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Privatização da Sabesp – Na semana, São Paulo deu mais um passo em direção à privatização da Sabesp, projeto do governador Tarcísio de Freitas que foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em sessão marcada por pancadaria e repressão da PM contra manifestantes.
Agora, o projeto deverá ser sancionado pelo governo estadual, mas depende da aprovação da Câmara Municipal da capital paulista – que hoje represente cerca 50% do faturamento da empresa.
Caso consiga seguir avançando no projeto privatista, o governo do SP pretende negociar com municípios a renovação de contratos de concessão até 2060 e definir um modelo para tarifas e investimentos. A previsão é que todo o processo de privatização da Sabesp, incluindo a oferta pública de ações, seja finalizado até julho de 2024.
Com isso, São Paulo segue a tendência de outros estados do país que privatizaram a gestão de serviços de água e saneamento, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. No RJ, a privatização da Cedae é considerada uma “tragédia”, com aumento das tarifas e piora drástica do serviço. Cariocas e fluminenses chegaram a ficar meses assistindo uma água preta saindo das pias de suas casas.
Enquanto a tendência de privatização de sistemas de saneamento avança no Brasil, no mundo, crescem os exemplos que vão na direção oposta, devolvendo a gestão das águas ao controle público após períodos de concessão privada.
Entre 2000 e 2023, houve 344 casos de “remunicipalização” de sistemas de água e esgoto mundo afora, a maioria na Europa, de acordo com levantamento do banco de dados Public Futures, coordenado pelo Instituto Transnacional (TNI), na Holanda, e pela Universidade de Glasgow, na Escócia.
Coordenadora do projeto de Alternativas Públicas do TNI, Lavinia Steinfort explica que tais reversões têm sido motivadas por problemas reincidentes em privatizações e parcerias público-privadas (PPPs), como serviços inflacionados, falta de transparência e investimentos insuficientes.
“A experiência mostra repetidamente como a privatização gera aumentos de tarifas e torna a água menos acessível à maioria da população”, afirma a pesquisadora à BBC News Brasil.
A geógrafa política ressalta que frequentemente a remunicipalização é motivada por saltos nos preços após concessões privadas. Steinfort cita os exemplos de Paris, onde as tarifas de água aumentaram 174% após a privatização, de 1985, e 2009; Berlim, onde subiram 24% entre 2003 e 2006; e Jacarta, capital da Indonésia, onde triplicaram entre 1997 e 2015, quando um processo judicial movido por cidadãos obteve uma primeira vitória judicial para anular contratos com o setor privado.
Vale lembrar que, invariavelmente, investimentos privados são movidos por metas de lucros, o que acaba por comprometer o acesso a um direito humano essencial. O acesso à água tratado e à saneamento depende de investimentos volumosos, que não podem depender exclusivamente da necessidade de gerar retorno financeiro.
Gestão pública retomada
Cidades como Berlim, Paris, La Paz, Maputo e Buenos Aires são exemplos de lugares que retomaram o controle público sobre seus sistemas de saneamento. Em alguns casos, após lutas judiciais ou sociais, revertendo os processos de privatização – curiosamente, o contrário da tendência que se vê no Brasil.
“A tendência a privatizar se baseia em uma ideologia ultrapassada de que o setor privado é mais eficiente. Hoje, temos evidências crescentes de que não é o caso”, afirma Steinfort.
Ela ressalta que a preocupação aumenta com o agravamento da crise climática, o avanço de governos da extrema-direita no mundo e ameaças cada vez maiores ao direito humano à água.
Estudos da TNI mostram que cerca de 90% dos sistemas de água no mundo são de gestão pública.
Dados da AquaFed – Federação Mundial de Operadores Privados da Água – indicam que cerca de 10% da população mundial é atendida por sistemas privados. A privatização de serviços de água e esgotamento sanitário começou sua expansão nos anos 80.
Em boa parte dos casos, foi impulsionada por cenários de austeridade, crises fiscais e incentivada por instituições financeiras internacionais. Entretanto, a gestão privada ainda representa uma pequena fatia do setor.
