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Por que Ciro mantém candidatura – Um dos mais experientes e prolixos jornalistas políticos do país, Reinaldo Azevedo declarou na semana passada, no canal MyNews, que não consegue escrever uma redação explicando por que Ciro Gomes mantém sua candidatura à presidência da República e ainda perguntou: “o que ele quer?”. A afirmação e o questionamento me pegaram de surpresa, pois escrever tal redação é uma tarefa supostamente simples para um jornalista, e a resposta para essa pergunta já foi até escrita em livro. Mas, se ele diz que não consegue, tomo a liberdade de tentar ajudar.
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Começo pelo óbvio: Ciro é candidato porque tem o direito de ser, conforme determinado pela Constituição Federal. Ele tem nacionalidade brasileira, mais de 35 anos, pleno exercício de seus direitos políticos e está filiado a um partido político, o PDT, desde 2015 – ou seja, mais que o tempo de 6 meses antes do pleito exigido pela legislação.
Outro motivo importante envolve uma questão que diz o jornalista ser o princípio básico de tudo o que defende: a democracia. Que democracia é avessa ao debate de ideias, à pluralidade? Como pode ser democrática a sugestão de que alguém com propostas claras, com um projeto para o país escrito e estudado, deveria simplesmente se retirar da disputa? Quem, além de Ciro Gomes, representa nesta corrida presidencial o mesmo que ele, tornando-o descartável até mesmo para a diversidade de pensamento, essencial num processo democrático?
Reinaldo defende que, na prática, eleições são sempre bipartidárias, seguindo os moldes dos Estados Unidos mesmo quando se tem um sistema pluripartidário como o nosso. Para ele, há um terço da população que sempre vota em um candidato mais à direita, outro terço que está mais à esquerda e o último terço é pendular, optando por um dos lados a cada eleição. Talvez por isso – e aqui posso apenas especular – acredite que, por Ciro ser de centro-esquerda, ele deveria abrir mão de sua candidatura em prol de outra que se coloca (esteticamente) no mesmo campo e está à frente nas pesquisas: a de Lula. Mas não termos um sistema de fato bipartidário muda completamente o cenário.
Sem entrar na questão de que nos Estados Unidos há, sim, outras legendas além de Republicanos e Democratas, que também disputam a presidência, o importante para a discussão é que, para ser o candidato de um dos dois partidos dominantes, é necessário ganhar as prévias quando há mais de uma pessoa pleiteando a nomeação. Ou seja, há uma eleição antes da eleição. É o eleitor quem decide quem representará o partido e, consequentemente, seu campo ideológico na disputa final.
Sem um processo como esse no Brasil, como se define quem deve representar um lado ou outro? Alguém pode responder: “ora, pelas pesquisas!”. Bom, mas se pesquisas são determinantes, as eleições não são necessárias. Pesquisa não é voto. Em vez de prévias, temos dois turnos, justamente para que o eleitor possa, dentre várias opções, escolher a que prefere e, aí sim, restringir a disputa aos dois mais votados. Absolutamente qualquer brasileiro que atenda aos requisitos dispostos na Constituição tem a legitimidade de tentar ser um desses nomes e deixar o voto, não a pesquisa, dar o veredito.
Dentre os que defendem a retirada da candidatura do pedetista, há também aqueles que assumem que ele tem um bom projeto e é alguém preparado e experiente, mas que não tem chances. Por isso, levando em consideração o tempo sombrio que vivemos, “para salvar a democracia”, deveria apoiar quem as pesquisas dizem que tem mais chances de derrotar Bolsonaro. Não sei se é esse argumento que move Reinaldo, mas é com certeza um muito ouvido pelos eleitores de Ciro Gomes.
Se o problema é votar em quem as pesquisas dizem não ter chances, por que em 2018 ele votou em Henrique Meirelles, que tinha 1% das intenções de voto? Por que não votou em Ciro, que era o único que todas apontavam que venceria Bolsonaro num segundo turno? Por que no segundo turno não votou em Haddad e optou, com todo o direito, por não escolher nenhum dos dois? Ou naquele momento ainda não sabia que Bolsonaro representava uma ameaça à democracia? Será possível que alguém que há décadas faz cobertura política, que acompanhou todas as falas do atual presidente exaltando torturadores e a ditadura militar, não soubesse disso? Bolsonaro pode ser acusado de tudo, menos de nunca ter demonstrado quem realmente é. Não é à toa que, em 1993, Ciro já defendia publicamente que ele deveria ser cassado e preso. Apesar de tudo isso, Reinaldo escolheu um candidato que representava suas ideias, e agora não consegue defender essa opção dos cerca de 8-10% que as pesquisas hoje apontam que votarão em Ciro.
O mais curioso é que o apagão de palavras não acomete Reinaldo em relação à Simone Tebet. Disse ele que conseguiria escrever uma redação explicando a permanência dela na disputa, o que infelizmente não o fez. Talvez argumentasse que o caso de Simone é diferente porque ela é mulher, ou porque representa a direita democrática. A vice de Ciro é mulher, o vice de Lula é de direita. É verdade que vice não tem o mesmo peso da cabeça da chapa, mas sua escolha é estratégica justamente por apontar com quem um candidato quer conversar além do que é capaz sozinho. Tanto Ciro, quanto Lula, acenam para dois dos apelos de Simone, e estão à frente dela nas pesquisas. Ainda assim, para Reinaldo, somente Ciro é injustificável.
Acompanho o programa “O É da Coisa” diariamente há quase quatro anos e, mesmo assim, não consigo saber ao certo em quais critérios seu âncora se baseia ao julgar uma candidatura legítima ou não. Não sei dizer por que em 2018 ele explicou melhor do que ninguém a estratégia do PT de, no primeiro turno, trabalhar para isolar Ciro Gomes e poupar Bolsonaro, que sempre foi declaradamente antidemocrático, garantindo que ele chegasse ao segundo turno. A estratégia petista continua exatamente a mesma nesta eleição, mas por enquanto os ouvintes mais recentes do programa não puderam ouvir a certeira análise de anos atrás, que continua válida.
A redação que não consigo escrever é sobre como o criador dos termos “petralha” e “esquerdopata”, usado constantemente por apoiadores de Bolsonaro e pelo antipetismo (o grande vencedor das eleições de 2018), hoje é visto com bons olhos pelos outrora “petralhas” devido a suas opiniões. É difícil também colocar em palavras como é tratado como inimigo alguém que largou um cargo de diretor na iniciativa privada para lutar contra o impeachment de Dilma Roussef – apoiado por Reinaldo, que agora se diz arrependido – e que votou contra Bolsonaro na última eleição porque ousa criticar um grupo que se diz democrático, mas não aceita contradição.
Por fim, respondo o que Ciro Gomes quer. A versão curta é: mudar a estrutura do país reformando seus modelos político e econômico, que seguem os mesmos há décadas com governos diferentes apenas no verniz, para colocar o Brasil de volta no caminho do desenvolvimento e promover justiça social. A resposta completa o Reinaldo pode ouvir diretamente do Ciro, a quem ele tem acesso a qualquer momento, ou lendo o livro que o “irracional” presidenciável escreveu justamente sobre isso e fez questão de enviar uma cópia ao jornalista.
Está aí na sua estante, Reinaldo, chama-se “Projeto Nacional: O Dever da Esperança”.
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Este texto é opinativo e não reflete, necessariamente, a opinião do site Brasil Independente.