BRASÍLIA — Com a pressão da CPI da Covid sobre o Palácio do Planalto, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) retomou as rédeas da narrativa do presidente Jair Bolsonaro. O vereador passou duas semanas em Brasília, retornando ao Rio na última sexta-feira. No período na capital federal, esteve diversas vezes com o pai no gabinete presidencial e ajudou a rever a estratégia de comunicação do governo, fechando-se ainda mais para a imprensa e com foco nas redes sociais. Como em outros momentos de crise, Carlos, mais uma vez, aconselhou o presidente a partir para o confronto que agrada à militância ideológica e ajuda a desviar o foco dos problemas do governo.
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O principal argumento de Carlos é que a suposta moderação adotada por Bolsonaro nos últimos meses, sugerida por ministros e aliados do Centrão, não foi suficiente para impedir a CPI da Covid, instalada por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro também se frustrou com a escolha do senador Osmar Aziz (PSD-AM) como presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) na função de vice, e Renan Calheiros (MDB-AL) como relator.
O efeito prático da ingerência do filho foi sentido mais claramente no discurso de Bolsonaro ontem no Palácio do Planalto. Interlocutores do presidente viram digitais de Carlos na fala do chefe do Executivo com recados indiretos ao STF e insinuações contra a China, principal parceiro comercial do Brasil.
No mesmo evento, em claro afago à militância digital, prometeu um decreto para regulamentar o marco civil da internet, alegando que ele e muitos que o apoiam “são cerceados”. Bolsonaro prometeu “liberdade e punições” para quem não respeitar as regras.
Em seguida, defendeu seu filho Carlos e assessores presidenciais que são acusados de participar do “gabinete de ódio”. Bolsonaro afirmou que eles são “o gabinete da liberdade, da seriedade” e que são “perseguidos”. Após ser investigado na CPMI das Fake News, o grupo pode ser chamado para falar na CPI da Covid.
“Gabinete do ódio”
Bolsonaro citou nominalmente Tercio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência, e “Mateus” — que seria uma referência a José Matheus Sales Gomes, também assessor presidencial. Os dois, junto com Mateus Matos Diniz, que tem um cargo no Ministério das Comunicações, são próximos a Carlos e foram apontados como integrantes do que ficou conhecido como “gabinete do ódio”.
— O meu marqueteiro não ganhou milhões de dólares fora do Brasil. O meu marqueteiro é um simples vereador, Carlos Bolsonaro, lá do Rio de Janeiro. É o Tercio Arnaud, aqui que trabalha comigo, é o Mateus… São pessoas, são perseguidas o tempo todo, como se fosse, tivesse inventado um gabinete do ódio. Não tem do que nos acusar. É o gabinete da liberdade, da seriedade — disse Bolsonaro, durante evento no Palácio do Planalto sobre o 5G.
Segundo um interlocutor próximo da família, embora Carlos nunca tenha se afastado da rotina do governo, é nos momentos de crise que o vereador ganha força no Planalto por validar as convicções do presidente e o reaproximá-lo da militância.
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A Carlos também é atribuída a mudança na Secretaria Especial de Comunicação (Secom). Em 16 de abril, o almirante Flávio Rocha, secretário especial de Assuntos Estratégicos (SAE), foi substituído pelo coronel da Polícia Militar, André Costa. A mudança, segundo integrantes do governo, tem o objetivo de que a Comunicação do governo fique mais ligada ao gabinete presidencial e menos diretamente ao Ministério das Comunicações. A principal reclamação do vereador é que o governo, sob ataque, não conseguia se defender.
Em depoimento na CPI da Covid anteontem, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta citou Carlos algumas vezes, dizendo que ele participava das reuniões sobre o enfrentamento à pandemia. Ao GLOBO, em caráter reservado, integrantes do governo reconhecem a presença do vereador em reuniões sobre a comunicação.
Em resposta a Mandetta, Carlos publicou no Twitter uma foto do ex-ministro em um bar e também abraçando, sem máscara, servidores do Ministério da Saúde ao deixar a pasta em abril do ano passado. “Use máscara, mantenha o distanciamento social e só procure um médico quando sentir falta de ar… Ahhhhh e o tratamento precoce, que estamos proibidos democraticamente de FALAR, foi indicação do sabugo de milho encravado!”, ironizou.
Fonte: O Globo