O pesquisador Léo Heller, da Fiocruz Minas, ex-relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, aponta que o Brasil vai na direção contrária da tendência mundial.
“O Brasil hoje é a grande exceção do mundo. A tendência mais forte tem sido de fortalecer sistemas públicos ou de remunicipalizar sistemas privados. Há iniciativas de privatização, mas menos que no passado. A tendência predominante tem sido de se afastar de sistemas privados”, afirma Heller, que é coordenador de relações internacionais do Observatório Nacional para Direitos a Água e Saneamento (Ondas).
“Tanto países mais pobres quanto os mais ricos implantaram sistemas privados. Países estatizantes como a França privatizaram massivamente, enquanto os Estados Unidos, com toda a sua tradição neoliberal, privatizaram muito pouco”, exemplifica.
Na Europa, países escandinavos, Bélgica e Holanda mantêm sistemas públicos, enquanto França e Espanha são exemplos de países onde sistemas privados se proliferaram.
“Hoje, o Brasil é o único país que está ingressando de forma determinada e com velocidade em direção à privatização. O que surpreende, aqui, é que não são casos individuais, impulsionados por características locais, mas sim um direcionamento de política pública, estimulado pelo governo através de incentivos do BNDES”, considera Heller.
Investimentos para universalizar acesso
No Brasil, a concessão de serviços de água e esgoto à iniciativa privada ocorreu a partir de 1995, com o caso de Limeira, no interior de São Paulo. O movimento ganhou mais impulso a partir de 2016, quando o BNDES lançou um edital para estimular a concessão de serviços públicos e a criação de PPPs.
O movimento do banco criado para promover o desenvolvimento nacional conquistou a adesão de 18 estados interessados em aderir ao programa de concessão de companhias de água e esgoto. A concessão da Cedae, no Rio de Janeiro, que teve o pontapé inicial em 2017, foi o começo da onda.
Em 2020, a sanção da Lei Nº: 14.026, que trata do marco do saneamento básico, sacramentou a direção, estimulando a entrada da iniciativa privada no setor de água e esgoto. Defensores das privatizações dos serviços de água e esgoto destacam o déficit de saneamento no Brasil e a falta de recursos do Estado brasileiro para suprir o volume de investimentos necessários como motivos para avançar na entrega do setor ao capital privado.
Segundo o Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (Snis), 16% da população não tem acesso à água tratada atualmente – quase 35 milhões de brasileiros – e 44% não tem acesso a redes de esgoto. O último dado representa quase 100 milhões de pessoas.
Os percentuais estão muito longe das metas estabelecidas pelo marco do saneamento: até 2033, 99% dos domicílios brasileiros devem ter acesso à água tratada e 90% devem ser atendidos por redes de esgoto.
“Se o Estado não está conseguindo fazer os investimentos necessários, não tem por que a população ficar esperando 20 ou 30 anos para a situação fiscal melhorar se o poder público pode chamar parceiros privados para acelerar esse investimento”, defende Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).
Para alcançar as metas do marco do saneamento básico, estima-se que sejam necessários R$ 50 bilhões de investimentos por ano no setor, contra os cerca de R$ 20 bilhões que foram feitos, em média, nos últimos anos.
“Uma coisa é fazer essa discussão entre o público e o privado em lugares onde a população já tem acesso universal a água e esgoto. Outra coisa é o contexto brasileiro, onde metade segue sem esgoto tratado. Temos um enorme problema social e ambiental, que precisa ser resolvido com a maior celeridade possível”, argumenta Percy.
Entre os brasileiros que recebem menos de um salário mínimo por mês, 75% não têm acesso a redes de esgoto, aponta levantamento da Abcon. “A discussão urgente que precisa ser feita é como levar este serviço para quem não tem”, defende.
A associação revela que o setor tem 178 contratos privados no Brasil, atendendo a 850 municípios, entre concessões plenas (72%), PPPs (12%) e concessões parciais (13%).
(Com informações de BBC News Brasil)
(Foto: Agência Brasil / Arquivo/Fenae)