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Grande mídia esconde protestos – O jornalista e colunista do UOL Ricardo Kotscho publicou um texto no qual afirma que, assim como nas Diretas Já, a grande mídia corporativa brasileira, com exceção da Folha de São Paulo, escondeu os protestos do último sábado contra o presidente Jair Bolsonaro, que ocorreram em todos os estados do país.
Entre os principais atos, a ‘Marcha dos 100 mil em SP’, como algumas pessoas chamaram o protesto que lotou a Avenida Paulistas, na capital paulistana.
Leia abaixo o texto de Ricardo Kotscho:
“Como aconteceu na campanha das Diretas Já, todos os principais veículos da mídia brasileira, com exceção da Folha/UOL, esconderam da população o tamanho e o significado da primeira grande manifestação popular contra o governo Bolsonaro, que foi às ruas neste sábado, em mais de 200 cidades, de todos os Estados, e também no exterior.
Em 1984, os primeiros grandes comícios contra a ditadura militar só tiveram destaque neste mesmo jornal, que desde o início encampou a luta por eleições diretas para presidente da República.
Foi ali que o regime dos generais começou a desmoronar e logo o país reconquistaria a democracia
Os demais veículos só entrariam para valer na cobertura quando multidões já tomavam as ruas de todo o país e não tinha mais jeito de esconder.
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Não escrevo isso para agradar a empresa onde trabalho, já pela quarta vez, agora no UOL. Escrevo porque, como repórter da Folha, cobri toda a campanha, do início ao fim, e sou testemunha ocular do que aconteceu.
Esta é apenas uma constatação sobre fatos que já fazem parte da nossa história, e agora se repetem, ao mesmo tempo como farsa e como tragédia, por quem ainda se imagina com poderes para controlar a opinião pública. Se alguém tiver dúvidas, basta consultar o Google.
Foi-se o tempo. Naquela época, quando ainda não existiam as novas mídias da internet, era só pelos jornais, rádios e televisões que os brasileiros podiam se informar sobre o que estava acontecendo em seu país.
Nas localidades mais remotas, onde chegavam poucos exemplares da Folha, o jornal era vendido no câmbio negro e as pessoas tiravam cópias de xerox, pois era o único que cobria todos os eventos da campanha.
Hoje, com seu celular na mão, todo brasileiro pode transmitir em tempo real, por exemplo, o ataque da tropa de choque da Polícia Militar de Pernambuco contra manifestantes no Recife, que levou ao imediato afastamento do comandante da operação, não autorizada pelo governo do Estado.
Só pela internet dava para ver, ao vivo, o Brasil voltando às ruas em defesa da democracia e do direito à vida, sonegado pelo governo negacionista que é responsável, sim, pelas quase 500 mil mortes na pandemia, um crime investigado pela CPI do Senado, que já não dá mais para esconder.
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Desta vez, ao contrário do que acontecia nas manifestações contra o governo de Dilma Rousseff, a Globonews não entrou ao vivo o dia inteiro, convocando a população a sair às ruas. A CNN ainda não existia naquela época, mas agora também só mostrou pequenos flashes gravados, que não davam ideia da dimensão dos protestos contra o governo em todo o Brasil.
Da mesma forma, o Jornal Nacional foi bastante discreto na cobertura, para dizer o mínimo, como se as manifestações estivessem acontecendo em algum outro país distante daqui.
Assim como fez em 1984, quando tentou transformar o grande comício das Diretas Já na praça da Sé, com 300 mil pessoas, como se fosse comemoração do aniversário da cidade, no dia 25 de janeiro, a Globo reduziu o protesto a uma notícia qualquer.
Seus concorrentes, SBT e Record, nem isso fizeram, limitando-se a dar notas cobertas envergonhadas, sem dizer que o principal mote das manifestações era o “Fora Bolsonaro”, como se as únicas reivindicações fossem mais vacinas e o aumento do auxílio emergencial.
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Os jornais Estadão e O Globo passaram vergonha ao dar chamadas minúsculas em suas capas, sem fotos, exatamente como faziam no início da campanha das Diretas Já.
Só a Folha abriu a manchete “Milhares saem às ruas contra Bolsonaro pelo país”, com uma grande foto da avenida Paulista tomada pela multidão, assim como fez o site do Guardian, de Londres, um dos jornais mais influentes do mundo, ainda no sábado.
Aqui no Brasil ainda há publishers, editores e colunistas que se acham mais importantes do que a notícia e só publicam o que lhes interessa, criando sua própria história e dando uma banana para os fatos, mais ou menos como faz o próprio Bolsonaro, que eles só criticam até certo ponto, enquanto não encontram uma terceira via para apoiar.
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Daqui a 30 anos, quem sabe, farão uma nova autocrítica, mas eu já não estarei mais aqui para ver.
Um dia, espero, algum historiador do futuro contará qual foi o papel da mídia e da Lava Jato na criação do “fenômeno Bolsonaro”, ao impedir a volta do ex-presidente Lula ao governo, em parceria com os militares, os tribunais superiores e o mercado. .
Também não escrevo isso porque já fui, há quase 20 anos, assessor de imprensa do ex-presidente.
Como repórter, que nunca deixei de ser nos últimos 57 anos, eu só não posso brigar com os fatos.
Vida que segue.”
Fonte: UOL
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