índice que não só reponha a inflação – que foi justamente o que o governo Bolsonaro fez durante os seus quatro anos no poder.
Ao mesmo tempo, com os sindicatos voltando a respirar sem a ajuda de aparelhos, houve um aumento de acordos e convenções provenientes de negociações coletivas, que via de regra, garantem melhores resultados aos trabalhadores do que a tão exaltada “negociação entre patrão e empregado”. Ora, em 1848, Henri Lacordaire já vislumbrava que “entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta”. Tal reflexão do pensador francês é considerada por muitos como fundamento contemporâneo do Direito Trabalhista, e não é à toa.
Com sindicatos mais bem estruturados, as negociações endurecem e os trabalhadores conseguem aumentos reais em seus salários. Mas diferentemente de uns e outros, apresentamos números – sem torcê-los ou distorcê-los – que dão coerência aos nossos argumentos. Um levantamento parcial do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), sobre o ano de 2023, mostra que 77% das negociações coletivas analisadas no período alcançaram ganhos acima do INPC, enquanto 17,3% conseguiram reajustes iguais ao índice inflacionário e somente 5,7% ficaram abaixo dele. A variação real média no ano é, até o momento, igual a 1,11% acima do INPC.
Como medida de comparação, no fim de 2022, foram 55% acordos acima do INPC, 33% iguais ao índice e cerca de 12% acordos abaixo do INPC – o último índice, mais que o dobro do registrado um ano depois. A mudança drástica nos números mostra que uma política de estado de valorização dos salários, somada a um movimento sindical fortalecido são – e sempre foram – a chave para um desenvolvimento sólido e ainda mais, igualitário, que não apenas cresce o tal bolo da economia (PIB), mas o reparte com todos aqueles que passam o ano todo o preparando através do seu suor e do seu trabalho.
E isso a Globo e a Folha não mostram.
(Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)