Caso seja aprovada pelo Congresso, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que amplia a imunidade parlamentar pode ter seus pontos polêmicos barrados pela corte máxima do país, o STF (Supremo Tribunal Federal), tanto pelo seu conteúdo como pela forma pela qual tramitou no Congresso.
As mudanças legais e a aceleração do processo legislativo da PEC nos últimos dias vêm sendo criticadas por vários setores da sociedade e já encontraram oposição também entre ministros do STF. Integrantes da corte entendem que a emenda traz vários trechos que violam a Constituição e podem ser barrados pelo tribunal superior.
Na última sexta-feira (26), sob críticas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu um passo atrás e desistiu da intenção de tratorar a tramitação da PEC e votá-la diretamente no plenário. Ele enviou a proposição para uma comissão especial, que fará a análise do mérito do texto.
A PEC foi acelerada pela Câmara como resposta à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e ratificada pelos plenários do Supremo e da própria Câmara na semana passada.
A decisão da prisão teve como base a publicação de um vídeo de Silveira com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura. Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores e reduz as possibilidades de prisão em flagrante dos parlamentares.
Neste sábado, Lira disse que o recuo da intenção de tratorar a tramitação da PEC não é uma derrota para ele. “Presidente da Câmara não ganha nem perde. Quem decide é o plenário”, afirmou, em um debate virtual com o grupo Prerrogativas.
Segundo Lira, o objetivo da PEC é evitar que “a gente viva nesse contexto de crise institucional”, deixando claro quando cabe prisão de parlamentar. Sobre a prisão de Daniel Silveira, Lira declarou que, de acordo com a Lei de Segurança Nacional, essa não seria a melhor alternativa jurídica. No entanto, ele afirmou que o STF adotou essa postura por causa da falta de regulamentação do artigo da Constituição sobre imunidade parlamentar.
STF teria que ser ‘provocado’
De acordo com a professora aposentada de direito administrativo da USP Odete Medauar, o STF não pode derrubar o texto da PEC por iniciativa própria.
“O Supremo não pode agir sem ser acionado, é preciso que haja uma provocação para que a corte se manifeste. É preciso que alguém entre com uma ação de inconstitucionalidade demonstrando que a PEC viola a Constituição. As instituições que podem entrar com a ação estão indicadas no texto constitucional, e entre elas estão os partidos políticos”, diz.
O Brasil é um dos poucos países do mundo em que o Judiciário pode derrubar emendas constitucionais aprovadas pelo Poder Legislativo, comenta o professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano.
“Aqui o relator do caso no STF pode, sozinho, inclusive suspender a eficácia de uma PEC aprovada por três quintos do Congresso. Isso é muito atípico. O Brasil é o único país do mundo em que o relator tem esse tipo de poder. Isso é muito desequilibrado, em termos da relação entre os Poderes”, afirma.
Como a PEC tem por finalidade permitir que os congressistas eleitos com voto popular alterem a Constituição, não é qualquer tipo de violação ao texto legal que pode ser usada como fundamento para impedir sua entrada em vigor.
Segundo Mariana Chiesa, doutora em direito do estado pela USP e sócia do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, os limites para as alterações nas regras constitucionais estão nas chamadas cláusulas pétreas da Constituição, que não podem ser modificadas nem mesmo por PECs.
São exemplos de cláusulas pétreas os trechos da Constituição que tratam da forma federativa do estado, do voto direto, secreto, universal e periódico, da separação dos Poderes e dos direitos e garantias individuais.
Quanto ao conteúdo da PEC, a advogada diz que a proposta “diminui o poder do STF de decidir sobre a prisão em flagrante de parlamentar. Com isto, é forte o argumento de que esta PEC viola as cláusulas pétreas da Constituição, na medida em que altera a dinâmica de separação de poderes”.
Já em relação à forma de aprovação de PEC, o debate é sobre a legalidade do ritmo acelerado e sem discussão ampla no âmbito de comissões como a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Para a professora de direito constitucional do programa de pós-graduação latu sensu do ITE (Instituto Toledo de Ensino) Lúcia Helena Polleti Bettini, aprovações de leis que tenham violado o regimento interno das casas do Congresso também podem ser questionadas perante o STF nas hipóteses em que o descumprimento das regras represente uma grave ofensa ao princípio democrático.
“As discussões pelas comissões dão a segurança de que o princípio democrático está sendo efetivado”, afirma a constitucionalista.
Segundo Pedro Serrano, em regra em seus julgamentos o STF decide por não interferir nas questões de supostas violações aos regimentos das casa legislativas, por entender que esses são temas internos do Legislativo.
Mas no caso da PEC da imunidade houve um vício maior de forma que pode ser alegado perante a corte suprema, segundo o professor da PUC-SP. “Houve um procedimento exageradamente rápido e simplificado de aprovação, o que impede que a sociedade controle, faça pressão, e é para isso que o parlamento serve”, diz.
“Esse trâmite agride a Constituição porque não permite que certos valores democráticos sejam observados, como o procedimento de debate, no qual seja respeitado o direito da minoria, no qual haja a possibilidade de a minoria se transformar em maioria”, completa Serrano.